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Apoio internacional: os dois lados do auxílio aos países pobres

Pesquisador do Ipea destaca que ajuda de países ricos tem seus méritos, desde que acompanhada de um “impulso interno de mudança”

18/08/2017
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Em meio ao impasse sobre o tema, os países mais afetados são aqueles que, além da pobreza, estão envolvidos direta ou indiretamente em conflitos armados ou secas extremas que afetam severamente a produção agrícola

Nações com péssimas condições de habitação, falta de saneamento e crescimentos populacionais desordenados estão entre as mais propensas à incidência de conhecidas doenças tropicais como esquistossomose e leishmaniose. Não há dúvida de que países nessas condições, como o Sudão do Sul, precisam urgentemente de apoio internacional. Mas até que ponto esse tipo de auxílio é positivo?

Especialista em temas como mobilidade social, pobreza e desigualdades, o doutor em Sociologia Rafael Guerreiro Osório ressalta haver duas visões sobre o tema: tanto os dos que acreditam ser impossível a superação da pobreza sem a ajuda internacional, quanto os que consideram tipo de auxílio mais como danoso do que ajudado no desenvolvimento.

Em relação aos aspectos negativos, Osório – também pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) – destaca o argumento de alguns especialistas de que o apoio de países ricos pode dificultar o surgimento de um impulso interno pela mudança social. “[Quem compartilha dessa visão] considera a ajuda internacional como mais causa de danos do que de ajuda no desenvolvimento. Seja por efeitos econômicos adversos – pois quando é muito grande em relação à economia do país pode causar ou potencializar a ‘doença holandesa’ [um mal ocorrido na Holanda em 1960, quando o aumento do preço do gás atraiu capitais e valorizou o câmbio, reduzindo a competitividade dos produtos manufaturados], seja por que, ao ser apropriada por elites dominantes, gera um desinteresse dessas pelo desenvolvimento humano, institucional e econômico do país, incentivando a manutenção do establishment que as beneficia”. Ainda de acordo com o pesquisador, nessa visão, a mudança precisa vir de dentro, já que a ajuda internacional é contraproducente e paternalista. “Ao carregar o fardo do homem branco, a ajuda internacional pode mesmo dificultar o surgimento desse impulso pela mudança social”, diz.

De outro lado, há os que acreditam ser impossível a superação da pobreza pelas nações mais pobres sem a ajuda externa, já que esses países se constituíram mais tarde e se integraram a uma ordem internacional na qual simplesmente não podem ser competitivas. “Isso por razões que vão da geografia às próprias circunstâncias da pobreza, como: não ter recursos naturais; ter um território com grandes áreas sujeitas a secas ou outros eventos climáticos extremos; não ter acesso ao litoral; estar cercado por – ou próximo a – nações em conflito ou também muito pobres; ter aglomerados urbanos insalubres em expansão desordenada em áreas recentemente desmatadas ou atingidas por processos súbitos de urbanização, ter grandes parcelas da população sem acesso a serviços minimamente estruturados de educação e saúde etc”, lembra o sociólogo.

Porém, explica o pesquisador, qualquer um com alguma vivência na área, creio, reconheceria a pertinência de evidências e de argumentos apresentados pró e contra a ajuda internacional, que indubitavelmente tem seus méritos, mas precisa estar acompanhada de um impulso interno de mudança.

Em meio ao impasse sobre o tema, os países mais afetados são aqueles que, além da pobreza, estão envolvidos direta ou indiretamente em conflitos armados ou secas extremas que afetam severamente a produção agrícola, de acordo com Osório. E é difícil, segundo ele, tentar prever o que acontecerá com essas nações. “Fenômenos recentes e não antecipados, ou considerados improváveis, como o Brexit e a eleição de Trump, parecem fazer parte de uma onda que inclui movimentos isolacionistas, xenófobos e uma redução generalizada de recursos de variadas ordens que apoiavam ou estimulavam o desenvolvimento. Mas nada impede que uma eventual reação gere, daqui há um década, um contexto mais favorável para o desenvolvimento das nações mais pobres”, finaliza.