_destaque, Notícias

Aumento de infecções por micobactérias após procedimentos estéticos acende alerta no Brasil

Falta de regulamentação e cuidados inadequados elevam o risco de infecções graves após procedimentos estéticos

01/10/2024

Conscientização tanto dos profissionais quanto dos pacientes é fundamental para minimizar riscos

Nos últimos anos, o Brasil tem observado um aumento preocupante no número de infecções por micobactérias após procedimentos estéticos. Mycobacterium chelonae, Mycobacterium abscessus e Mycobacterium fortuitum, estão no centro desse cenário alarmante. Segundo a infectologista Dra. Evelyn Rubin, especialista em infecções associadas a esses procedimentos, essas bactérias são introduzidas no organismo através de materiais contaminados, especialmente quando as normas de assepsia e antissepsia não são seguidas corretamente. Elas são classificadas como micobactérias de “crescimento rápido” porque crescem em meios de cultura específicos entre sete e quatorze dias. No entanto, os sintomas costumam aparecer tardiamente, geralmente a partir de quatro semanas após a contaminação acidental, como em procedimentos estéticos e cirurgias plásticas.

“Procedimentos como lipoaspirações, que utilizam cânulas metálicas, frequentemente carecem de uma adequada esterilização, principalmente em ambientes extra-hospitalares. A esterilização de cânulas metálicas deve ser realizada apenas em um ambiente controlado, sob a supervisão de um profissional qualificado, como em um hospital. A reutilização de materiais e diluentes para injetáveis também aumenta o risco”, afirma a especialista.

Com o aumento da demanda por procedimentos estéticos, como preenchimentos faciais, lipoaspirações e aplicação de enzimas, a exposição a riscos microbiológicos também cresceu. Segundo a Dra. Rubin, muitos desses procedimentos são realizados por profissionais sem formação adequada, que não dominam técnicas cirúrgicas fundamentais para a segurança do paciente. Ela relembra um surto de infecções hospitalares ocorrido em 2007 no Brasil, reforçando a importância da correta esterilização de instrumentos, como as cânulas, que muitas vezes não são devidamente higienizadas. “Profissionais não médicos frequentemente realizam esses procedimentos sem o treinamento necessário, o que aumenta os riscos de complicações graves”, ressalta.

As infecções por micobactérias são difíceis de diagnosticar porque seus sintomas costumam aparecer semanas após o procedimento. “Os sinais incluem vermelhidão, inchaço e secreção purulenta, que geralmente surgem cerca de quatro semanas após o procedimento. A falta de conhecimento sobre essas infecções muitas vezes atrasa o diagnóstico, que depende de culturas específicas e exames moleculares”, explica a Dra. Rubin. Além disso, a baixa taxa de positividade das culturas de pele — apenas 40% a 45% em cenários ideais — torna o diagnóstico ainda mais desafiador. O tratamento é longo e complexo, podendo exigir antibióticos por até um ano e, em alguns casos, intervenções cirúrgicas para drenar abscessos ou remover tecidos infectados.

O aumento no número de infecções levanta questões sobre a regulamentação da realização desses procedimentos. Para a Dra. Rubin, os conselhos de classe permitem que profissionais não médicos realizem tais procedimentos, mas não há fiscalização adequada para garantir a segurança desses ambientes. Ela também destaca a necessidade de uma regulamentação mais rígida, principalmente no que diz respeito à esterilização de materiais como cânulas metálicas, utilizadas inclusive em consultórios dentários. Além disso, chama a atenção para a falta de dados oficiais sobre a frequência dessas infecções, em parte devido à ausência de notificação. “Depois da pandemia, os procedimentos estéticos realizados fora do ambiente hospitalar cresceram, e, com isso, as infecções também aumentaram. Sem a notificação adequada, não temos uma visão clara do problema”, observa, ao assinalar que muitos profissionais desconhecem a obrigatoriedade de reportar essas infecções aos sistemas de vigilância de saúde.

A prevenção, como sempre, é a melhor estratégia. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) recomenda que as clínicas sigam rigorosamente os protocolos de desinfecção e esterilização, e que apenas profissionais licenciados realizem esses procedimentos. Escolher médicos especialistas, com Registro de Qualificação de Especialista (RQE), é uma das formas mais seguras de evitar complicações. Para a Dra. Rubin, também é fundamental uma regulamentação mais rigorosa. “As redes sociais estão repletas de promessas de resultados milagrosos, enquanto muitas clínicas, sem fiscalização, realizam procedimentos arriscados. Precisamos urgentemente de uma regulamentação sanitária e jurídica mais rigorosa para proteger os pacientes”. “Infelizmente, ainda estamos longe de uma regulamentação clara que proteja os pacientes desses riscos”, finaliza.

Micobactérias mais comumente associadas a infecções em procedimentos estéticos

Mycobacterium chelonae: Resistente a antibióticos, pode causar infecções graves após procedimentos estéticos mal esterilizados, como abscessos e úlceras. Seus sintomas podem demorar a aparecer, dificultando o diagnóstico e o tratamento. Em casos mais graves, pode causar infecções sistêmicas, especialmente em pacientes imunocomprometidos, exigindo tratamento prolongado e, por vezes, intervenção cirúrgica.

Mycobacterium abscessus: Essa espécie pode provocar infecções cutâneas severas e abscessos que exigem tratamentos prolongados. Nos casos mais graves, pode levar à endocardite, uma infecção que afeta as válvulas cardíacas e representa risco de vida.

Mycobacterium fortuitum: Encontrada em água e solo, esta micobactéria frequentemente está ligada a infecções de pele e tecidos moles, como úlceras e feridas crônicas, principalmente em áreas onde houve intervenções estéticas.

As infecções causadas por essas micobactérias podem demorar meses para se manifestar, começando com sinais sutis, como vermelhidão, nódulos, inchaço e dor. Como essas condições são frequentemente confundidas com complicações normais do pós-operatório ou reações alérgicas, o diagnóstico precoce é um desafio.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**