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Sarampo em Roraima: Vacinação para os refugiados é crucial, alerta Dra. Tânia Chaves

Na opinião da vice-presidente da Sociedad Latinoamericana de Medicina del Viajero, urge o encaminhamento de políticas públicas para a condução e o enfrentamento da saúde dessas pessoas no Brasil

09/04/2018
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Viajantes representam população sentinela para agravos em saúde pública em uma determinada região, país ou mesmo continente

Um dos fatores relacionados à atual situação do sarampo em Roraima se deve ao elevado movimento migratório de venezuelanos que se dirigem ao estado em busca de melhores condições de vida e novas oportunidades de trabalho, em detrimento ao colapso social e econômico vivido pela Venezuela. De acordo com a médica infectologista, Professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) e pesquisadora do Instituto Evandro Chagas, doutora Tânia Chaves, estes indivíduos podem ser considerados refugiados e representam uma parte da população de viajantes que forçadamente são obrigados a deixar seu país de origem, por diversas razões. “Ao chegar ao Brasil, muitos vivem em aglomerados e em precárias condições de saneamento básico, situações que favorecem a introdução e a transmissão de agentes como o vírus do sarampo, e outras doenças de transmissão respiratória como a difteria, e outras, incluindo as doenças vetoriais como a malária”, ressalta.

Na opinião da Dra. Tânia Chaves, que também é vice-presidente da Sociedad Latinoamericana de Medicina del Viajero (SLAMVI), membro do Comitê de Medicina de Viagem e coordenadora do Comitê de Medicina Tropical da Sociedade Brasileira de Infectologia, os governos falharam e não há dúvida da falha nas ações de controle de doenças transmissíveis e de todo o sistema de saúde na Venezuela. Para ela, a situação política, social e econômica dramática vivida no país, sem dúvida, repercute no sistema de saúde. Faltam dados oficiais sobre a situação dos agravos em saúde pública, faltam medicamentos, insumos, infraestrutura para atendimento da população. O programa de prevenção à saúde da Venezuela também sofre com baixas taxas de cobertura vacinal, e isto é constatado pelo aumento do número de casos de doenças, como por exemplo, o sarampo. “Em relação ao Brasil, outro aspecto a ser considerado e que causa preocupação, especificamente para o sarampo, são as oscilações das taxas de cobertura vacinal que o País tem apresentado nos últimos anos. Esta realidade pode contribuir com os bolsões de indivíduos suscetíveis e, portanto, pode resultar no aumento do número de casos de sarampo o que pode contribuir para o estabelecimento da doença em níveis de epidemia. O Brasil está em alerta; o Ministério da Saúde encaminhou 377.930 doses da vacina tríplice viral aos Estados de Roraima e Amazonas para atender a demanda dos serviços de rotina, e para realização de ações de controle da doença. Acredito que urge o encaminhamento de políticas públicas para a condução e o enfrentamento da saúde de refugiados no Brasil, em que a vacinação é um dos pontos cruciais (mas não o único) para a recepção destes indivíduos”, adverte.

Apesar das lacunas que vivemos no sistema de saúde brasileiro, o cenário dos refugiados tende a agravar a situação

A especialista adianta que a situação pode piorar se não houver uma medida de enfrentamento à população de refugiados vindos da Venezuela de forma prática, urgente e eficaz. Com o agravamento da situação da Venezuela espera-se que os números de famílias aumentem cada vez mais no Brasil. O governo brasileiro informou que o número de venezuelanos que solicitou refúgio disparou de 54, em 2013, para 2.595 nos primeiros 11 meses de 2016. Segundo dados de instituições oficiais 54.764 venezuelanos vivem em Roraima. Estes números impactam no sistema de saúde do estado, e contribuem sobremaneira com a massificação de atendimento e internação nos serviços de saúde.

“Quanto à preocupação destes casos importados evoluírem para uma epidemia, sim ela procede, o que não significa que vamos esperar acontecer. Por esta razão as ações de vigilância e controle com campanhas de vacinação e vacinação de bloqueio estão sendo intensificadas em Roraima com o objetivo de alcançar a população alvo que tem sido acometida. Para a especialista, é urgente o encaminhamento de discussões para construção de políticas públicas de atenção aos refugiados, com a participação de diferentes setores, incluindo, a saúde. A pesquisadora defende que o sistema de saúde brasileiro na fronteira Brasil-Venezuela, que apresenta fluxo migratório intenso, deve ter suas ações para o controle de doenças transmissíveis reforçados, como por exemplo, no caso de sarampo, que apresenta elevada taxa de transmissibilidade.

Sistema de saúde brasileiro deve reforçar suas ações para o controle de doenças transmissíveis

O Brasil já aparece em segundo lugar na lista dos países do continente americano com o maior número de casos da doença neste ano, atrás apenas da Venezuela. É o que aponta o alerta da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), órgão da Organização, um órgão da Organização Mundial da Saúde (OMS). A especialista esclarece que desde 2000, todos os casos de sarampo diagnosticados no País foram importados. Até o dia 11 de abril, foram contabilizados 59 casos e, segundo a análise laboratorial da Fiocruz, o genótipo G8 identificado em todos os casos é o mesmo genótipo do vírus do sarampo que circulou em 2017 na Venezuela.

“O País tem apresentado oscilações para menos nas taxas de cobertura vacinal, especialmente quando se trata da vacina para o sarampo. Em 1997, o vírus do sarampo causou uma epidemia de proporções subcontinentais, com o acometimento de 53.664 pessoas no Brasil, a partir de um caso importado do Japão. Neste período a cobertura vacinal para o sarampo foi de apenas 76,91%, no sudeste brasileiro”, recorda.

Recentemente o Ministério da Saúde convidou técnicos da secretaria de Saúde do Ceará para apoiar e contribuir com Roraima por meio das experiências vividas durante a epidemia da doença entre 2013 e 2015. Já o Amazonas, com o objetivo de assegurar uma eficácia maior da vacina, evitando a falha primária da vacinação, recomendou reforço da dose nos adultos já vacinados. A Dra. Tânia Chaves explica que as ações devem ser contempladas de acordo com a realidade local de cada estado e avaliadas pelos seus técnicos. “Vale destacar que a vacinação em Roraima também deve atingir os venezuelanos, que nem sempre tem residência fixa, e para tanto as ações devem ser dirigidas de forma a contemplar este grupo”, recomenda.

Por fim, a especialista lembra outras estratégias utilizadas para o controle de surtos do sarampo, incluindo as medidas adotadas na epidemia no Ceará: manter a vacinação de rotina, vacinação de casa a casa, bloqueio vacinal, intensificação da vacinação, e monitoramento rápido de cobertura vacinal descritas: Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 27(1) e 201634310, 2018.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**