Notícias

Uso do sensoriamento remoto orbital no controle de doenças transmissíveis

Em um cenário de emergência e reemergência de diversas doenças infecciosas, particularmente aquelas transmitidas por vetores, houve um crescente interesse no uso do sensoriamento remoto nos campos da Saúde Pública, Medicina Tropical e Epidemiologia

09/05/2017

Por Dr. Guilherme Werneck

Dr.

Uma das justificativas é a sua potencialidade para identificar características ambientais relacionadas ao risco de transmissão, como a presença e abundância de vetores e reservatórios

O sensoriamento remoto pode ser definido como captura e interpretação de dados mediante o uso de instrumentos à distância, como sensores a bordo de satélites (sensoriamento remoto orbital) ou câmeras fotográficas métricas a bordo de aeronaves (aerofotogrametria). No sensoriamento remoto orbital, sensores a bordo de satélites captam energia eletromagnética emitida ou refletida da superfície terrestre. Essa informação é então armazenada em matrizes, cada elemento de imagem (denominado pixel) tendo um valor proporcional à reflectância do solo para a área imageada. Existem diferentes sensores que apresentam variações em sua capacidade de discriminar feições da superfície da terra. As três principais características dessas imagens são a resolução espectral (número e largura de bandas do espectro eletromagnético captadas pelo sensor); resolução espacial (nível de detalhamento dos objetos na superfície terrestre) e resolução temporal (intervalo entre duas passagens do satélite pelo mesmo ponto).

A partir de 1970, em um cenário de emergência e reemergência de diversas doenças infecciosas, particularmente aquelas transmitidas por vetores, houve um crescente interesse no uso do sensoriamento remoto nos campos da Saúde Pública, Medicina Tropical e Epidemiologia.

Uma das principais justificativas para a incorporação do sensoriamento remoto como uma ferramenta auxiliar no controle de doenças transmissíveis é sua potencialidade para identificar características ambientais relacionadas ao risco de transmissão, como a presença e abundância de vetores e reservatórios. Dessa forma, esses dados poderiam ser utilizados, por exemplo, para delimitar áreas de alto risco para a ocorrência de doenças e, consequentemente, subsidiar o direcionamento de intervenções em Saúde Pública.

As primeiras aplicações do sensoriamento remoto orbital em doenças transmissíveis foram estimuladas por um programa denominado “Global Monitoring and Human Health” iniciado em 1985 na Divisão de Ciências da Vida da Agência Aeroespacial Americana (NASA). Como resultado dessa iniciativa, vários estudos foram realizados na América Central utilizando o sensoriamento remoto para identificar habitats prováveis para existência do vetor transmissor da malária e predizer áreas de maior risco para transmissão. Este tipo de aplicação também foi utilizado posteriormente para predição de áreas de risco para ocorrência de leishmanioses, tripanossomíase africana e doença de Lyme, entre outras.

Entretanto, passados quase 50 anos desde o início de sua incorporação na área da saúde, ainda existem muitas dúvidas sobre a potencial utilidade dessa ferramenta para o apoio às pesquisas nas áreas de saúde e ambiente e às ações de vigilância epidemiológica para o controle de doenças. De fato, apesar da disponibilidade crescente de imagens de satélite de diferentes resoluções espectrais, espaciais e temporais, seu uso ainda está aquém das expectativas iniciais.

Parte desse problema decorre da necessidade de um alto grau de especialização para a manipulação de imagens de sensoriamento remoto orbital. Outro empecilho para a disseminação de seu uso é a complexidade do ambiente urbano, cenário principal de ocorrência de doenças transmissíveis no Brasil. Nesse ambiente, a capacidade de imagens de satélite discriminarem características específicas de uso do solo e cobertura vegetal se associa diretamente às suas resoluções espectral, espacial e temporal. O problema é que essas imagens de melhor resolução são mais caras e impõem maiores dificuldades para o seu processamento antes de se tornarem disponíveis para o usuário final (o pesquisador ou profissional de saúde).

Mesmo que esses problemas possam ser superados, ainda existem dificuldades de ordem teórico-conceitual, qual seja a relativa ausência de conhecimento sobre quais seriam as categorias de uso do solo e cobertura vegetal que definem o risco para a transmissão das diferentes doenças. Um exemplo é o amplo uso de índices de vegetação derivados de imagens de satélite para predizer áreas de maior abundância de vetores. Sabe-se que o índice mais comumente utilizado, o NDVI (Normalized-Difference Vegetation Index), varia de -1 a +1, sendo valores positivos mais típicos de vegetação densa. Entretanto, as faixas específicas do NDVI que correspondem às maiores probabilidade de presença dos diferentes vetores são essencialmente desconhecidas, dificultando sua utilização para fins práticos.

Por outro lado, pouco se conhece sobre a habilidade dessas imagens de diferenciar espécies vegetais de porte e reflectância similar, mas eventualmente desempenhando papéis diferenciados na manutenção da transmissão. Deve-se salientar, também, que o uso de imagens de satélite não dispensa a obtenção de dados de campo de qualidade, sem esses dados as imagens de satélite têm pouco a contribuir para a compreensão da dinâmica de transmissão e, consequentemente, para o controle de doenças.

A introdução e manutenção do ciclo de transmissão de diversas doenças nas cidades brasileiras configuram uma realidade epidemiológica diversa daquela previamente conhecida, requerendo uma nova racionalidade para os sistemas de vigilância e de controle. Neste contexto, imagens obtidas por sensoriamento remoto podem desempenhar um papel importante como ferramenta auxiliar para o controle de doenças transmissíveis. Entretanto, há muitos desafios a serem superados para que seu uso possa ser disseminado no âmbito dos programas de controle de doenças.