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Pesquisadores desenvolvem vacina para bactérias mortais da leptospirose

Esta é a primeira vez que uma proteína recombinante específica confere imunidade protetora cruzada contra a leptospirose letal em um experimento com camundongo

10/08/2022
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Além de ter um grande impacto na saúde de populações vulneráveis, a leptospirose é um problema de saúde economicamente importante, tornando-se um desafio significativo. Atualmente não há medidas de controle efetivas para esta enfermidade, que permanece como doença tropical negligenciada

A leptospirose representa um importante problema de saúde que tem sido negligenciado porque ocorre nos segmentos mais pobres da população mundial. Embora seja relativamente desconhecida no mundo desenvolvido, ela é um flagelo crescente em ambientes pobres em toda a América Latina, África e Ásia. A leptospirose apresenta elevada incidência em determinadas áreas, e, sem tratamento, pode causar danos renais e hepáticos e até mesmo morte – o risco de letalidade nos casos mais graves pode chegar a 40%. Até o momento não existe uma vacina de uso humano contra a doença e o seu desenvolvimento configura um desafio. Mas essa realidade pode mudar. Uma equipe de pesquisa de Yale desenvolveu uma vacina que previne a doença enquanto quase elimina as bactérias mortais do corpo. O artigo intitulado Vaccination With Leptospira interrogans PF07598 Gene Family-Encoded Virulence Modifying Proteins Protects Mice From Severe Leptospirosis and Reduces Bacterial Load in the Liver and Kidney foi publicado  na revista Frontiers in Cellular and Infection Microbiology.

A equipe, liderada pelo professor de doenças infecciosas no Departamento de Medicina Interna da Yale School of Medicine (YSM), Dr. Joseph Vinetz, usou o projeto do genoma para identificar a exotoxina da proteína secretada pela Leptospira como o principal suspeito de morte por leptospirose. Eles mostraram que em modelos pré-clínicos a vacinação com a toxina curava a doença, e um anticorpo neutralizava as toxinas. “Recentemente descobrimos que as proteínas VM da bactéria da leptospirose são exotoxinas secretadas e mostramos que essas proteínas são alvos antigênicos da imunidade protetora de sorovares cruzados de leptospirose letal em um experimento com camundongo”, explica o Dr. Vinetz.

Os pesquisadores testaram a hipótese de que a imunização de camundongos com uma família de proteínas chamadas proteínas VM protegeria contra uma infecção letal e reduziria a carga de bactérias no fígado e nos rins. Com isso, eles descobriram que os camundongos vacinados estavam protegidos de infecções letais e que a carga de bactéria nesses órgãos era reduzida. De acordo com o Dr. Vinetz, esta é a primeira vez que uma proteína recombinante específica confere imunidade protetora cruzada contra a leptospirose letal em um experimento com camundongo. O professor detalha que o próximo passo é testar em outros modelos animais e em bovinos e lembra que o caminho para uma vacina contra a leptospirose para humanos é longo, caro e trabalhoso. “Este processo está sendo iniciado agora, e esperamos um dia testar em humanos”, diz. Questionado por que ainda não existe uma vacina, o Dr. Vinetz esclarece que como o diagnóstico da doença ainda é insuficiente, o argumento comercial para o seu desenvolvimento é complicado.

Peso da leptospirose no mundo

Trabalhos do Grupo de Referência em Epidemiologia da Leptospirose da Organização Mundial da Saúde (OMS) estimaram (há alguns anos) que há mais de 1 milhão de casos por ano com uma taxa de mortalidade de ~5-20%. O Dr. Vinetz enfatiza que isso é, sem dúvida, um número subestimado. Ainda segundo ele, a carga da doença recai principalmente sobre pessoas pobres em ambientes tropicais em todo o mundo, para as quais não há testes de diagnóstico eficazes disponíveis. “A testagem para leptospirose permanece difícil e não está disponível na maioria dos lugares devido à falta de interesse comercial. O teste molecular é muito eficaz, preciso e eficiente, mas também é caro e requer recursos substanciais. Tais recursos não são eficientes nos países ricos e não estão disponíveis nas regiões pobres”, finaliza o Dr. Vinetz. Além disso, pacientes com leptospirose são muitas vezes diagnosticados erroneamente, pois os sintomas podem ser confundidos com malária, dengue ou outras doenças. Atualmente não há medidas de controle efetivas contra a doença.

A ocorrência está relacionada às condições precárias de infraestrutura sanitária e a incidência deve aumentar nas próximas décadas, quando o número de pessoas que vive em favelas no mundo pode chegar a dois bilhões em 2030. Somado a eventos climáticos extremos, chuvas sazonais intensas, rápida urbanização, esgotos e saneamento inadequados, a possibilidade de grandes epidemias nas comunidades urbanas se agrava.

Saneamento básico pode ser reconhecido como direito constitucional

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou, no dia 06 de julho, por unanimidade, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 2/2016, que modifica o artigo 6º da Constituição Brasileira para tornar o serviço um direito social, assim como educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, alimentação, previdência social e segurança. A PEC ainda será submetida a dois turnos de discussão e votação no Plenário do Senado.

Levantamento Saneamento e Doenças de Veiculação Hídrica – ano base 2019, divulgado pelo Instituto Trata Brasil, em outubro de 2021, com base em dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), mostrou que 100 milhões de brasileiros não têm acesso ao serviço de coleta de esgotos e 35 milhões não são abastecidos com água tratada. Ainda segundo o Instituto, cada real investido em saneamento gera uma economia de R$ 4 na área de saúde.

Indicadores do estudo revelaram ainda a sobrecarga do sistema de saúde com 273.403 internações por doenças de veiculação hídrica, que escancaram as consequências da falta de saneamento básico. O número representa um aumento de 30 mil hospitalizações comparativamente ao ano anterior (2018). A incidência foi de 13,01 casos por 10 mil habitantes gerando ao Brasil gastos de R$ 108 milhões, segundo o DataSUS. A lista de doenças de veiculação hídrica – que tem relação direta com a falta de tratamento da água e esgoto – é longa: leptospirose, diarreia por Escherichia coli, amebíase, Giardíase, cólera, disenteria bacteriana, hepatite A, esquistossomose, febre tifoide, ascaridíase, dengue, rotavírus, toxoplasmose, esquistossomose, infecções na pele e nos olhos, entre outras.

Sobre a doença

A leptospirose é uma doença infecciosa febril aguda causada por um grupo diversificado de espiroquetas chamadas leptospiras. Uma ampla gama de mamíferos, incluindo ratos, abriga as bactérias em seus rins e as libera no meio ambiente pela urina. Humanos e animais podem ser infectados após entrarem em contato com água ou solo contaminados. O período de incubação, ou seja, intervalo de tempo entre a transmissão até o início das manifestações dos sinais e sintomas, pode variar de 1 a 30 dias e normalmente ocorre entre 7 a 14 dias após a exposição a situações de risco. Na fase inicial, os sintomas incluem febre alta, náusea e enjoo, dor muscular (principalmente na panturrilha) e icterícia. Na fase mais grave, a pessoa apresenta hemorragia, sangramento pulmonar e insuficiência renal. O tratamento é feito com antibiótico simples, como penicilina.

A leptospirose é grave e tem emergido como uma importante causa de hemorragia pulmonar e insuficiência renal aguda nos países em desenvolvimento. A morte ocorre em 10% dos pacientes e até 70% podem desenvolver formas hemorrágicas da doença. A família de bactérias Leptospira é composta por 64 espécies com 300 variedades diferentes (chamadas sorovares). Isso torna o desenvolvimento de uma vacina desafiador, porque os pesquisadores precisam encontrar uma característica comum da bactéria que desencadeará uma resposta imune.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**