Paracoccidioidomicose: cooperação internacional no enfrentamento dessa micose endêmica no Brasil
Embora seja endêmica, o conhecimento sobre a doença ainda necessita de maior visibilidade, especialmente nas regiões afetadas
31/10/2024
A paracoccidioidomicose (PCM), doença fúngica que afeta principalmente países da América Latina, continua sendo um grande desafio de saúde pública, especialmente em áreas rurais do Brasil. Causada pelo fungo Paracoccidioides, a infecção pode se manifestar de forma pulmonar e disseminada, com consequências graves para os pacientes. Embora seja endêmica, o conhecimento sobre essa doença ainda necessita de maior visibilidade nas regiões afetadas. Em um esforço para avançar nas pesquisas e estratégias de combate à paracoccidioidomicose, especialistas de todo o mundo irão se reunir na International Conference on Paracoccidioidomycosis. O evento, que será realizado entre os dias 10 e 13 de dezembro, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul (MS), é uma oportunidade para promover a troca de conhecimento científico e discutir os desafios e inovações no tratamento e diagnóstico dessa micose.
De acordo com o coordenador da conferência, Dr. James Venturini, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), a colaboração internacional é essencial no combate à paracoccidioidomicose, uma vez que se trata de uma doença endêmica na América Latina, afetando principalmente populações vulneráveis. “A troca de conhecimento entre pesquisadores de diferentes países é essencial para o desenvolvimento de novas estratégias de diagnóstico e manejo clínico. Reunir especialistas, profissionais de saúde, estudantes de graduação e pós-graduação permite a criação de estudos multicêntricos colaborativos, que podem acelerar a descoberta de novas opções diagnósticas, promover um monitoramento mais eficaz do tratamento antifúngico, reduzir o tempo de tratamento e desenvolver abordagens inovadoras para o tratamento das sequelas pulmonares”, destaca.
Segundo o Dr. Venturini, os resultados desta conferência podem ter um impacto direto nas políticas de saúde pública ao fornecer dados atualizados sobre a epidemiologia, novas opções de diagnóstico laboratorial e tratamento da paracoccidioidomicose. “Novos avanços no entendimento de biomarcadores de prognóstico e nas abordagens terapêuticas para as sequelas pulmonares podem levar a revisões nas diretrizes clínicas e à adoção de protocolos mais adaptados às realidades das regiões endêmicas”, explica. Ainda segundo ele, a conferência vai proporcionar um espaço para o diálogo entre cientistas, profissionais de saúde e formuladores de políticas, o que pode facilitar a implementação de estratégias mais coordenadas e eficazes para a prevenção e o manejo da PCM.
O evento também vai abordar novas tecnologias de diagnóstico, que podem auxiliar no rastreamento precoce da doença. Questionado sobre os desafios mais urgentes no diagnóstico e tratamento da paracoccidioidomicose atualmente, o Dr. Venturini afirma que são muitas urgências. Para ele, o maior desafio é reconhecer a doença de maneira precoce. “Em regiões endêmicas, a PCM é muitas vezes confundida com outras doenças pulmonares, como tuberculose e neoplasias, ou com doenças que afetam os gânglios linfáticos, como linfoma. Com o diagnóstico tardio, a mortalidade associada à PCM é muito elevada”, assinala o coordenador.
Outro ponto importante será a discussão sobre o impacto socioeconômico da paracoccidioidomicose. “Muitas vezes, as populações mais atingidas já enfrentam condições precárias de vida e acesso limitado aos cuidados de saúde. Precisamos não apenas de soluções médicas, mas também de estratégias que abordem as desigualdades sociais”, ressalta. Ele também pontua a urgência de um teste sorológico padronizado, comercialmente disponível e com elevada sensibilidade para facilitar o diagnóstico precoce. “O impacto das sequelas pulmonares nos pacientes, para mim, é uma das abordagens mais negligenciadas na PCM, já que, em sua maioria, são trabalhadores rurais sem carteira assinada; muitos perdem seus empregos devido à dificuldade de respirar e realizar esforços físicos mínimos, o que gera um ciclo de vulnerabilidade econômica, muitas vezes levando a quadros de depressão e consumo excessivo de álcool”, lamenta.
O congresso pretende elaborar um protocolo de ensaio clínico multicêntrico e internacional focado no tratamento da fibrose pulmonar, uma das sequelas mais debilitantes da doença. Com a perspectiva de avanços importantes sendo discutidos na International Conference on Paracoccidioidomycosis, a comunidade médica e científica espera que os resultados do evento possam influenciar políticas de saúde pública, trazendo esperança para as populações mais afetadas e contribuindo para o enfrentamento global à paracoccidioidomicose. Embora seja um evento internacional, o inglês não será a língua oficial. Dada a endemicidade da doença na América Latina, as línguas espanhola e portuguesa serão priorizadas. Essa escolha é fundamental para capacitar médicos e laboratoristas locais no diagnóstico e manejo da doença. A programação do evento está intensamente voltada para essa capacitação e, para ampliar o alcance, também será oferecida online. Participantes inscritos na modalidade online terão acesso ao conteúdo por até seis meses após o evento.
Saúde implanta vigilância de micoses endêmicas no Brasil
O Ministério da Saúde concluiu a fase piloto do sistema de vigilância das micoses endêmicas no Brasil com a implantação da plataforma “Micosis”. Essa plataforma informatizada para notificação, solicitação e dispensação de antifúngicos no Sistema Único de Saúde (SUS) foi criada com o objetivo de otimizar o acesso e a gestão de medicamentos essenciais no tratamento de infecções fúngicas. A “Micosis” busca padronizar o processo de solicitação pelos profissionais de saúde, garantir a dispensação de maneira eficiente e monitorar o uso adequado dos antifúngicos, contribuindo para a melhoria do tratamento de pacientes acometidos por doenças fúngicas graves. Inicialmente, os estados de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul já aderiram à novidade, com previsão de que todas as unidades federativas implementem o sistema até 2027. Com a expansão do “Micosis” para todo o Brasil, espera-se que as micoses recebam maior atenção dentro do sistema de saúde, melhorando o diagnóstico precoce, o tratamento e a prevenção dessas doenças que afetam milhares de brasileiros, muitas vezes de forma silenciosa.
Com a crescente incidência de infecções fúngicas no Brasil, principalmente em pacientes imunocomprometidos, a plataforma desempenha um papel fundamental na resposta rápida e organizada às demandas de antifúngicos, como anfotericina B, itraconazol e fluconazol, entre outros. Esses medicamentos são frequentemente utilizados no manejo de doenças como a candidíase sistêmica, criptococose, aspergilose e paracoccidioidomicose, que requerem tratamento especializado. Além disso, o controle sobre a dispensação contribui para reduzir o uso inadequado de antifúngicos, um fator essencial para minimizar o desenvolvimento de resistência fúngica.
Com o uso da plataforma, o Ministério da Saúde terá acesso a informações mais detalhadas sobre o perfil epidemiológico das micoses no Brasil. Isso vai permitir não apenas otimizar a distribuição dos medicamentos, mas também embasar políticas de prevenção e controle. Para garantir o funcionamento adequado do sistema, os profissionais de saúde dos estados envolvidos passaram por treinamentos específicos. Além do sistema de vigilância, estão sendo elaborados documentos normativos com protocolos de vigilância e orientações de manejo clínico para auxiliar os profissionais de saúde na identificação precoce e tratamento eficaz das micoses.
As micoses endêmicas são infecções causadas por fungos presentes em solos, vegetações e materiais em decomposição, especialmente em regiões tropicais e subtropicais de clima úmido. Acometem, em sua maioria, populações rurais, trabalhadores agropecuários, ecoturistas e pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Embora essas infecções não estejam incluídas na Lista Nacional de Notificação Compulsória de Doenças, alguns estados já adotaram a vigilância por iniciativa própria.
**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**