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Outros Coronavírus humanos: perto, mas ainda tão longe

Pessoas em todo o mundo geralmente são infectadas ao longo da vida com coronavírus humanos 229E, NL63, OC43 e HKU1

11/04/2020
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Alpha coronavírus 229E e NL63 são mais comuns, sendo as crianças mais propensas à infecção, já o Beta coronavírus OC43 circula entre humanos, mas não é investigado na rotina laboratorial

Os coronavírus são uma grande família viral que causam infecções respiratórias em seres humanos e em animais. A primeira vez que esse agente infeccioso foi identificado em humanos e isolado foi em 1937. Porém, só foi descrito como coronavírus em 1965, quando a análise de perfil na microscopia revelou essa aparência. Os tipos mais regulares que infectam humanos são o Alpha coronavírus 229E e NL63, o Beta coronavírus OC43 e o HKU1. Temos ainda o SARS-CoV, o MERS-CoV e agora o SARS-CoV-2 (o novo coronavírus que causa a doença COVID-19). Pessoas em todo o mundo geralmente são infectadas ao longo da vida com coronavírus humanos e, às vezes, os coronavírus que infectam animais podem evoluir e tornar as pessoas doentes e se tornar um novo coronavírus humano. Três exemplos recentes disso são 2019-nCoV, SARS-CoV e MERS-CoV.

Das sete variedades conhecidas, quatro já foram identificadas no Brasil. O médico veterinário Paulo Eduardo Brandão, do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal da Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade de São Paulo, explica que previamente ao encontro de Sars-CoV-2 neste ano no Brasil, já havia aqui a presença dos coronavirus exclusivamente humanos OC-43, 229E, NL63 e HKU1, todos com tropismo por trato respiratório e agentes etiológicos de processos respiratórios de menor severidade quando comparados a COVID-19.

De acordo com o Dr. Brandão, considerando os coronavirus que infectam humanos, no Brasil, só não foram encontrados o MERS-CoV, envolvido na Middle East respiratory syndrome (MERS), e o Sars-CoV-1, da Severe accute respiratory syndrome (SARS). “A infecção por MERS-CoV e Sars-CoV-1 são mais agressivas e perigosas, se considerarmos as letalidades de aproximadamente 35 e 10%, respectivamente”, destaca. O SARS-CoV se disseminou rapidamente para mais de doze países na América do Norte, América do Sul, Europa e Ásia, infectando mais de 8. mil pessoas e causou cerca de 800 mortes, antes da epidemia global de SARS ser controlada em 2003. Em 2012, foi isolado outro novo coronavírus, distinto daquele que causou a SARS no começo da década passada. Esse novo coronavírus era desconhecido como agente de doença humana até sua identificação, inicialmente na Arábia Saudita e, posteriormente, em outros países do Oriente Médio, na Europa e na África. Todos os casos identificados fora da Península Arábica tinham histórico de viagem ou contato recente com viajantes procedentes de países do Oriente Médio – Arábia Saudita, Catar, Emirados Árabes e Jordânia. Pela localização dos casos, a doença passou a ser designada como síndrome respiratória do Oriente Médio, e o novo vírus nomeado coronavírus associado à MERS (MERS-CoV).

O Beta coronavírus OC43, por exemplo, foi encontrado laboratorialmente em Pernambuco. Entre abril de 2008 e março de 2009, o estudo “Detecção bacteriana viral e atípica na infecção respiratória aguda em crianças menores de cinco anos, conduzido no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), pela pneumologista pediátrica Patrícia Bezerra, detectou que os coronavírus foram encontrados em 3,2% das amostras, sendo o OC43 o mais comum (1,7%). O vírus circula entre humanos, mas não é investigado na rotina laboratorial. Ele causa um resfriado comum e, por isso, só é investigado quando pesquisas são realizadas ou quando há vigência de um surto (de vírus respiratórios). O Alpha coronavírus 229E e NL63 são mais comuns, sendo as crianças mais propensas a se infectarem com esse tipo de vírus. Já o HKU1, o coronavírus humano mais exigente identificado até o momento, foi descoberto em 2005.

Como os coronavírus chegaram ao Brasil

O Sars-CoV-2 chegou com pessoas infectadas na Europa que viajaram para o Brasil. Já os coronavírus em outras espécies animais que não seres humanos provavelmente vieram juntos com a introdução de seus hospedeiros no País, como cães, gatos, bovinos, galinhas etc. “Mas espécies de morcegos provavelmente já tinham aqui seus próprios coronavírus”, aponta o Dr. Brandão ao acrescentar que aves e mamíferos têm uma imensa diversidade de espécies de coronavirus, que são hospedeiro-específicas, o que torna raros casos de saltos entre espécies de hospedeiros. Ainda segundo ele, o coronavirus em geral tem tropismo duplo respiratório-entérico, mas algumas espécies deste vírus, como biótipos mais virulentos de coronavirus canino e felino, são pantrópicas. Outros, como o Coronavirus aviário, apresentam uma vasta diversidade antigênica, o que dificulta seu controle por meio de vacinação.

Coronavírus de cães, gatos, aves, e os demais mencionados anteriormente sobre outros animais não infectam seres humanos por usarem receptores diferentes. O mesmo vale para os coronavirus humanos, que não infectam outras espécies. O maior risco de transmissão para pessoas é pelo contágio direto por aerossóis”, atenta o médico veterinário. Como o Brasil tem suas próprias variedades de coronavírus silvestres, o especialista alerta que a atenção deve ser dada aos coronavirus encontrados em morcegos, um fato já documentado no Brasil. Questionado sobre a possibilidade deles passarem de animais para as pessoas, o que pode acontecer, o Dr. Brandão é categórico ao afirmar que estudos em genômica, evolução e patogenia para estes coronavirus de morcegos trarão estas respostas. “Em relação às variedades que ainda não foram encontradas no Brasil ainda chegarem ao País, o veterinário tranqüiliza ao lembrar que o Sars-CoV-1 desapareceu, desde 2004, nenhum outro caso foi relatado mundialmente nos últimos anos, e o MERS-CoV está mais restrito ao Oriente Médio. Assim, a probabilidade de serem introduzidos no Brasil é bem baixa.

Por fim, o Dr. Brandão alerta que outros coronavirus e outros vírus surgirão. “Não há outra saída além de investir em Ciência, formando cientistas em Virologia, Saúde Pública, Epidemiologia, Bioinformática etc e formar redes de laboratórios antes e não após o surgimento destes”, argumenta.

Coronavírus sozinho ou associado com outro vírus é fator de risco para doença respiratória

A publicação intitulada “Primeira detecção de coronavírus humano associado à infecção respiratória aguda na Região Norte do Brasil relata a circulação do coronavírus humanos (CoVh) em Belém (PA) no período compreendido entre agosto de 2009 a março de 2011. De acordo com o estudo, amostras de aspirado da nasofaringe ou swab combinado (nasal e oral) obtidas de 308 pacientes com diagnóstico clínico de infecção respiratória aguda (IRA), foram laboratorialmente investigadas na busca de evidências de infecção pelo CoVh. Este foi o primeiro trabalho do gênero conduzido na Região Norte do Brasil. “Apesar da baixa incidência deste vírus, não se pode desconsiderar sua alta capacidade patogênica, já que tem sido relacionado como um dos patógenos associados à IRA e suas complicações clínicas”, enfatizou a pesquisa.

Já em São Luís (MA), as variedades HCoV OC43 e a NL63 foram identificadas respectivamente em 3,1% e 1,5% de um grupo de 150 crianças com idade entre 3 meses e 10 anos internadas com pneumonia causada por esses e outros vírus entre novembro de 2014 e abril de 2016 em dois hospitais públicos: Hospital Infantil Dr. Odorico de Amaral Matos e Hospital Infantil Dr. Juvêncio Mattos . A publicação High incidence of rhinovirus infection in children with community?acquired pneumonia from a city in the Brazilian pre?Amazon region” pode ser acessada aqui.

No Paraná, uma equipe da Universidade Federal do Paraná (UFPR), identificou os quatro subtipos de coronavírus humanos em 7,6% de 444 crianças e adultos internados no Hospital das Clínicas da UFPR com infecção respiratória grave em 2012 e 2013. A publicação na integra pode ser acessada aqui.

Já as populações de favelas se destacam de outros contextos e podem apresentar diferenças na epidemiologia das infecções virais agudas. Entre 2005 e 2006, foram coletadas amostras nasofaríngeas de 282 crianças com menos de 5 anos com infecção aguda do trato respiratório em uma das maiores favelas brasileiras. A publicação Typical epidemiology of respiratory virus infections in a Brazilian slum pode ser acessada aqui.

A publicação Human coronavirus alone or in co-infection with rhinovirus C is a risk factor for severe respiratory disease and admission to the pediatric intensive care unit: A one-year study in Southeast Brazil, por sua vez, avaliou o perfil de vírus respiratórios em crianças pequenas hospitalizadas por infecção aguda do trato respiratório inferior e sua associação com a gravidade da doença, definida como a necessidade de internação em unidade de terapia intensiva pediátrica.