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Anvisa aprova primeiro kit para diagnóstico molecular da doença de Chagas

O Kit NAT Chagas reúne todos os compostos necessários para a identificação do DNA do Trypanosoma cruzi

09/07/2022
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A aprovação representa um marco para a assistência aos pacientes acometidos pela doença de Chagas no Brasil e demais países endêmicos

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concedeu, no dia 20 de junho, o registro para o primeiro kit brasileiro de diagnóstico molecular para a doença de Chagas, enfermidade que atinge de 6 a 7 milhões de pessoas em todo o mundo. O registro é uma das exigências para que o exame possa ser incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS). A adoção da metodologia ainda depende da avaliação de custo e benefício pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) no SUS e de decisão final do Ministério da Saúde.

O Kit NAT Chagas (Nucleic Acid Test for Chagas Disease), como foi chamado, é uma espécie de teste molecular que reúne todos os compostos necessários para a identificação do DNA do Trypanosoma cruzi. Nos testes realizados, o produto apresentou alta sensibilidade, sendo capaz de detectar a presença de material genético equivalente a apenas um décimo do DNA do parasito na amostra. O desempenho foi o mesmo da análise molecular realizada em centros de referência. O Kit também será utilizado no monitoramento terapêutico a fim de detectar falhas. De acordo com o Dr. Otacílio Moreira, coordenador da plataforma de PCR em tempo real da Fiocruz (RPT09A) e pesquisador do Laboratório de Virologia Molecular do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), que esteve à frente do desenvolvimento do kit ao lado da Dra. Constança Britto, o Brasil conta com um produto nos mais altos padrões de qualidade, produzido com boas práticas de fabricação e validado para o diagnóstico, que poderá ser oferecido ao SUS.

Outra inovação está na sua origem nacional, que acaba com a necessidade de importar insumos e reduz os custos do processo de testagem. Na ausência de um kit comercial, o diagnóstico molecular da doença de Chagas só era possível em laboratórios de pesquisa, com testes ‘in house’, que utilizam reagentes importados e dependem da produção de alguns componentes dentro dos próprios laboratórios. Além de facilitar a realização do exame, o Kit NAT Chagas traz confiabilidade de resultados. De acordo com a chefe do Laboratório de Biologia Molecular e Doenças Endêmicas do Instituto Oswaldo Cruz, a Dra. Britto, uma das pesquisadoras que liderou o projeto, cerca de 80% das pessoas afetadas pela doença não têm acesso ao diagnóstico ou tratamento. Na fase crônica da doença, o diagnóstico é essencialmente sorológico pela detecção de anticorpos contra o parasito, podendo a PCR convencional ser usada para detectar o material genético do patógeno a partir de uma amostra de sangue, quando os testes sorológicos geram resultados inconclusivos.

“A PCR possui aplicações específicas na doença de Chagas, como o monitoramento de transmissão vertical, reativação e acompanhamento de pacientes sob tratamento etiológico (falha terapêutica). Não podemos esquecer que o padrão ouro para o diagnóstico da doença de Chagas é a sorologia. Também seria interessante a possibilidade do uso do NAT Chagas para a detecção do DNA de T. cruzi em casos de surto oral da doença de Chagas, que correspondem a 70 % dos novos casos da doença no País. Nestes casos, o kit pode ser utilizado para a detecção do DNA do parasito nos pacientes agudos, com maior sensibilidade que os testes parasitológicos clássicos, e até mesmo nas amostras de alimentos, como o suco de açaí e bacaba, que são os alimentos mais relacionados aos surtos orais na região Norte do Brasil”, explica a Dra. Britto.

Assim como outras Doenças Tropicais Negligenciadas (DTN), a doença de Chagas não conta com investimento em vacinas por atingir uma população mais vulnerável. Além disso, há muitas barreiras para o acesso ao diagnóstico e ao tratamento, o que se traduz em números devastadores: apenas 10% dos doentes conseguem acesso ao diagnóstico e, desses, menos de 1% tem acesso, de fato, ao tratamento. Mas essa realidade está prestes a mudar, já que o kit de diagnóstico molecular permite que qualquer pessoa capacitada possa executar o teste e obter a mesma qualidade de resultado obtida por especialistas em laboratórios de referência, o que representa a descentralização do diagnóstico e a agilidade nos resultados, além de padronização dos testes utilizados por diferentes centros. Se distribuído em regiões onde a enfermidade apresenta maior incidência, as pessoas terão a oportunidade de receber o tratamento mais cedo.

O Kit NAT Chagas, que já é considerado um marco para a assistência aos pacientes acometidos pela doença no Brasil e demais países endêmicos, apresenta ainda o potencial de contribuir no acompanhamento de pacientes que precisam realizar transplante de coração devido à doença de Chagas crônica. O agravo é a terceira causa mais frequente desse tipo de transplante no País. Após o procedimento, os pacientes precisam usar medicações imunossupressoras, que aumentam o risco de reativação da infecção pelo T. cruzi, sendo necessário monitorar a carga parasitária no sangue. Neste caso, a PCR pode detectar precocemente a reativação da doença, em comparação aos testes parasitológicos clássicos.

Contribuição para tratamento precoce nos bebês

A transmissão da doença de Chagas de mãe para filho (congênita) é hoje uma das principais vias de infecção nos países que controlaram a transmissão de vetores, por meio de vigilância, melhorando os padrões de moradia e aplicando a triagem de candidatos à doação de sangue em hemocentros (bancos de sangue), como Argentina, Brasil, Chile, Honduras, Paraguai, Nicarágua e Uruguai. De acordo com o II Consenso Brasileiro em Doença de Chagas, na América Latina foram estimados mais de 15 mil casos de doença de Chagas congênita por ano, com análises mais recentes indicando estimativa de 8.668 crianças infectadas por transmissão vertical.

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) recomenda a triagem universal de Chagas para gestantes, pesquisa do parasito para os recém-nascidos ou estudo sorológico após os sete meses de idade que se positivo é indicação formal de tratamento etiológico, com cura em todos os casos. Também aconselha tratar as mães após o parto e diagnosticar e tratar os outros filhos de mulheres que tiveram resultados positivos. Mas, infelizmente, nem todas as mães consultam ou levam seus filhos para afastar a possibilidade de transmissão vertical. Neste sentido, o Kit NAT Chagas será uma das metodologias inovadoras para o diagnóstico em recém-nascidos. Com as metodologias atuais, esse diagnóstico só costuma ser possível no final do primeiro ano de vida dos bebês – como as famílias afetadas pela doença geralmente vivem em locais com difícil acesso aos serviços de saúde, é comum que muitos não retornem para realizar o diagnóstico.

O desenvolvimento do Kit NAT Chagas começou em 2012, dentro da Rede de insumos para diagnóstico do Programa de Desenvolvimento Tecnológico de Insumos para Saúde (PDTIS) e do Programa de Pesquisa Translacional em doença de Chagas da Fiocruz (Fio-Chagas), que integra as ações da instituição para o agravo. Ele é resultado de ações pioneiras de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico da Fiocruz, que começaram na década de 1980 com investigações sobre a variabilidade genética do T. cruzi. Em 1995, a pesquisadora Constança Britto publicou uma tese que descrevia, de forma inédita, a aplicação da técnica de PCR como método diagnóstico da doença de Chagas crônica. “Começamos com uma pesquisa básica, para conhecer a genética dos parasitos e hoje temos um produto de aplicação imediata. Isso é muito gratificante”, destaca a Dra. Britto.

Sobre a doença de Chagas

A doença é endêmica em 21 países das Américas, com destaque ao Brasil, Argentina, Bolívia, Colômbia e México. No Brasil, é a quarta causa de morte entre as doenças infecto-parasitárias. Nas Américas, estima-se que 6 a 8 milhões de pessoas estejam infectadas com o Trypanosoma cruzi, no entanto, a maioria (7 em cada dez) desconhece sua condição devido à ausência de sintomas clínicos. Mais de 10 mil pessoas morrem a cada ano em consequência de complicações clínicas da doença e cerca de 75 milhões de pessoas na região correm o risco de contraí-la.

A enfermidade continua causando grande sofrimento e matando milhares de pessoas na América Latina, especialmente nos países mais pobres e entre as populações mais vulneráveis. Atualmente, há somente dois tratamentos disponíveis: benzonidazol ou nifurtimox, ambos desenvolvidos há décadas com um longo período de tratamento, 60 dias (8 semanas), e efeitos colaterais frequentes, especialmente em adultos. A detecção precoce é essencial para melhorar a eficácia do tratamento e cura. Infelizmente o diagnóstico ocorre frequentemente nos estágios finais da doença.

Julho: mês de Carlos Chagas

Dia 9 de julho marcou o nascimento de um dos maiores e mais completos cientistas que o Brasil produziu: Carlos Chagas. Esse grande brasileiro deveria ter seu trabalho reconhecido com o Nobel. Ele foi o único médico no mundo que descreveu completamente uma doença infecciosa, do patógeno, ao vetor, passando pelos hospedeiros, suas manifestações clínicas e a epidemiologia. Nossa homenagem e agradecimento a Carlos Chagas, um grande brasileiro reverenciado no mundo todo.