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Arboviroses são importantes e constantes ameaças em regiões tropicais

Para o neurologista Marcelo Adriano Vieira, do Instituto de Doenças Tropicais Natan Portella, é preciso adotar medidas como educação em saúde e controle vetorial, saneamento básico e pesquisa, além da utilização de novas tecnologias na prevenção das infecções humanas

09/05/2017
Dr.

Oropouche, Mayaro, Febre do Nilo, Encefalite de Saint Louis, zika, dengue, chikungunya, são apenas algumas das 210 arboviroses apontadas em circulação no Brasil e que representam potencial ameaça à saúde humana da população

Nas últimas três décadas, dobrou o número de arbovírus catalogados no Brasil. Segundo registros do Instituto Evandro Chagas, órgão referência em Medicina Tropical, já circulam no território nacional 210 arbovírus. Na década de 1980 eram apenas 95. Pelo menos 37 são capazes de provocar doenças em humanos. As arboviroses têm representado um grande desafio à saúde pública e a situação atual e preocupante das arboviroses no País reflete um complexo contexto, no qual, de um lado interagem entre si ineficácias gerais de atuação do poder público e da sociedade em geral e, de outro, fatores relacionados às mudanças climáticas e ambientais e aos desmatamentos, que favorecem a amplificação, a transmissão viral, além da transposição da barreira entre espécies.

Segundo dados do Ministério da Saúde, em 30 anos, aproximadamente, 12 milhões de pessoas já foram infectadas por doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, que além da dengue, transmite outras 17 arboviroses. Todas essas arboviroses são um grande problema de saúde pública e merecem uma atenção redobrada. É preciso maior conscientização com medidas efetivas e permanentes. Para falar mais sobre o assunto, a assessoria de comunicação da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) conversou com o neurologista do Instituto de Doenças Tropicais Natan Portella e membro da Gerência de Epidemiologia da Fundação Municipal de Saúde de Teresina (FMS/PI), Dr. Marcelo Adriano Vieira.

SBMT: Por que nos últimos anos tem-se evidenciado o aumento do número de casos de comprometimento do sistema nervoso central (SNC) em pacientes acometidos por arboviroses?

Dr. Marcelo Adriano: As arboviroses sempre tiveram uma relação estreita com o sistema nervoso central, como já era observado com os vírus da encefalite japonesa, das encefalites equinas (do leste e do oeste), da encefalite venezuela, do Nilo Ocidental e da encefalite de Saint Louis. Entretanto, a ocorrência explosiva recente das arboviroses dengue, zika e chikungunya alcançou dimensão poucas vezes observadas anteriormente, fazendo com que os casos neuroinvasivos ganhassem maior notoriedade. Além disso, o vírus Zika trouxe ainda a “novidade” do comprometimento do sistema nervoso ainda na fase pré-natal, com a detecção de casos de microcefalia congênita.

SBMT: Qual a potencial ameaça que os arbovírus representam à saúde humana no Brasil, em especial ao SNC?

Dr. Marcelo Adriano: A maior proporção de fatalidades relacionadas às infecções humanas por arbovírus ainda se deve às complicações hemorrágicas. O absenteísmo relacionado aos casos não fatais traz impacto econômico significativo. A incapacitação crônica advinda das complicações articulares persistentes relacionadas ao vírus chikungunya impacta o bem estar dos indivíduos prolongadamente e vai de encontro à oferta assistencial dos sistemas públicos de saúde das regiões mais atingidas. Os surtos de microcefalia relacionada à infecção materna pelo vírus Zika têm consequências de curto, médio e de longuíssimo prazo, com potencial de deixar uma marca em toda uma geração. Ao encontrar nichos ecológicos favoráveis, muitos arbovírus podem provocar surtos de encefalite, mielite e encefalomielite.

SBMT: O senhor acredita que vírus neurotrópicos como chikungunha e zika – que podem causar síndromes neurológicas – também poderiam levar a manifestações psiquiátricas? Eles podem ter relação com desenvolvimento de transtornos psiquiátricos agudos pós-infecção?

Dr. Marcelo Adriano: Sim. Inclusive, já há alguns relatos na literatura científica sobre o tema. Além do mais, deve-se lembrar que até 50% dos sobreviventes das encefalites virais apresentam sequelas cognitivas, psiquiátricas ou motoras, independente da etiologia específica.

SBMT: Há pouca informação na literatura sobre Zika vírus relacionado com manifestação neurológica. Existe o relato de um artigo na Polinésia Francesa de uma paciente que desenvolveu Síndrome de Guillain-Barré após sete dias de uma doença “Influenza-like”. Em sua opinião, o Zika é um vírus com menor chance de acometer o sistema nervoso?

Dr. Marcelo Adriano: As evidências disponíveis são insuficientes para comparar a chance do vírus Zika comprometer o sistema nervoso em relação aos outros arbovírus. Entretanto, já foram descritos casos confirmados de encefalite, mielite, encefalomielite e de polirradiculoneurite associados à infecção pós-natal pelo vírus Zika.

SBMT: A associação de infecção por dengue com a ocorrência de manifestações neurológicas foi reportada no ano de 1976. O que mudou de lá para cá?

Dr. Marcelo Adriano: Atualmente, testes diagnósticos de infecção pelo vírus dengue já fazem parte da rotina de investigação laboratorial etiológica dos casos de encefalite e de meningite asséptica em vários centros do País, mesmo daqueles em que não tenham ocorrido sintomas clássicos da doença.

SBMT: Em relação ao chikungunya, sabe-se desde a década de 1960 que a infecção pode afetar o sistema nervoso central, sendo que, no início da década de 1970, verificou-se a associação com meningoencefalite e mielite. Atualmente, como está a situação?

Dr. Marcelo Adriano: Existem relatos de casos atípicos de infecções humanas por chikungunya mostrando que diversas topografias do sistema nervoso podem ser atingidas, direta ou indiretamente (meninges, encéfalo, nervos ópticos, medula espinhal, nervos ópticos, nervos espinhais, etc.). Estudos sistemáticos sobre a participação do vírus chikungunya na gênese do total de casos de doença neuroinvasiva são escassos, especialmente nos países tropicais.

SBMT: As arboviroses têm representado um grande desafio à saúde pública. Que medidas podem ser adotadas para minimizar essa situação?

Dr. Marcelo Adriano: Educação em saúde, medidas clássicas para controle vetorial, saneamento básico e pesquisa / utilização de novas tecnologias na prevenção das infecções humanas e, quiçá, do dano neurológico mesmo quando a infecção já ocorreu. A possibilidade de transmissão sexual do vírus Zika trouxe novo desafio às campanhas de prevenção.