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Anfotericina B, maravilha da ciência farmacológica atual que persistente por mais de 70 anos

Tratamento da leishmaniose cutânea ainda utiliza medicamentos com efeitos adversos potencialmente graves

08/12/2022
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Dr. Ali Khamesipour e sua equipe trabalham extensivamente no desenvolvimento de vacinas e no tratamento tópico contra a leishmaniose cutânea

A Leishmaniose Cutânea (LC) é uma grande ameaça à saúde pública em algumas áreas endêmicas, com 600 mil a 1 milhão de novos casos em todo o mundo anualmente. O tratamento é uma questão desafiadora, embora inúmeras modalidades tenham sido introduzidas como tratamento candidato, mas apenas agentes antimoniais são comumente usados para tratar a doença. O tratamento tópico é uma alternativa atraente que evita as toxicidades da terapia parenteral ao ser administrada por via simples e indolor. Atualmente diferentes formulações tópicas, principalmente de paromomicina, têm mostrado resultados promissores em estudos pré-clínicos e clínicos e são comercializadas. Recentemente, formulações lipossomais de anfotericina B têm sido cada vez mais utilizadas no tratamento de diversos tipos de leishmaniose.

Em setembro, foi publicado um artigo intitulado Pilot study of safety and efficacy of topical liposomal amphotericin B for cutaneous leishmaniasis caused by Leishmania major in Islamic Republic of Iran, que tem como autor principal o  renomado Dr. Ali Khamesipour, líder no uso de tratamento tópico com anfotericina B. De acordo com a pesquisa, a Lip-AmB 0,4% isoladamente ou em combinação com o tratamento padrão nacional mostrou eficácia e segurança aceitáveis para o tratamento de lesões de LC causadas por L. major e merece investigação adicional em ensaios clínicos de fase 3. Para saber mais sobre o assunto, a Assessoria de Comunicação da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) entrevistou o Dr. Khamesipour, que é professor de imunologia na Universidade de Ciências Médicas de Teerã, capital e principal cidade da República Islâmica do Irã.

Confira a entrevista na íntegra.

SBMT: Professor Ali, o senhor é um dos líderes no uso de tratamento tópico com anfotericina B. Poderia nos contar um pouco sobre o seu trabalho nessa área?

Dr. Ali Khamesipour: Nossa equipe está trabalhando extensivamente no desenvolvimento de vacinas e no tratamento tópico contra a leishmaniose cutânea (LC). Para o tratamento tópico de LC, formulações lipossômicas de drogas já aprovadas como Glucantime, paromomicina e Anfotericina B (AmB) foram usadas para distribuí-las de forma mais eficaz às diferentes camadas da pele. Formulações lipossômicas de Glucantime, paromomicina e AmB foram desenvolvidas e estudadas a desde o ensaio de bancada até Fase 3 em humanos, e até agora, a avaliação geral de diferentes formulações mostrou que AmB lipossomal tópico é muito eficaz para o tratamento de LC. Realizamos estudos pré-clínicos para o AmB lipossomal tópico com o generoso apoio do DNDi e concluímos os ensaios clínicos de fase 1-2 e, em seguida, o ensaio clínico de fase 3 foi concluído com o apoio da OMS/EMRO. Levamos quase 15 anos para concluir o desenvolvimento do AmB lipossomal tópico até finalmente, obtermos a aprovação do FDO do Ministério da Saúde do Irã em 2018. O AmB lipossomal tópico com o nome comercial de SinaAmpholeish® está agora disponível no Irã e é usado para o tratamento de LC.

SBMT: Recentemente foi publicado um estudo piloto, em que o senhor assina como autor principal, sobre a segurança e eficácia da anfotericina B lipossomal tópica para leishmaniose cutânea causada por Leishmania major na República Islâmica do Irã. Quais foram os principais achados e qual a importância dessa pesquisa?

Dr. Ali Khamesipour: Este estudo foi concluído no tempo em que, devido a vários fatores, principalmente sanções políticas, os medicamentos derivados antimoniais não eram facilmente encontrados no país e, dessa forma, os pacientes com LC foram em sua maioria tratados com injeções intralesionais (IL) de Glucantime. O objetivo do estudo piloto foi avaliar a segurança e eficácia da AmB lipossomal tópica no tratamento de pacientes com LC em comparação com o tratamento padrão nacional. Neste estudo, recrutamos 66 pacientes com lesões de LC por L. major. Entre 14 pacientes com 84 lesões que receberam tratamento padrão nacional (IL ou Glucantime sistêmico) combinado com AmB lipossomal tópico duas vezes ao dia por 28 dias, 11 de 12 pacientes com 70 lesões mostraram uma cura completa (92% de eficácia). Entre 22 pacientes com 46 lesões que receberam apenas aB liposômica tópica duas vezes por dia durante 28 dias, 19 pacientes concluíram o estudo e 18 apresentaram cura completa (95% de eficácia). Na avaliação de segurança, em geral os pacientes não apresentaram eventos adversos como coceira, queimação, inflamação ou dor. Contudo, 2 dos 36 pacientes relataram sensação de queimação tolerável e os pacientes preferiram continuar o tratamento com AmB lipossômico tópico. Entre os 30 pacientes que receberam somente o tratamento padrão nacional (glucantime intralesional semanal, 7 sessões de injeções IL mais crioterapia quinzenal, 3 a 4 sessões), 33 lesões em 15 pacientes apresentaram cura completa (48,5% de eficácia) no seguimento do dia 42.

Em conclusão, este estudo mostrou que a AmB liposômica tópica sozinha ou em combinação com o tratamento padrão nacional é segura com uma alta taxa de eficácia e merece uma investigação mais aprofundada em ensaios clínicos da fase 3.

SBMT: Em sua opinião, de que forma o tratamento tópico para leishmaniose tegumentar com a anfotericina B pode salvar vidas?

Dr. Ali Khamesipour: O tratamento disponível para LC é horrível e qualquer tratamento com menos dor se faz necessário; achamos que a AmB lipossômica tópica seria muito eficaz para tratar a LC. Uma vez que, já realizamos ensaios clínicos de fase 3 utilizando AmB lipossômico tópico sob o nome comercial de SinaAmpholeish® para o tratamento de LC causado por Leishmania maior e Leishmania tropica e os resultados foram promissores (os dados ainda não foram publicados).

Em relação ao estudo de ensaio clínico fase 3 da LC causado pela Leishmania maior, tivemos dois grupos; em um grupo, 63 pacientes receberam apenas SinaAmpholeish® apenas duas vezes por dia durante 8 semanas. O outro grupo de 63 pacientes recebeu terapia combinada de Glucantime intralesional (uma vez por semana) mais crioterapia (uma vez a cada duas semanas) durante 8 semanas. O percentual de taxa de cura apenas para SinaAmpholeish® foi de 100% e para o Glucantime intralesional mais crioterapia foi de 96,5%.

Em relação ao estudo de fase 3 da CL causado por Leishmania tropica. Os pacientes foram recrutados e receberam Glucantime IL (uma vez por semana) e o duplo cego recebeu aleatoriamente SinaAmpholeish tópico ou placebo tópico duas vezes por dia durante 28 dias. No dia 90 do estudo (visita 10), 42 dos 49 pacientes que foram tratados com tratamento SinaAmpholeish mais Glucantime foram curados (eficácia 85,7%), apenas 7 pacientes não foram curados (14,3%), 33 pacientes que receberam o placebo mais o tratamento com Glucantime foram curados (eficácia 60%) e 22 pacientes não foram curados (40%). No dia 180 do estudo (visita 11), no grupo de tratamento com SinaAmpholeish mais Glucantime, nenhum paciente apresentou recaída entre os 42 pacientes curados (eficácia 85,7%), mas no grupo placebo que recebeu tratamento apenas com Glucantime, 4 pacientes tiveram recaída (eficácia 52,7%).

Estes dois ensaios clínicos de fase 3 mostraram claramente que o SinaAmpholeish® é eficaz no tratamento da LC.

Enquanto isso, uma das principais vantagens dessa formulação tópica é a fácil aplicação do gel pelo paciente, mesmo nas áreas rurais, comparando-se ao tratamento padrão (Injeções de Glucantime IL ou sistêmicas, além de crioterapia) que são injetáveis e precisam de equipes médicas experientes para injeções.

SBMT: O Brasil poderia utilizar a mesma formulação desenvolvida pelo senhor e sua equipe para realizar estudos clínicos? Se sim, o que seria necessário para isso?

Dr. Ali Khamesipour: Sim, com certeza, podemos fornecer o SinaAmpholeish® para os ensaios clínicos. Se uma proposta for feita, então de acordo com essa proposta poderemos fornecer o SinaAmpholeish®. Qualquer outra sugestão é bem-vinda.

SBMT: O senhor poderia nos falar sobre a eficácia da anfotericina B lipossomal tópica versus antimoniato de meglumina intralesional (glucantime) no tratamento da leishmaniose cutânea?

Dr. Ali Khamesipour: Confira as respostas para a pergunta 2: Nos 30 pacientes que receberam tratamento padrão nacional sozinhos (glucantime intralensional semanal, 7 injeções IL mais crioterapia quinzenal, 3 ou 4 sessões), 33 lesões em 15 pacientes apresentaram cura completa (48,5% de eficácia) no dia 42 de seguimento.

SBMT: Quais são os próximos passos e o que o senhor espera encontrar?

Dr. Ali Khamesipour: SinaAmpholeish® agora é usado rotineiramente para o tratamento de LC no Irã. No entanto, gostaríamos de ter a aprovação desse medicamento em outros países como o Brasil e também gostaríamos de obter a aprovação da droga pela OMS.

SBMT: Qual é o peso da leishmaniose cutânea no mundo e por que ela continua tão negligenciada?

Dr. Ali Khamesipour: Segundo a OMS, a taxa anual de incidência da forma cutânea de leishmaniose é de cerca de 1.000.000, o que é subestimado; o número real é 4-5 vezes maior do que o registrado.

SBMT: O senhor gostaria de acrescentar algo?

Dr. Ali Khamesipour: O tratamento disponível atual para LC é semelhante à tortura antiga e não tolerável pelos pacientes, não aceitável pelos médicos/autoridades; na minha opinião, é muito importante trabalhar no desenvolvimento de novos tratamentos para a LC, especialmente se for cutânea, o que foi um sonho por anos.

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