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COVID-19: sobrevida do vírus em superfície é afetada por temperaturas tropicais

Temperaturas mais baixas favorecem a sobrevivência do vírus que, segundo cientistas, resiste mais em superfícies lisas que porosas

10/11/2020
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A pesquisa pode ajudar a explicar a aparente persistência e disseminação do Sars-CoV-2 em ambientes frios com alta contaminação de lipídios ou proteínas, como instalações de processamento de carne

Pesquisadores da Agência Nacional de Ciência da Austrália (CSIRO) descobriram que o vírus responsável pelo COVID-19 pode sobreviver por até 28 dias em superfícies comuns, incluindo notas de banco, aço inoxidável e vidro, como por exemplo, telas de telefones celulares. De acordo com o estudo intituladoThe effect of temperature on persistence of SARS-CoV-2 on common surfaces, publicado no Virology Journal, temperaturas mais baixas favorecem a sobrevivência do vírus que, segundo cientistas, resiste mais em superfícies lisas que porosas. A pesquisa, entretanto, não foi recebida de forma unânime pela comunidade científica.

Para a análise, os cientistas testaram a taxa de sobrevivência do vírus causador da Covid-19 em diversas superfícies, utilizando uma solução sintética com concentração viral semelhante à relatada em amostras de pacientes infectados. O estudo foi realizado no escuro para remover o efeito da luz ultravioleta, pois outras pesquisas já demonstraram que a luz solar direta pode inativar rapidamente o vírus.

Para saber mais sobre o assunto, a Assessoria de Comunicação da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), entrevistou o Dr. Shane Riddell, pesquisador principal do estudo.

Confira a entrevista na íntegra.

SBMT: A descoberta de que sobrevida do virus em superfícies é afetada pela temperatura explicaria porque a pandemia é menos grave nos Trópicos?

Dr. Shane Riddell: Existem vários fatores que influenciam na vida do vírus, como umidade, e luz ultravioleta também tem um papel importante. Nós sabemos que umidade excessiva também reduz a vida do vírus e a luz ultravioleta (luz do sol) é muito eficaz em inativar o vírus, o que também impacta gotículas aerossóis/respiratórias, bem como transmissão superficial.

SBMT: O aumento da temperatura, mantendo a umidade, reduziu drasticamente a capacidade de sobrevivência do vírus para menos de 24 horas a 40 graus. Isso explicaria porque a África teve menos casos em relação a outros países?

Dr. Shane Riddell: É possível, contudo ainda não sabemos exatamente qual é o papel da transmissão de superfície na disseminação do SARS-CoV-2.

SBMT: A incidência e a mortalidade pela COVID-19 seriam menores nos Trópicos devido à sobrevida do vírus em superfícies ser mínima?

Dr. Shane Riddell: A epidemiologia do vírus é bastante complexa, e sua transmissão é sabida que ocorre através de aerossóis, gotículas e superfícies. De forma similar, enquanto sabemos que o tempo de sobrevivência decresce com o aumento da temperatura, existem outros fatores que também contribuem para isso, como umidade, exposição a UV e protocolos de limpeza.

SBMT: Então como explicar a diferença entre a África e a América Latina, por exemplo?

Dr. Shane Riddell: O risco de superfícies contaminadas também varia dependendo do comportamento das pessoas. A contaminação de itens que são colocados diretamente na boca (talheres, copos, canudos) obviamente apresentam um risco maior se contaminados, em comparação às superfícies que requerem o toque para chegarem à boca (corrimãos, maçanetas, caixas eletrônicos, máquinas, telefones). Comportamentos de higiene de crianças são difíceis de controlar e poderiam resultar em surtos onde os ambientes das crianças estejam contaminados (parquinhos, por exemplo).

SBMT: O estudo levantou algumas críticas, entre elas a não utilização do muco fresco como veículo. Como o senhor rebate?

Dr. Shane Riddell: Nossos experimentos foram projetados para imitar muco, mas não para avaliar os efeitos de fatores imunológicos, inatos ou adquiridos, no muco – isso não era um estudo de imunidade. O que sabemos é que com o tempo, a quantidade de vírus viáveis no muco decresce enquanto a imunidade cresce, para que, posteriormente na infecção, os valores quantitativos de PCR ainda estarão altos, mas os vírus viáveis são bem menos. Então, nosso estudo provavelmente representa o “pior cenário” no início da infecção.

SBMT: Alguns estudos apontam que a chance de transmissão através de superfícies inanimadas é muito pequena. Poderia falar a respeito?

Dr. Shane Riddell: Enquanto o papel principal na transmissão do SARS-CoV-2 parecem ser gotículas respiratórias e aerossóis, ainda existe um potencial para transmissão por superfície. O papel da transmissão por superfície ainda é provavelmente menor do que via aerossol ou gotículas respiratórias, porém, para compreender perfeitamente o risco da transmissão por superfícies, seria necessário saber quanto tempo ele pode sobreviver em superfícies tocadas frequentemente.

SBMT: O estudo levanta a discussão sobre a disseminação primária do SARS-CoV-2 (aerossóis e gotículas respiratórias), e os fômites. Poderia nos falar sobre isso?

Dr. Shane Riddell: O estudo não foi projetado para comparar se a transmissão por superfícies ou aerossóis é mais importante. Ainda pensamos que aerossóis e gotículas respiratórias são a fonte primária de infecção. Para determinar o risco apresentado pelas superfícies, nós precisaríamos saber quanto tempo o vírus sobrevive em cada superfície e os níveis de vírus necessários para transmitir (o que ainda não se sabe), agora temos mais informações para avaliar o risco de superfícies.

SBMT: A desinfecção das superfícies continua altamente recomendada devido a possibilidade de sobrevivência do vírus por longo tempo. Independentemente de quanto tempo o vírus fique em cada tipo de superfície, a sua capacidade de permanecer infectante permanece alta?

Dr. Shane Riddell: Os níveis de vírus viáveis certamente caem com o tempo, e estavam extremamente baixos no 28º dia (provavelmente menos do que seria necessário para ser uma dose infectante), de forma que certamente recomendamos a limpeza e desinfecção de superfícies de contato regularmente.

SBMT: Em sua opinião, os resultados do estudo podem mostrar que o contagio das pessoas seja maior pelo fato de tocarem objetos contaminados em que o vírus permanece mais tempo?

Dr. Shane Riddell: Certamente é importante, contudo, pensamos que estar próximo de uma pessoa infectada e exposto a gotículas respiratórias e aerossóis sejam um risco bem maior.

SBMT: Gostaria de acrescentar algo que considere importante?

Dr. Shane Riddell: A principal mensagem que esperamos que as pessoas captem deste estudo é que ele reforça a importância de lavar as mãos com frequência, usar álcool em gel quando em público. Evitar tocar superfícies comuns sempre que possível e não levar os dedos à boca ou esfregar os olhos.