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Parasitas responsáveis pela leishmaniose são adquiridos principalmente da pele, explica o pesquisador Dr. Carlos Henrique Costa

Pesquisas recentes salientam que o sangue não é a fonte principal de parasitas para os flebotomíneos Novas informações trazem um avanço significativo no entendimento da leishmaniose

09/10/2018
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Para efetivamente controlar a doença, além de curar os pacientes, também se faz necessário entender e quebrar o ciclo de transmissão do parasita

Um estudo intitulado “Skin parasite landscape determines host infectiousness in visceral leishmaniasis” publicado recentemente na revista Nature  descreve que cientistas da Universidade de York descobriram que os parasitas responsáveis pela leishmaniose são adquiridos principalmente da pele, e não do sangue de uma pessoa.

O professor e Dr. Carlos Henrique Nery Costa, coordenador do Laboratório de Leishmaniose da Universidade Federal do Piauí, referência para o mundo, explica que essa não é exatamente uma descoberta. “Em Teresina (PI), nós já havíamos verificado sinalização igual em pessoas com calazar. O que os pesquisadores da Universidade de York observaram neste estudo é que existe uma heterogeneidade da distribuição de amastigotas da Leishmania infantum na pele de camundongos, o que sugere, utilizando modelagem matemática, que a transmissão seja através da pele”, destaca. Ainda de acordo com o professor, pesquisadores gregos da Universidade da Tessália já haviam verificado a presença da parasita na epiderme e nas camadas superiores da derme de cães sintomáticos. “Já os nossos estudos em Teresina apontaram que a quantidade de parasitas circulantes no sangue é muito pequena e insuficiente para transmitir a doença. Entretanto, também foi observada uma pobreza de parasitas na pele de pacientes, embora sejam capazes de infectar os flebotomíneos, transmissores da doença”, assinala. Para ele, essa descoberta elucida esta contradição, uma vez que os parasitas são distribuídos de forma heterogênea na pele, algumas áreas com mais e outras com menos parasitas.

O professor Carlos Costa entende que as novas informações vão ajudar a compreender a transmissão da doença, bem como a identificar pessoas e animais infectantes em uma comunidade. Entretanto, ainda não é possível saber quais os locais da pele que transmitem os parasitas, processo que permitiria identificar com mais precisão quais os indivíduos capazes de transmitir a doença. “As novas informações reafirmam, assim, que não é o sangue o principal responsável pela transmissão da leishmaniose, como descoberto em 2016, mas não exatamente o local em devemos procurar o parasita na pele humana ou de animais”, lembra.

Sacrifício de cães positivos para leishmaniose

Atualmente, uma vez diagnosticada a doença nos cães, a recomendação mais comum é o sacrifício do animal soropositivos para o parasita. Questionado se essa realidade poderá ser mudada com as novas informações, o professor diz que o estudo não ajuda porque não trata diretamente do assunto. Entretanto ele argumenta que existem estudos feitos em Teresina que mostram claramente que não há relação entre o resultado do exame que se faz com os cachorros e a chance de transmissão da doença para os insetos. “Ou seja, reafirmamos que realmente a estratégia de controle com a eliminação de cães não é o correto”, frisa.

Ainda sobre esse tema, o pesquisador descreve publicação deste ano, reiterada na 54ª edição do Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (MedTrop), com a participação do Dr. Guilherme Werneck e de outros pesquisadores. De acordo com esse novo estudo, o método melhor qualificado para ajudar no controle da doença é o uso regular de coleiras impregnadas com deltametrina, que podem ser distribuídas pelo governo. “Isso, em estudos experimentais já se mostrou capaz de reduzir a transmissão da doença”, completa.

Utilização de modelos matemáticos

 No artigo publicado na revista Nature, o professor do Departamento de Biologia e Matemática da York, Jon Pitchford, declarou que a aplicação da matemática pode ajudar a resolver problemas importantes na medicina. Em 2013, a SBMT já chamava a atenção para o tema na matéria Modelo matemático promete contribuir para combate à leishmaniose . Para o Dr. Carlos Henrique, combinar a matemática, a análise de padrões de dados, com o trabalho de laboratório para entender melhor a ecologia, epidemiologia e evolução da leishmaniose deve ser estimulado. Segundo ele, entender os vários aspectos das doenças transmissíveis, seja a sua distribuição espacial ou temporal para a previsão de ocasiões de transmissão é sempre um instrumento muito útil que ajuda o controle de doenças. “A utilização de modelagem matemática na área biomédica tem sido cada vez mais reconhecida. Mas repito o aforismo sobre o seu uso em doenças transmissíveis: Eles devem ser utilizados como um poste, não para que os cientistas se encostem, como o bêbado faz, mas sim para que ilumine o caminho para novas ideias”, diz.

Pesquisas brasileiras na área de leishmanioses

De acordo com o coordenador do Laboratório de Leishmaniose, as pesquisas brasileiras na área estão bastante avançadas e o Brasil tem feito contribuições importantes no desvendamento de uma série de fatores da doença e tem colaborado com diversos países, além de publicar vários artigos sobre o tema. “O Brasil tem uma contribuição bastante reconhecida nas diversas áreas das leishmanioses. Mas ainda estamos devendo: encontrar um remédio pouco tóxico de uso oral e uma vacina. Além disso, os pesquisadores ainda não sabem como cuidar de forma mais eficaz da doença grave e de como ela leva à morte”, reconhece. Um número significativo de pacientes, de 5 a 10%, que estão em tratamento específico e adequado infelizmente vai evoluir para morte.

Ciclo de transmissão da doença

 Para efetivamente controlar a doença, além de curar os pacientes, também se faz necessário entender e quebrar o ciclo de transmissão do parasita, uma tarefa muito difícil, na opinião do especialista, porque a leishmaniose é uma doença metaxênica, que tem os vetores como reservatórios e estes não possuem local fixo para o desenvolvimento das larvas, como os mosquitos em coleção de águas, pois, como as moscas, proliferam em jardins ou em currais, bastando existir matéria orgânica, como estrume ou adubo. Ou seja, eles estão espalhados por amplas áreas nas cidades e no ambiente silvestre. A interrupção da cadeia de transmissão se daria de forma mais eficiente pelo combate ao vetor. No passado era utilizado o DDT, mas que foi proscrito. Atualmente existem alguns inseticidas de uso residual, mas as poucas evidências sobre sua ação não são suficientes para se fazer um programa com a sua utilização.

Na opinião do Dr. Carlos Henrique, falta racionalizar o programa e hierarquizar os municípios como o Ministério da Saúde tem tentando fazer. “Depois disso, é preciso refazer os ensaios com inseticidas, com coleiras ou com outros métodos para tentar saber como interromper a transmissão. Na minha perspectiva, o que há de mais promissor no momento é o uso de coleiras e investimentos em vacinas, que também não são fáceis porque o organismo é bastante complexo”, conclui.

Genes podem ajudar no tratamento de leishmaniose visceral no Brasil

Equipe de pesquisadores em colaboração com a Universidade Federal de Glasgow, a Universidade Federal do Piauí e a Universidade Estadual de Montes Claros, constatou que a ausência de quatro genes particulares no parasita Leishmania infantum no Brasil o torna menos suscetível a um medicamento oral chamado miltefosina. Os estudos podem ajudar os médicos a prever os resultados do tratamento medicamentoso. Os resultados podem levar a um novo teste prognóstico capaz de prever quais pacientes responderão bem ao tratamento e quais necessitam de soluções alternativas.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**