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Diagnóstico rápido e portátil da tuberculose será realidade em poucos anos

A solução para o diagnóstico microbiológico rápido da tuberculose é possível através da tecnologia de sequenciamento do genoma completo das populações de TB que infectam cada paciente

11/12/2016
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A infectologista Ana Luíza Gibertoni Cruz lembra que a atual demora no diagnóstico e no tratamento da doença, além de afetar a vida do paciente, ainda põe em risco a de sua família e das pessoas com quem ele convive

Imagine um dispositivo que sequencia em minutos o genoma completo da tuberculose (TB), dando uma resposta rápida e eficaz com a combinação ideal dos medicamentos necessários para tratar, de maneira personalizada, cada paciente. Pois pare de imaginar: a solução já é uma realidade por meio de um projeto global conhecido como CRyPTIC (Comprehensive Resistance Prediction for Tuberculosis: an International Consortium). O problema é que este é ainda um processo caro e que necessita de força de trabalho especializada. Mas isso pode mudar logo.

De acordo com a infectologista Ana Luíza Gibertoni Cruz, em poucos anos será possível levar esta solução diagnóstica para a beira do leito. A pesquisadora é uma das envolvidas em CRyPTIC, projeto gerido por uma equipe da Universidade de Oxford, na Inglaterra. Ao todo, são mais de dez centros de referência internacionais trabalhando nesta colaboração global na luta contra a TB.

A solução para o diagnóstico microbiológico rápido da tuberculose é possível através da tecnologia de sequenciamento do genoma completo das populações de TB que infectam cada paciente. Neste método, softwares analisam as sequências de mais de 4 milhões de nucleotídeos do genoma da micobactéria, identificando mutações relacionadas com a resistência do organismo contra cada uma das drogas anti-TB. O resultado final desta análise é um laudo laboratorial que indica quais medicamentos serão efetivos contra a infecção; o laudo tem uma linguagem clara e de fácil entendimento para que os médicos responsáveis pelo cuidado clínico do paciente prescrevam a combinação antimicrobiana ideal, mesmo sem qualquer conhecimento específico em genômica.

O processo funciona assim: o DNA de colônias de TB isoladas de espécimes clínicos é extraído de dentro das células e passa por um processo de preparação de uma “biblioteca” de fragmentos. Estes fragmentos são então amplificados e reunidos, pelo sequenciador, numa longa série de unidades formadoras de DNA. Arquivos eletrônicos contendo esta informação são então lidos por um conjunto de softwares que, depois de confirmarem se aquela sequência é mesmo de TB, mapeiam-na contra o genoma-referência da TB “tipo selvagem” – isto é, suscetível a todas as drogas. A análise continua e, na sequência, as mutações que foram identificadas são analisadas à luz de uma base de dados genotípicos, e voilà: uma lista com o perfil de suscetibilidade a cada droga é emitida.

“Esperamos também descobrir novas mutações fazendo uso de sofisticadas técnicas de seleção de mutantes in vitro e de ‘machine learning’”, diz a pesquisadora brasileira.

A infectologista lembra que a atual demora no diagnóstico e no tratamento da doença, além de afetar a vida do paciente, ainda põe em risco a de sua família e das pessoas com quem ele convive, já que a doença é transmitida pelo ar.

Mas por que o diagnóstico da TB resistente a drogas ainda é um processo tão lento? Segundo a doutora Ana Luíza, na maior parte dos casos, a micobacteriologia depende fortemente da cultura, isto é, da micobactéria crescer ou não na presença de meios de cultura contendo o antibiótico que se quer testar. “Diferentemente das bactérias mais comuns, a tuberculose é um organismo que cresce muito devagar, daí a demora”, explica.

Em 2015, mais de 9 milhões de pessoas adoeceram com TB, e destas, estima-se 1,5 milhões tenham morrido. Esta é a doença infecciosa que mais mata no mundo, deixando milhões com a saúde frágil demais para levar uma vida produtiva e com dignidade.

Solução cara

Infelizmente, por enquanto, o dispositivo do projeto CRyPTIC ainda não é portátil. A preparação da amostra a ser sequenciada se dá em laboratórios de microbiologia molecular, e o sequenciador ainda é grande e caro. Por ora, o sequenciamento só pode ser feito nos centros de referência que têm a expertise para preparação de amostras, o equipamento para obter as sequências, e o suporte de uma equipe de bioinformática para analisar os resultados.

No entanto, ela afirma que tecnologias portáteis estão em desenvolvimento e devem estar disponíveis em cerca de cinco anos. Até lá, a especialista acredita que haverá tempo para o desenvolvimento de processos mais automatizados de preparação de amostras e para a criação de uma base de dados genotípica completa e que não deixe escapar nenhuma mutação sem diagnóstico.

Aí sim o processo se tornará ainda mais simples e esta revolução diagnóstica acontecerá à beira do leito, acredita a pesquisadora. “É uma questão de tempo até que esta tecnologia esteja de fato funcionando onde ela é mais necessária”, completa.

Para mais informações: 

Clique aqui e leia o press release do projeto, publicado no portal da Universidade de Oxford.

Leia aqui a matéria publicada na revista britânica de divulgação científica “New Scientist”.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**