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África subsaariana: infecções bacterianas causaram a maioria das mortes em 2019

A região registrou 230 mortes por 100 mil pessoas. Em comparação, a super-região de alta renda, que inclui países da Europa Ocidental, América do Norte e Australásia, registrou a menor taxa, 52 mortes por 100 mil habitantes

08/12/2022
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A República Centro-Africana foi o país com a maior taxa de mortalidade padronizada por idade, com 394 por 100 mil habitantes, enquanto a Islândia teve a taxa mais baixa, com 35,7 por 100 mil habitantes

Um artigo publicado recentemente no periódico científico The Lancet, pela equipe de colaboradores da resistência antimicrobiana Global Burden of Disease (GBD, na sigla em inglês) 2019, intitulado Global mortality associated with 33 bacterial pathogens in 2019: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2019, revela que as infecções bacterianas comuns se tornaram a segunda principal causa de morte e foram associadas a uma em cada oito óbitos em todo o mundo em 2019. A pesquisa incluiu 343 milhões registros obtidos em mais de 11.300 locais-ano. As mortes associadas a estes agentes representaram 13,6% de todos os óbitos globais e 56,2% de todas as mortes relacionadas à sepse em 2019.

O Dr. Kevin Ikuta, coautor do estudo, Professor Assistente Afiliado de Ciências Métricas da Saúde na Universidade de Washington, ressalta que este é o primeiro artigo revisado por pares que examina a mortalidade global e os anos de vida perdidos (years of life lost, YLLs, na sigla em inglês) devido ao fardo de 33 patógenos bacterianos em 11 grandes síndromes infecciosas. “A magnitude dessas infecções bacterianas variou de acordo com a localização, com a África subsaariana apresentando a maior taxa de mortalidade e as regiões de alta renda apresentando a menor. Nosso trabalho mostra a extensão do problema e as estratégias necessárias para enfrentá-lo”, assinala. Ainda de acordo com o Dr. Ikuta, a prevenção de infecções é fundamental e inclui ambientes hospitalares e comunidade; mais ênfase nas vacinações existentes atualmente e as novas que precisam ser inovadas; disponibilizar serviços acessíveis de cuidados intensivos básicos, incorporando o uso oportuno de antibióticos apropriados, capacidade laboratorial e cuidados de suporte. Ele também afirma que se faz necessário estratégias e investimentos inovadores em novos e eficazes antibióticos mediante a crescente ameaça representada pela resistência antimicrobiana (RAM) e infecções bacterianas.

Os dados do artigo mostram que, das 13,7 milhões de mortes relacionadas às infecções estimadas que ocorreram em 2019, 7,7 milhões foram associadas aos 33 patógenos bacterianos (ambos resistente e suscetível a antimicrobianos) estudados nas 11 síndromes infecciosas analisadas. A África Subsaariana registrou o maior número de óbitos devido a infecções bacterianas naquele ano, com 230 mortes por 100 mil habitantes. O número cai drasticamente para 52,2 mortes por 100 mil habitantes na super-região de alta renda – que inclui países da Europa Ocidental, América do Norte e Australásia.

Indagado por que as taxas de mortes são mais elevadas nas regiões pobres em comparação com países da Europa, por exemplo, o Dr. Ikuta explica que existem antimicrobianos eficazes para todas as 33 bactérias investigadas, mas grande parte da carga desproporcionalmente alta nos países de baixa e média renda pode ser atribuída ao acesso inadequado a esses medicamentos que salvam vidas, sistemas de saúde fracos e programas insuficientes de prevenção a infecções. “Em primeiro lugar, os comportamentos de busca de cuidados de saúde são impedidos pelos altos custos diretos, impulsionados por deficiências no financiamento do governo para saúde e preços inacessíveis de medicamentos em países de baixa e média renda. Em segundo lugar, o uso indevido de antibióticos causado pela falta de educação dos profissionais de saúde, questões regulatórias, automedicação e disponibilidade restrita de antibióticos pode levar à prescrição do antimicrobiano errado, que, se for muito prolongado, pode promover resistência e, se ineficaz, riscos de progressão da infecção. Em terceiro lugar, cadeias de abastecimento instáveis e controle de qualidade deficiente podem resultar na indisponibilidade do antibiótico desejado ou na disseminação de antimicrobianos de qualidade inferior ou falsificados para o consumidor”, detalha.

Dos patógenos bacterianos analisados, cinco foram associados a mais da metade dos óbitos: Staphylococcus aureus, Escherichia coli, Streptococcus pneumoniae, Klebsiella pneumoniae e Pseudomonas aeruginosa, sendo responsáveis por 54,2% das mortes. O S. aureus causou o maior número de mortes globalmente (1,1 milhão), seguido pela E. coli (950 mil), S. pneumoniae (829 mil), K. pneumonia (790.000) e P. aeruginosa (559 mil). Levando-se em consideração os países, o S. aureus foi a principal causa de morte (135 países), seguido pela E. coli (37), S. pneumoniae (24) e K. pneumoniae e Acinetobacter baumannii (4 países cada). Meningite e outras infecções bacterianas do sistema nervoso central; infecções cardíacas; infecções peritoneais e intra-abdominais e infecções respiratórias baixas e todas as infecções relacionadas no tórax foram algumas das síndromes infecciosas estudadas. Também foram analisadas infecções bacterianas da pele e sistemas subcutâneos; infecções de ossos, articulações e órgãos relacionados; Salmonella tifóide, paratifóide e invasiva não tifóide; diarréia; infecções do trato urinário e pielonefrite; infecções da corrente sanguínea; e gonorréia e clamídia.

Em relação às mortes por doenças infecciosas como tuberculose, malária, HIV e doenças tropicais negligenciadas (DTN), o Dr. Ikuta destaca que embora existam muitas estimativas para estas enfermidades, até agora os dados da carga de doenças causadas por patógenos bacterianos eram limitadas a um conjunto restrito de patógenos e tipos de infecção específicos ou focavam apenas em determinadas populações. “Mais mortes foram ligadas a dois dos patógenos mais mortais – S. aureus e E. coli – do que HIV / AIDS (864 mil mortes) em 2019. No entanto, o estudo aponta que a pesquisa de HIV recebeu US $ 42 bilhões, enquanto a pesquisa de E. coli recebeu US $ 800 milhões. Essas lacunas de financiamento podem ter surgido porque, até agora, havia falta de dados sobre a carga global dessas bactérias”, acrescenta o professor.

Doenças infecciosas têm seus próprios indicadores de Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS 3.3 e têm investimentos substanciais em saúde pública global, como o Fundo Global de Combate à AIDS, Tuberculose e Malária. No entanto, os patógenos bacterianos mencionados no estudo e com maior carga letal não foram o foco principal de nenhuma iniciativa global de saúde pública. As mortes associadas a essas bactérias seriam classificadas como a segunda principal causa de óbitos globalmente em 2019, de acordo com o artigo, quando comparadas com as causas subjacentes de morte de nível 3 do GBD.  Portanto, eles devem ser considerados uma prioridade urgente para intervenção na comunidade global de saúde, insta a pesquisa.

RAM é um problema de saúde pública que precisa ser tratado

A resistência antimicrobiana é uma ameaça para o homem, os animais, as plantas, o meio ambiente, e a afeta todos nós. Ela ocorre quando microrganismos evoluem e se tornam imunes às drogas às quais eram vulneráveis anteriormente. Quanto mais são expostos aos medicamentos, maior é a probabilidade de adaptação. O uso inadequado de antimicrobianos acelera esse fenômeno. Para se ter uma ideia, as bactérias que estão adquirindo resistência são velhas conhecidas da medicina, por exemplo, E. coli, K. pneumoniae e S. aureus. Agora, imagine o desafio para um médico: tratar uma doença bacteriana que não responde aos fármacos conhecidos pela medicina mais avançada.

Podemos esperar taxas globalmente mais altas de mortes por infecções bacterianas em um futuro próximo? O Dr. Ikuta responde que atualmente eles têm trabalhado em estimativas da carga global de patógenos bacterianos ao longo do tempo, e não apenas em 2019. Segundo ele, quando essa análise for concluída, incluindo os dados dos anos mais recentes, será possível ter mais clareza sobre como as tendências mudaram ao longo dos anos e como ainda devem mudar. “Considerando o último, a possibilidade de prever tendências futuras nas taxas de mortalidade relacionadas a infecções bacterianas e resistência antimicrobiana deve aumentar os esforços de prevenção e administração de antibióticos, mas também vai ajudar a priorizar a pesquisa e o desenvolvimento de novos medicamentos antimicrobianos e vacinas”, atenta o co-autora do estudo.

Recentemente foi comemorada a Semana Mundial da Conscientização Antimicrobiana, celebrada todos os anos, de 18 a 24 de novembro.