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Relato de caso: Antimoniato de meglumina por via intralesional ou sistêmica 5 mg Sb5+/kg/dia?

Alternativas para o tratamento de idosos com leishmaniose tegumentar em unidades básicas de saúde

05/02/2021
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Paciente idoso, com comorbidades, tratado com sucesso em uma unidade básica de saúde com antimoniato de meglumina em esquemas alternativos

Armando de Oliveira Schubach, Médico Infectologista, MSc, PhD

Maria Cristina de Oliveira Duque, Médica Dermatologista, MSc

Cláudia Maria Valete, Médica Otorrinolaringologista, MSc, PhD

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Introdução

No Brasil, o tratamento padrão para leishmaniose tegumentar é realizado com antimoniato de meglumina na dose de 20 mg de antimônio pentavalente por quilograma de peso do paciente por dia. Devido à toxicidade desse medicamento, o tratamento em pacientes acima de 50 anos ou com comorbidades renais, cardíacas e hepáticas deve ser realizado com anfotericina B lipossomal, disponível apenas em centros distantes das áreas endêmicas. Neste artigo, relatamos o caso de um paciente idoso e com comorbidades que foi tratado com sucesso em uma unidade básica de saúde com antimoniato de meglumina em esquemas alternativos.

No Brasil, a anfotericina B lipossomal é o tratamento indicado para a leishmaniose tegumentar americana (LTA) em pacientes acima de 50 anos ou com comorbidades renais, cardíacas e hepáticas1. Alternativamente, é possível indicar tratamento com antimonitato de meglumina intralesional (AM-IL) em pacientes idosos ou com contraindicações ao uso de AM por via sistêmica.2,3 Outra possibilidade quando o AM na dose padrão de 20 mg Sb5+/kg/dia for um risco para os pacientes, é o uso de AM sistêmico 5 mg Sb5+/kg/dia, administrado de forma contínua ou intermitente.1,4-6

Em todo o Brasil, o tratamento da LTA costuma ser realizado em unidades básicas de saúde, caracterizadas pela carência de recursos e dificuldades operacionais para o manejo de comorbidades, monitoramento de efeitos adversos e utilização de medicamentos como a anfotericina B. Como regra, tal medicamento é administrado em regime de internação ou de hospital-dia, em centros localizados a grandes distâncias das áreas endêmicas.7 Nas condições existentes para o tratamento da LTA em unidades básicas de saúde no Brasil, esquemas terapêuticos simples, práticos, eficazes e seguros como o AM-IL e o AM sistêmico 5 mg Sb5+/kg/dia são desejáveis.

Recentemente, Duque et al.8 relataram sucesso terapêutico em 27 de 30 pacientes tratados com AM-IL em uma unidade básica de saúde. No relato abaixo, descrevemos um desses três pacientes com resposta terapêutica insatisfatória e necessidade de novo tratamento.

Relato de Caso

Homem, 68 anos, pesando 78 kg, hipertenso, com história de alcoolismo, foi atendido na Unidade Básica de Saúde Primavera, Timóteo, Minas Gerais em 2/3/2016. Evoluía há três meses com três lesões cutâneas localizadas na fronte, lobo da orelha direita e mão direita (maior lesão, medindo 3,2 x 2 cm) (Figura). Iniciado tratamento com AM-IL, sendo realizadas três infiltrações com intervalos quinzenais (nos dias 1, 15 e 30). O volume total administrado em cada infiltração foi de 13,5 mL, 9,5 mL e 10 mL, respectivamente, sem efeitos adversos. Nas consultas dos dias 30 e 60 as lesões encontravam-se epitelizadas (Figura). No dia 120 o paciente retornou com sinais de reativação das lesões, além do surgimento de cinco novas lesões (uma na região mentoniana, uma no pé esquerdo, duas na região pré-auricular direita e uma no couro cabeludo) (Figura). Foi iniciado AM por via sistêmica 5 mg Sb5+/kg/dia (5 mL) IV, de forma intermitente (três séries de 10 dias intercaladas com 10 dias de intervalo sem medicação). O paciente tolerou bem o tratamento, sem efeitos adversos. As lesões encontravam-se totalmente cicatrizadas no dia 240 (Figura) e mantiveram-se cicatrizadas e sem o surgimento de lesões mucosas nas consultas de um e dois anos após o início do tratamento.

Discussão

Relatamos o caso de um paciente cuja primeira opção terapêutica seria anfotericina B lipossomal, devido a sua idade e comorbidades associadas. Como o paciente recusava-se a internar e afastar-se do seu local de trabalho e moradia, optamos por iniciar o tratamento com AM-IL. O paciente apresentou boa resposta terapêutica inicial, com epitelização das lesões.8 Três meses após o final do tratamento, retornou com as lesões reativadas, além de cinco novas lesões, o que indicou o tratamento sistêmico com AM 5 mg Sb5+/kg/dia de forma intermitente,5 na unidade básica de saúde. O tratamento foi bem tolerado e as lesões evoluíram para cicatrização total, sem surgimento de lesões mucosas até dois anos após o tratamento.

O tratamento com AM-IL ou por via sistêmica 5 mg Sb5+/kg/dia emprega uma dose total de Sb5+ de 4 a 10 vezes inferior àquela necessária para o tratamento sistêmico com a dose padrão de 20 mg Sb5+/kg/dia. Consequentemente, embora tais esquemas terapêuticos possam causar efeitos adversos locais e sistêmicos, assim como alterações laboratoriais e eletrocardiográficas, tais efeitos adversos costumam ser leves a moderados e reversíveis, sem necessidade de interromper o tratamento, mesmo em pacientes idosos ou com contraindicações ao AM sistêmico.2-5,8,9

Qualquer que seja o tratamento utilizado, não há como prever qual paciente se manterá curado definitivamente, qual cursará com reativação das lesões cutâneas, nem qual evoluirá para a forma mucosa10. Portanto, é recomendável que os pacientes sejam acompanhados por pelo menos dois anos após o tratamento, pois acredita-se que mais da metade das reativações e das evoluções para LM ocorram nesse período.1 Os argumentos que a cura espontânea de lesões cutâneas ou a utilização de subdoses e tratamentos locais poderiam ser responsabilizados pela má evolução da doença, vêm perdendo sustentação frente a evidências contrárias, resultantes do acompanhamento por longo prazo de pacientes com cura espontânea ou tratados com AM-IL ou por via sistêmica 5 mg Sb5+/kg/dia.9-13

O uso do AM-IL ou AM sistêmico 5 mg Sb5+/kg/dia, administrado de forma contínua ou intermitente,  podem ser alternativas viáveis para o tratamento da LTA em unidades básicas de saúde quando o uso da dose padrão de 20 mg Sb5+/kg/dia for um risco para os pacientes.

Referências

  1. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Manual de Vigilância da Leishmaniose Tegumentar [Internet]. Brasília: SVS/MS; 2017. 189 p. [cited 2020 August 5]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_vigilancia_leishmaniose_tegumentar.pdf.
  2. Duque MCO, Quintão JJ, Gonçalves LF, Gomes C, Almeida HL, Silveira ES, et al. Treatment of cutaneous leishmaniasis with intralesional meglumine antimoniate at a primary care unit in Brazil. Rev Med Saúde Brasília. 2017;6(2):240-8.
  3. Vasconcellos E, Pimentel MIF, Schubach AD, de Oliveira RDC, Azeredo-Coutinho RB, Silva FDC, et al. Short Report: Intralesional Meglumine Antimoniate for Treatment of Cutaneous Leishmaniasis Patients with Contraindication to Systemic Therapy from Rio de Janeiro (2000 to 2006). American Journal of Tropical Medicine and Hygiene. 2012;87(2):257-60.
  4. Cataldo JI, Conceição-Silva F, Antonio LF, Schubach AO, Marzochi MCA, Valete-Rosalino CM, et al. Favorable responses to treatment with 5 mg Sbv/kg/day meglumine antimoniate in patients with American tegumentary leishmaniasis acquired in different Brazilian regions. Rev Soc Bras Med Trop. 2018;51(6):769-80.
  5. Vasconcellos ECF, Schubach AO, Valete-Rosalino CM, Coutinho RS, Conceição-Silva F, Salgueiro MM, et al. American tegumentary leishmaniasis in older adults: 44 cases treated with an intermittent low-dose antimonial schedule in Rio de Janeiro, Brazil. J Am Geriatr Soc. 2010;58:614-6.
  6. Saheki MN, Lyra MR, Bedoya-Pacheco SJ, Antonio LF, Pimentel MIF, Salgueiro MM, et al. Low versus high dose of antimony for American cutaneous leishmaniasis: A randomized controlled blind non-inferiority trial in Rio de Janeiro, Brazil. PLoS One. 2017;12(5):e0178592.
  7. Santos CR, Tuon FF, Cieslinski J, de Souza RM, Imamura R, Amato VS. Comparative study on liposomal amphotericin B and other therapies in the treatment of mucosal leishmaniasis: A 15-year retrospective cohort study. PLoS One. 2019;14(6):e0218786.
  8. Duque MCO, Quintao Silva JJ, Soares PAO, Magalhaes RS, Horta APA, Paes LRB, et al. Comparison between systemic and intralesional meglumine antimoniate therapy in a primary health care unit. Acta Tropica. 2019;193:176-82.
  9. Terceiro BRF, Schubach AO, Moreira JS, Martins ACC, Bom-Braga FP, Costa DCS, et al. Low-dose meglumine antimoniate may be a safety treatment for mucosal leishmaniasis in the elderly Revista de Medicina e Saúde de Brasília. 2021 (in press).
  10. Brahim LR, Valete-Rosalino CM, Antonio LF, Pimentel MIF, Lyra MR, Paes LEC, et al. Low dose systemic or intralesional meglumine antimoniate treatment for American tegumentary leishmaniasis results in low lethality, low incidence of relapse, and low late mucosal involvement in a referral centre in Rio de Janeiro, Brazil (2001-2013). Mem Inst Oswaldo Cruz. 2017;112(12):838-43.
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