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Cortes no orçamento representam grandes desafios para o futuro das pesquisas e da ciência no Brasil

Investimento em CT&I é basilar para o desenvolvimento sustentável, econômico e social de um país

07/03/2018
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Cortes ameaçam o funcionamento do sistema nacional de CT&I, comprometem a possibilidade de recuperação econômica em momento de crise econômica e podem afetar seriamente a qualidade de vida da população e a soberania do País

No dia 13 de dezembro, o Congresso Nacional aprovou o Orçamento para 2018, com corte de 19% para Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) comparado a 2017. O montante significa 40,5% do valor de 2016. Para este ano, estão previstos R$ 3 bilhões, valor que representa um corte de R$ 1 bilhão em relação a 2017. Há muito tempo não se via cientistas e estudantes tão engajados em mostrar à população os efeitos dos cortes anunciados. Entidades nacionais, representativas das comunidades científica, tecnológica e acadêmica e dos sistemas estaduais de CT&I têm se dirigido às autoridades constituídas e à sociedade para protestar. Estas entidades já haviam alertado anteriormente sobre as consequências gravíssimas desses cortes para o País, que ameaçam o funcionamento do sistema nacional de CT&I, comprometem a possibilidade de recuperação econômica em momento de crise econômica e podem afetar seriamente a qualidade de vida da população brasileira e a soberania do País.

Para o pesquisador do Laboratório de Epidemiologia do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP) Expedito Luna, esses cortes drásticos na dotação de verbas públicas destinadas à CT&I no Orçamento de 2018, o mais baixo da última década, põem seriamente em risco o futuro do Brasil. Ele explica que o retorno do investimento em ciência e tecnologia se dá no médio e longo prazo. Ele é a garantia de inserção do País na economia do 3º milênio, a ‘era do conhecimento’. “Infelizmente a política dos atuais dirigentes brasileiros vai na direção contrária. O corte de um orçamento já insuficiente continuará a ceifar grupos de pesquisa e incentivar a fuga de cérebros”, enfatiza ao alertar que nem mesmo o setor primário, a agricultura e pecuária, deixará de ser afetado, pois ele também depende da ciência e tecnologia para manter-se competitivo no mercado internacional.

Na opinião do ex-presidente da SBMT, o pesquisador e professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Carlos Henrique Nery Costa, cada geração anuncia o futuro através das descobertas e inovações tecnológicas. “O Brasil é um país que pouco inventa, que pouco descobre, em parte devido à fragilidade de suas instituições, que não são suficientemente fortes para inovar, para provocar um conhecimento de alto nível, em parte devido ao baixo nível educacional da população. Tudo isso conspira para que o Brasil seja um país atrasado e capaz de pensar o seu futuro. Assim, vivemos importando conhecimentos e tecnologias porque somos incapazes de criá-los, de inventá-las. Ao lado da qualificação da mão de obra e da dimensão do mercado, a inovação é uma das principais estratégias para a superação do subdesenvolvimento. Essa era uma das principais políticas anteriores que foi lamentável e sumariamente reduzida. Isto nos condena ao subdesenvolvimento e nos transforma em uma nação alienada, numa colônia moderna”, destaca.

A senadora Ana Amélia Lemos (Progressistas-RS) lamenta que uma situação de grave crise fiscal e financeira do setor público, faça com que setores estratégicos, como CT&I, sejam duramente afetados. “Infelizmente passamos por esse momento por causa dos equívocos de gestões anteriores que não cuidaram do equilíbrio das contas públicas. Agora estamos pagando uma conta muito cara. O governo anterior pegou recursos destinados à pesquisa e aplicou no Ciência sem Fronteiras (CsF), um programa que teria validade se fosse aplicado para formar mestres e doutores. Mas o que se viu foram muito jovens na graduação indo para o exterior estudar inglês”, aponta. A parlamentar indaga qual é avaliação do custo benefício do CsF? “Quantas coisas temos que fazer hoje, nesse momento de crise, para ajudar cidades que enfrentam o risco de epidemias de doenças típicas do clima tropical? Esse era um recurso muito precioso para o investimento em pesquisa e desenvolvimento que hoje faz falta”, assegura a parlamentar.

“Agrego a essa discussão o famigerado congelamento dos ‘gastos’ sociais pelos próximos 20 anos, aprovado pelo Congresso Nacional, com aplauso e incentivo da grande mídia e do ‘mercado’. Essas decisões têm consequências. A atual epidemia de febre amarela talvez seja a primeira delas. Imagino que os defensores do congelamento devam estar comemorando a epidemia, pois trata-se do primeiro resultado da sua lei”, critica o Dr. Expedito Luna. Ele argumenta ainda que o investimento na modernização do parque produtor de vacinas vem sendo aquém do necessário. As atividades de vigilância e controle de doenças estão sendo cada vez mais subfinanciadas, incluindo a rede de laboratórios de saúde pública, as atividades de vacinação (que não se reduzem à produção e compra de vacinas) e as de controle vetorial. “Causa espanto o País estar atravessando uma das mais sérias emergências em saúde pública do período recente, e não haver uma campanha de mídia esclarecendo a população sobre a vacinação, enquanto ficamos sabendo que milhões de reais estão sendo gastos comprando deputados e em campanha de mídia para a aprovação da reforma da previdência”, exemplifica.

Já o Dr. Carlos Henrique reforça que o ato de restringir o investimento em ciência e tecnologia é um ato de investir no subdesenvolvimento, é quase uma intenção de manter o Brasil como um país subdesenvolvido, incapaz de se renovar ou de contribuir para o mundo. “Além disso, o Brasil é o maior país tropical do mundo e um dos países mais importantes dos Trópicos, ao lado da Índia, no sentido de geração de conhecimento. Por que isso? Porque os países tropicais são pouco capazes de gerar conhecimento de qualidade e tecnologia e passam, então, a importar conhecimentos e tecnologias menos adaptadas ao clima tropical, particularmente, nas áreas de agricultura e medicina. Desta forma, as tecnologias importadas tornam-se mais caras para nós porque temos de pagar para a sua adaptação. Isso é um dos principais fatores que determina o subdesenvolvimento”, pontua. Ainda de acordo com o professor da UFPI, o Brasil poderia ser a estrela dos Trópicos, poderia ser a Nação capaz de irradiar conhecimento e tecnologia para todo o mundo tropical. “Mas não, agora ele resigna-se a se manter como sempre se mantiveram os Trópicos, como colônias, de uma forma ou de outra, dos países desenvolvidos, não tropicais”, complementa.

Questionado sobre o que pesquisadores, professores, estudantes, entidades científicas, instituições de ensino e pesquisa brasileiras podem fazer diante dos cortes, o Dr. Expedito Luna admite que nunca foi um pessimista, mas desta vez vislumbra que a recuperação do estrago feito nesses dois anos pós-impeachment demorará algumas décadas. “Nós pesquisadores do campo da saúde temos de continuar lutando e resistindo, mas confesso que está difícil”, desabafa.

Por fim, a senadora Ana Amélia Lemos lembra que, particularmente, é autora de um Projeto de Lei para regulamentar no Brasil os Fundos Patrimoniais, aprovado no senado e tramitando na Câmara dos Deputados (PLS 8694/2017). “Eles funcionam como uma poupança que será formada por doações de pessoas físicas e empresas. Esse mecanismo servirá como uma fonte alternativa para financiar pesquisas de universidades e outras instituições públicas e filantrópicas. Esse modelo é muito comum nos Estados Unidos e Inglaterra”, conclui.