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Emergência do vírus Oropouche: um problema de saúde pública no Brasil

Carta publicada na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical enfatiza a gravidade do problema

19/12/2024

Apesar de seus impactos significativos, a febre Oropouche permanece uma doença negligenciada, com sintomas frequentemente confundidos com os da dengue, o que dificulta o diagnóstico preciso

A febre Oropouche (OROV), uma arbovirose negligenciada, já causou mais de 7 mil casos documentados no Brasil em 2024 — um aumento de oito vezes em relação ao ano anterior — e vem sendo descrita como um potencial problema de saúde pública de proporções graves. Em uma carta publicada na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (RSBMT), intitulada “Environmental Crisis and the Emergence of the Oropouche: A Potential Public Health Problem, um grupo de pesquisadores alerta para os impactos da doença e as falhas nas estratégias de vigilância e prevenção.

O vírus, transmitido pelo mosquito Culicoides paraensis, conhecido popularmente como “maruim”, apresenta sintomas semelhantes aos da dengue, como febre, náuseas e cefaleia. No entanto, em casos mais graves, podem ocorrer danos neurológicos, como encefalite, e até complicações congênitas, como microcefalia. Em julho de 2024, foi registrado em Pernambuco o primeiro óbito fetal associado à transmissão vertical do OROV, um fato alarmante que intensifica a preocupação com a doença. “Apesar de seus impactos significativos, a febre Oropouche continua sendo uma doença negligenciada. A falta de tratamentos específicos e vacinas agrava ainda mais a situação”, enfatiza o Dr. Lysandro Pinto Borges, um dos autores do documento.

Risco de epidemias negligenciado

O estudo relaciona o aumento de casos ao desmatamento e à crise climática, destacando que a destruição de habitats favorece espécies como morcegos e roedores, que atuam como reservatórios de vírus. Além disso, o aquecimento global tem alterado a dinâmica de transmissão. “O aumento das temperaturas globais não só amplia as áreas de proliferação de vetores, mas também influencia a carga viral e a diversidade genética dos patógenos,” explica o Dr. Borges. As altas temperaturas registradas em 2023 e 2024 — com 2023 sendo o ano mais quente da história — refletem diretamente na propagação de doenças transmitidas por vetores. Essas condições criam ambientes favoráveis para o desenvolvimento do Culicoides paraensis e ampliam os riscos de surtos urbanos.

O histórico de outras arboviroses no Brasil, como dengue, Zika e Chikungunya, já evidenciou as consequências de negligenciar doenças emergentes. O desenvolvimento de vacinas contra a dengue, por exemplo, levou décadas, e muitas limitações ainda persistem. “As mortes causadas por dengue poderiam ter sido minimizadas se a doença tivesse recebido a atenção necessária desde o início da epidemia. Precisamos evitar que o mesmo ocorra com o Oropouche,” alerta o pesquisador. No entanto, a febre Oropouche continua sendo subnotificada e mal compreendida. Estudos recentes identificaram a presença do material genético do OROV em diversos tecidos fetais, o que reforça a necessidade urgente de ampliar as pesquisas sobre a patogênese do vírus e suas complicações.

Os autores defendem uma abordagem integrada para conter a disseminação da doença. Isso inclui o controle de vetores, a criação de políticas públicas que priorizem o monitoramento do vírus e a educação da população. “É fundamental desenvolver campanhas de conscientização e promover ações que reduzam o contato humano com habitats de vetores, especialmente em áreas de desmatamento recente,” assinala o pesquisador. Medidas preventivas simples, como o uso de roupas protetoras, repelentes e telas finas em portas e janelas, são recomendadas. Contudo, os pesquisadores ressaltam a necessidade de avanços tecnológicos, como o desenvolvimento de larvicidas mais eficientes e vacinas. “Sem ações efetivas para reduzir o desmatamento e apoiar a pesquisa científica, continuaremos vulneráveis a pandemias causadas por patógenos como o Oropouche,” conclui o pesquisador.

A carta publicada na RSBMT deixa claro que a febre Oropouche exige atenção imediata das autoridades de saúde. A experiência brasileira com outras arboviroses demonstra que atrasos no enfrentamento de doenças emergentes podem resultar em crises humanitárias evitáveis. O documento alerta que, assim como ocorreu com a dengue, ignorar os sinais iniciais de uma epidemia pode levar a consequências graves, que poderiam ser evitadas por meio de uma abordagem preventiva e integrada. “A publicação reforça a necessidade de investimentos em pesquisa, desenvolvimento de vacinas e educação em saúde para mitigar os impactos da doença. Precisamos de ações efetivas para reduzir o desmatamento e incentivar pesquisas sobre compostos larvicidas. O enfrentamento ao OROV requer atenção urgente para proteger populações vulneráveis, especialmente crianças”, finaliza o autor.

Com o impacto crescente das mudanças climáticas e da degradação ambiental, o OROV surge não apenas como uma ameaça à saúde pública brasileira, mas também como um reflexo das pressões ambientais globais. Enfrentar esse desafio exige uma abordagem interdisciplinar, que integre saúde, ciência e sustentabilidade para mitigar seus impactos de forma eficaz e duradoura.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**