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Sarampo: aumento no número de casos preocupa e acende alerta para todo Brasil

A enfermidade é uma das principais responsáveis pela mortalidade infantil em países do terceiro mundo

10/05/2022
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Doença é muito grave, altamente transmissível, com alta letalidade, não tem tratamento e a prevenção depende de vacina

Enquanto se discutia sobre a vacinação de crianças e adolescentes contra a Covid-19, a procura por outras vacinas recomendadas para o público infantil apresentou queda significativa nos últimos meses. Apesar de ter vacinas disponíveis para imunizar a população brasileira contra o sarampo, o Brasil voltou a ser um dos países em estado de alerta para grandes surtos da doença. Este ano, até 26 de março, o Ministério da Saúde registrou 98 casos suspeitos de sarampo e 13 foram confirmados, sendo 12 no Amapá e dois casos autóctones em São Paulo, um deles (bebê) que contraiu a doença em São Paulo e não por transmissão em outra região. São Paulo também investiga outros 25 casos.

O sarampo já foi uma das principais causas de mortalidade infantil na década de 80 e a vacina ajudou a reverter esse quadro. Após os últimos casos em 2015, o Brasil recebeu o certificado de País Livre de Transmissão Autóctone de Sarampo em 2016, mas transmissão autóctone do vírus reapareceu em 2018 devido às baixas coberturas vacinais. De acordo com o Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS), em 2018 foram confirmados 10.346 casos da doença. No ano de 2019, após um ano de franca circulação do vírus, houve a confirmação de 20.901 casos. Em 2020 foram notificados 8.448 casos, e em 2021, até a Semana Epidemiológica (SE) 52, foram 668 casos. Ainda segundo o documento, em 2021, houve duas mortes, ambas no Amapá, em crianças com menos de um ano. Amapá, Pará, Alagoas, São Paulo, Ceará e Rio de Janeiro são, nessa ordem, os estados que registraram maior número de casos, a maioria em crianças com menos de um ano.

O Dr. Pedro Fernando da Costa Vasconcelos, ex presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), professor da Universidade do Estado do Pará (UEPA) e pesquisador na área de virologia do Instituto Evandro Chagas (IEC), assinala que a doença continua tendo transmissão autóctone no País, porque estamos com uma baixa cobertura vacinal, que serviu de base para a nova circulação deste ano. “Se tivéssemos elevadas coberturas vacinais, mesmo tendo sido reintroduzido no Brasil, o sarampo não teria permanecido. Então para que possamos eliminá-lo novamente é necessário que se consiga ter altas coberturas vacinais de forma uniforme e não apenas em alguns estados. Sem alcançar altas coberturas vacinais não se pode falar em eliminação do sarampo no Brasil”, enfatiza o pesquisador. Vale lembrar que em 2020, o Pará virou o epicentro da doença. Neste mesmo ano, o Rio de Janeiro teve a primeira morte (bebê) após mais de 20 anos sem registros de óbitos pela doença no estado. Já em 2021, durante a pandemia, houve surto em 21 estados.

O professor de Medicina da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e diretor da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Rodrigo Stabeli, adverte para o aumento de casos de sarampo em São Paulo, o qual acende um alerta para todo o Brasil, já que a cidade serve de sentinela para o restante do País. “Como temos uma densidade populacional e um fluxo migratório ou de passagem muito alto, São Paulo acaba sendo um corredor para a doença, fazendo com que ela circule de Norte a Sul, assim como acontece no resto do mundo. Quando há franca circulação, o importante é aumentar a campanha de vacinação”, ressalta o professor.

A Dra. Dorcas Lamounier Costa, médica pediatra e professora titular da área de Pediatria da Universidade Federal do Piauí (UFPI), concorda. Segundo ela, a possibilidade de surto em qualquer região do Brasil é muito alta porque as coberturas vacinais estão muito abaixo do mínimo recomendável. Ela chama a atenção para a necessidade de se manter coberturas vacinais amplas, acima de 95% para evitar os surtos, tão graves e tão letais. Até o final de 2020, 81 países conseguiram manter seu status de eliminação do sarampo apesar da pandemia, mas nenhum novo país alcançou a eliminação. “Ainda há 15 países que não introduziram a segunda dose em seus calendários nacionais de imunização, deixando as crianças e adolescentes desses países especialmente vulneráveis a surtos de sarampo”, lamenta a pediatra.

Em se tratando do contexto mundial, o Dr. Stabeli complementa que a última publicação da Organização Mundial da Saúde (OMS), mostrou que a doença aumentou em todo o mundo em 2019, atingindo o maior número de casos notificados nos últimos 23 anos. “Desde 1996 não se via aumento significativo e isso se deu porque temos uma vacina altamente eficiente. Ela é uma das mais eficazes quando se trata de saúde pública e com a qual atingimos uma alta cobertura mundial de vacinação. As campanhas de vacinação, quando são conduzidas com seriedade e vontade política, alcançam alto grau de sucesso”, acrescenta. Ainda segundo o Dr. Stabeli, enquanto os grupos antivax fazem a sua contra-propaganda, a população tem a sensação de que a doença não existe mais, porque não se fala mais nela. Por exemplo, falou-se muito em sarampo em 2018 e depois disto, foi como se a doença tivesse desaparecido, não fosse mais uma ameaça. Dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS) mostram que no ano passado pouco mais de 49% da população tinha as duas doses do imunizante contra o sarampo.

“Além disso, nos últimos dois anos, as medidas de distanciamento social impostas para a prevenção da transmissão do SarsCov2 influenciaram também a transmissão do sarampo, dando a falsa sensação de segurança quanto a esta importante doença. Nesse mesmo período houve queda ainda maior das taxas de imunizações e agora que as medidas de distanciamento se reduzem, é bastante possível que muitos casos de sarampo sejam detectados em todo o Brasil, bem como em todo o mundo”, completa a Dra. Costa.

Vacina protege contra genótipo D8

Questionado se os atuais vírus que estão em circulação seriam mutações daqueles que provocaram surtos anteriores, o Dr. Vasconcelos esclarece que há apenas um sorotipo do sarampo, o que existe são diferentes genótipos ou subtipos. “Atualmente temos apenas um genótipo circulando no Brasil, que é um pouco diferente dos que circularam no século passado. Como o sarampo é um vírus de RNA, as chances de sofrer mutação são maiores do que os vírus DNA, então naturalmente durante a replicação viral, podem ocorrer mutações, devido a certa ‘infidelidade’ da polimerase viral gerando novas linhagens genéticas virais”, detalha o virologista.

E como fica a eficácia da vacina? O Dr. Vasconcelos menciona que existem diferentes subtipos (A – H) e genótipos (total de 24 linhagens genéticas) e atualmente tem sido detectado um genótipo circulando no Brasil, o D8. “Esse genótipo é um pouco diferente dos que circularam décadas atrás quando o vírus era endêmico no Brasil; essa linhagem genética não consta na formulação da vacina atual utilizada para imunização, que é preparada usando o subtipo A. Mas como existe apenas um sorotipo viral, embora não seja atualmente circulantes esse subtipo usado na formulação da vacina há capacidade protetora mesmo que parcial contra o genótipo D8 circulante no País, tranquiliza o Dr. Vasconcelos.

Desafio para frear a transmissão

A Dra. Costa chama a atenção para o risco do sarampo, uma das doenças infecciosas mais contagiosas que se conhece. Para se ter uma ideia, em determinadas situações, o número de reprodução básica (R0) pode chegar a 12: isto significa que uma pessoa doente pode passar o vírus para outras 12. Se a cobertura vacinal estiver baixa, há grande possibilidade destes casos secundários também adoecerem e que, cada um deles transmita o vírus para outras 12 pessoas e assim por diante.

Ainda segundo a pediatra, a única forma de frear a transmissão é através da vacinação. “O ideal é manter as pessoas vacinadas através de um programa de imunização de rotina nacional continuado. Mas, em situação de risco, após a detecção de um caso, é necessário implementar este programa com o que se chama vacinação de bloqueio, a qual deve ser realizada no prazo máximo de até 72 horas após o contato com o caso suspeito ou confirmado, a fim de se interromper a cadeia de transmissão e, consequentemente, vacinar os não vacinados, a partir dos 6 meses de idade, no menor tempo possível. Enquanto a vacinação de bloqueio se intensifica, é necessário realizar extensa busca ativa de novos casos suspeitos e suscetíveis para um controle mais eficiente da doença”, orienta.

Por fim, o Dr. Vasconcelos destaca a necessidade de intensificar as campanhas de conscientização sobre a necessidade de aumentar as taxas de coberturas vacinais das doenças imunopreveníveis (de todas elas) a fim de sensibilizar a população para se vacinar, e assim, o País criar condições de vir a pensar novamente na eliminação do sarampo. Sem aumentar a taxa de cobertura vacinal, não tem como eliminar o sarampo, e teremos de aprender a conviver com essa terrível doença no Brasil, e certamente, muitos óbitos e casos graves infelizmente serão registrados”, adverte.

A Dra. Costa concorda e reconhece que o Brasil tem armas, as vacinas, para evitar que um grande surto venha a saturar os serviços médicos. O País tem disponibilidade de vacinas e uma das mais complexas e organizadas redes de imunização do mundo. O Programa Nacional de Imunizações (PNI) tem a capacidade de realizar as vacinas de bloqueio e de melhorar as coberturas vacinais de rotina em curto espaço de tempo”, conclui a Dra. Costa. Segundo o Ministério da Saúde, o público infantil é formado por 12,9 milhões de crianças. A meta é imunizar 95% dessa faixa etária. Para operacionalizar a estratégia, serão distribuídas 14,8 milhões doses da vacina tríplice viral. Entretanto, a lentidão ameaça a contenção da disseminação do vírus do sarampo. O programa de imunização iniciado em abril de 2022, com previsão de imunizar mais de 18 milhões de pessoas, vacinou até agora pouco mais de 400 mil.

Definição de caso suspeito:

Considera-se caso suspeito de sarampo todo indivíduo que, independente da idade e situação vacinal, apresentar febre e exantema maculopapular, acompanhados de um ou mais dos seguintes sintomas: tosse e/ou coriza e/ou conjuntivite

Pessoa com febre e exantema maculopapular, acompanhados de tosse e/ou coriza e/ou conjuntivite, independente da idade e situação vacinal; todo individuo considerado como caso suspeito, com história de viagem ao exterior nos últimos 30 dias, ou contato com alguém que viajou para locais com circulação do vírus do sarampo, no mesmo período.

Todos os pacientes considerados suspeitos de terem sarampo devem ser notificados e investigados laboratorialmente.

Principais sintomas

Os principais sintomas incluem: febre acompanhada de tosse; irritação nos olhos; nariz escorrendo ou entupido; mal-estar intenso. Em torno de 3 a 5 dias, aparecem manchas vermelhas no rosto e atrás das orelhas que, em seguida, se espalham pelo corpo. Após o aparecimento das manchas, a persistência da febre se intensificar por mais alguns dias; a febre persistente após três dias do aparecimento das manchas é um sinal de alerta e pode indicar gravidade, principalmente infecções bacterianas secundárias, muito comuns em crianças menores de 5 anos de idade.

Não há tratamento específico para o sarampo e os medicamentos podem apenas reduzir o desconforto ocasionado pelos sintomas da doença. Contudo, o sarampo é uma doença prevenível por vacinação. No Brasil a vacina está disponível na rede pública. As vacinas dupla viral, que protegem contra sarampo e rubéola, são usadas para o bloqueio vacinal em situação de surto. Na rotina, o Ministério da Saúde recomenda as vacinas tríplice viral (que protegem contra sarampo, caxumba e rubéola) ou tetraviral (que protegem contra sarampo, caxumba e rubéola e varicela). Todas elas são eficazes em prevenir o sarampo e cabe ao profissional de saúde aplicar a vacina adequada para cada pessoa, de acordo com a idade e a situação epidemiológica.

Procurado pela assessoria de comunicação da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) para falar sobre o assunto, o Ministério da Saúde não respondeu até o fechamento desta edição.