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Ciência pega carona em uma bicicleta

Pesquisador espanhol viaja de bike pelo mundo para encorajar estudantes do ensino médio a desenvolverem paixão pela ciência

08/09/2020
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Pedalando sua bike, o pesquisador do IRD-MIVEGEC (Montpellier, França), realiza o sonho de aproximar a ciência de comunidades educacionais com o projeto Scicling

Fazer ciência não é como andar de bicicleta, mas nada impede que a ciência pegue carona em uma bike, não é mesmo? Se você não entende como isso é possível é porque nunca ouviu falar do projeto “Scicling”, palavra que funde science e cycling [ciência e ciclismo, respectivamente, em inglês], duas das paixões do pesquisador. Mas antes de falarmos do projeto vou contar um pouco da história do pesquisador e da sua bicicleta.

O Dr. Alejandro Marín-Menéndez é médico veterinário por formação (embora nunca tenha atuado nesta área) e bioquímico. Possui mestrado em educação e doutorado em microbiologia. Em sua primeira experiência em laboratório, ainda na graduação, investigou características genéticas específicas em peixes e desde então tem trabalhado nas áreas de Neurociência no Karolinska Institute, Tumoral Stem Cells na Universidade de Castilla, em La Mancha em Albacete, sua cidade natal, onde também tem contribuído para desenvolver nanopartículas contra doenças infecciosas e, principalmente, nos diferentes aspectos de como lidar/compreender melhor as infecções por malária. No momento trabalha no MIVEGEC-IRD na França, onde em outubro vai continuar sua pesquisa como um Marie-Curie bolsista de pós-doutorado.

De forma para lá de descontraída, o pesquisador que carrega uma vasta experiência de pesquisa em instituições líderes na Europa, África e América do Sul, com atividades de divulgação na Inglaterra, Espanha, Marrocos, Quênia e Brasil, relembra com entusiasmo o tempo em que morou e trabalhou em Manaus; “Tenho boas lembranças das pessoas e da gastronomia. Ainda me lembro do açaí com cereais como um dos melhores e mais fotes cafés da manhã que já tomei”, recorda o Dr. Marín-Menéndez.

Sobre como fazer ciência de bicicleta, o pesquisador explica que Scicling é uma iniciativa de engajamento público que visa levar a ciência de ponta às escolas de uma forma simples e sustentável: andando de bicicleta. O objetivo é ampliar a cultura científica nas comunidades educacionais e gerar pontos de encontro entre alunos do ensino médio e professores com cientistas especialistas em diferentes áreas. O Dr. Marín-Menéndez conta que os temas das palestras (workshops) são bastante flexíveis e que geralmente se adapta às necessidades da instituição que visita. “Peço pelo menos duas horas, mas fico feliz quando consigo ficar três horas inteiras com 25 a 30 alunos entre 14 e 18 anos. Por já ter visto professores que se envolveram com bastante rapidez e entusiasmo nas sessões, acredito que elas também possam ser adequadas para adultos (professores)”, ressalta.

Com facilidade de se adaptar a novos ambientes, este pesquisador tira o capacete de ciclismo e, de bermuda e camiseta, vai dar uma palestra sobre o que é DNA, por exemplo. “Na primeira hora, pretendo fazê-los pensar sobre o que é ser um cientista e que esqueçam o estereótipo do homem de jaleco, mostro fotos de alguns dos grupos muito diversos dos quais tive a sorte de fazer parte com pessoas de mais de 30 nacionalidades. Em seguida, os convido a fazer uma tentativa de isolar o DNA de uma fruta usando elementos muito simples, para que possam realizar experiências e ver os resultados em apenas alguns minutos”, detalha. Na segunda hora, a classe é dividida em grupos de 5 ou 6 alunos. Primeiro, é feita uma breve introdução sobre a malária, doença que o Dr. Marín-Menéndez investiga há cerca de 10 anos. Depois, cada um desses grupos recebe dez propostas de uma página com diferentes projetos reais relacionados à doença. Atuando como um comitê de financiamento, cada grupo deve decidir, com um orçamento limitado, quais projetos eles financiariam ou não. Dentro de cada grupo há um tesoureiro, um secretário e um palestrante, que no final apresenta a toda a classe quais decisões tomaram e justifica o porquê. Por último ele conversa abertamente sobre sua vida pessoal e profissional seguida de uma longa rodada de perguntas e respostas.

A primeira ação do projeto teve início na primavera de 2019, quando o Dr. Marín-Menéndez visitou duas das Ilhas Canárias, Lanzarote e Fuerteventura. Durante as três semanas que esteve lá, visitou oito escolas secundárias interagindo com mais de 500 alunos. No outono do mesmo ano, após um grande esforço do Consejo de Educación Secundaria, especialmente do chefe de uma escola secundária, Felipe Rodriguez, e da inspetora Marta Kandratavicius, o pesquisador pedalou pelo Uruguai. Lá, visitou 21 escolas e o Instituto Pasteur de Montevidéu para discutir, neste último, com outros cientistas sobre a importância do engajamento público. Em sua estada no país envolveu mais de 700 alunos.

Questionado sobre por que escolheu a bicicleta, o Dr. Marín-Menéndez é acredita que ela adiciona um toque de proximidade desde o início. “Quer dizer, chego à escola de bermuda, com todo o meu material de ciclismo, as duas malas que carrego com a roupa e os materiais para a sessão e geralmente suando”, brinca. Ainda de acordo com ele, isso basicamente, quebra a ideia de o cientista ser um nerd de laboratório e demonstra que ele é um ser humano como qualquer outro. Andar de bicicleta é uma forma sustentável e simples de minimizar o que é preciso para levar ciência ao público em geral. E, claro, acredito que quanto mais gostas do que faz, melhor para todos, pelo que também me permite descobrir a paisagem dos locais que visito com mais calma do que se me deslocasse com um veículo motorizado”, completa.

Em relação ao engajamento público, o pesquisador enfatiza que o campo ainda dá os primeiros passos em muitos países, mas, ao mesmo tempo, avanços estão sendo feitos e os cientistas estão mais conscientes da importância de se envolver cada vez mais, não apenas com os adolescentes, mas também com o público em geral. “Ter uma seção de envolvimento público em todas as solicitações de financiamentos ajuda os cientistas a serem criativos e a aumentar a atenção nesse aspecto de suas funções. Eu sou um otimista e apenso que o entusiasmo de outros cientistas está crescendo mais e mais ultimamente”, reconhece.

Pedalada na malária

A pesquisa atual do Dr. Marín-Menéndez se concentra em compreender melhor a singularidade do parasita da malária para combater a doença, que afeta principalmente mulheres grávidas e crianças. Ele argumenta que mesmo que as grandes indústrias farmacêuticas tenham vários programas específicos para a malária na tentativa de desenvolver novos medicamentos e/ou vacinas, é indubitável o fato de que são necessários mais investimentos e esforços. “Não apenas da grande indústria farmacêutica, mas também de governos e outras iniciativas privadas”, atenta.

Mas por que estudar malária em países onde ela não está presente? O pesquisador justifica que vê a humanidade como um todo, ou seja, não acredita em fronteiras, nem doenças. “Todos estamos vivendo um bom exemplo com a situação atual. É engraçado que você pergunte isso porque durante as sessões alguns alunos também questionaram isso. Quando isso acontece, eu pergunto a eles, se houver um incêndio na casa dos vizinhos, você vai ajudá-los? Para mim, basicamente, não há dúvida. É melhor ajudar uns aos outros, não importa onde estejamos nem de onde viemos”, finaliza.

Saiba mais sobre o projeto visitando o site https://scicling.org/ e seguindo no Twitter e no Instagram @Scicling