Divulgação

Imunizante brasileiro contra malária vivax avança para testes em humanos previstos para este ano

Imunizante passou por testes pré-clínicos com resultados considerados encorajadores

19/12/2024

No estudo com a nova formulação, os anticorpos produzidos pelos camundongos imunizados reconheceram as três variantes do parasita, conseguindo, em alguns casos, prevenir completamente a infecção, proporcionando proteção estéril; em outros, conseguiu retardar o aparecimento na corrente sanguínea

A Universidade de São Paulo (USP) alcançou um importante avanço no desenvolvimento de uma vacina contra a malária vivax, a forma mais prevalente da doença nas Américas. A instituição espera iniciar os testes em humanos este ano. A patente do processo de produção e formulação final do imunizante foi submetida em novembro de 2024, e representa um marco significativo na luta contra a doença, que ainda afeta milhões de pessoas em regiões tropicais e subtropicais. Denominado Vivaxin, o imunizante utiliza uma abordagem inovadora e multifacetada. Sua formulação é baseada em uma proteína recombinante quimérica, que combina segmentos das três variantes da Proteína Circunsporozoíta (CSP) do Plasmodium vivax, a fim de induzir uma resposta imune abrangente e duradoura. Os estudos pré-clínicos realizados em camundongos e coelhos demonstraram que a Vivaxin foi segura e estimula uma alta produção de anticorpos contra cada uma das três variantes da CSP (VK210, VK247 e Plasmodium vivax-like) existentes na natureza. Esses anticorpos se mostraram eficazes ao bloquear a entrada dos esporozoítos nos hepatócitos, impedindo, assim, a infecção dos glóbulos vermelhos e a formação e hipnozoítos no fígado, responsáveis pela recorrência da doença.

Segundo a Dra. Irene da Silva Soares, professora titular da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP) e uma das principais pesquisadoras do projeto, a tecnologia utilizada permite uma ampla cobertura imunológica, essencial para lidar com a variabilidade genética do parasita. “A vacina apresenta uma alta capacidade de gerar anticorpos e reduzir a infecção nos modelos experimentais. Este é um passo significativo para o controle da malária vivax no Brasil e em outras áreas endêmicas no mundo”, explica.

A malária vivax, doença parasitária transmitida pela picada de mosquitos do gênero Anopheles infectados pelo protozoário P. vivax, embora, em geral, cause sintomas menos graves do que a malária falciparum, a infecção pode evolui para complicações severas, como anemia grave, além de impactar significativamente a qualidade de vida e a produtividade das pessoas afetadas. O controle da doença é desafiado pela sua capacidade do P. vivax de formar hipnozoítos, formas latentes que permanecem no fígado e podem reativar a infecção meses ou até anos após a exposição inicial. A nova vacina, em desenvolvimento, busca atuar no estágio pré-eritrocítico do parasita, neutralizando os esporozoítos e  prevenindo, assim, a formação desses reservatórios hepáticos.

O Dr. Ricardo Gazzinelli, diretor do CT-Vacinas e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Vacinas (INCT-Vacinas), que também lidera a pesquisa, destaca a relevância global do projeto. “A malária continua sendo uma doença negligenciada, com poucos recursos destinados ao seu controle e erradicação. Uma vacina eficaz contra o P. vivax pode transformar o panorama epidemiológico em muitas regiões”, pontua. Ele também ressalta a importância da colaboração entre instituições brasileiras para o avanço científico no País. “O CT-Vacinas foi criado para, a partir de provas de conceito sólidas, desenvolver protótipos de vacinas que possam ser testados em humanos. Com isso, após mais de 10 anos de pesquisa, agora chegamos a um estágio em que iniciaremos o teste clínico da vacina contra P. vivax. Estamos unindo esforços para oferecer uma alternativa acessível e eficaz, contribuindo para a redução da carga da doença e para o bem-estar das populações mais vulneráveis”, declara o pesquisador.

Embora os testes clínicos em humanos estejam previstos para começar este ano, os pesquisadores lembram que desafios regulatórios e logísticos ainda precisam ser superados. A expectativa é de que, uma vez aprovada, a vacina possa complementar as estratégias atuais de controle da malária, como o combate ao mosquito por meio do uso de inseticidas e os tratamentos com medicamentos antimaláricos. O pedido de patente foi submetido no final de outubro por meio do Centro de Transferência e Inovação Tecnológica da Universidade Federal de Minas Gerais (CTIT) e da Agência USP de Inovação (AUSPIN). A patente protege o processo de produção e a formulação final, que inclui um adjuvante desenvolvido pela equipe do CT-Vacinas. Os resultados dos últimos testes devem ser publicados em breve em revista científica, consolidando mais um passo importante no desenvolvimento desta tecnologia.

A Vivaxin é fruto de uma colaboração entre a Universidade de São Paulo e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O projeto conta com o apoio financeiro de agências de fomento, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), por meio de um projeto temático (2012/13032-5), e do CNPq/INCT-Vacinas (465293/2014-0) para os estudos iniciais de prova de conceito. Além disso, o projeto recebeu apoio financeiro da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) (convênio 01.22.0046.00) para realizar o ensaio clínico fase I. Parcerias com instituições estrangeiras têm sido fundamentais, possibilitando o acesso a ensaios biológicos e tecnologias ainda não disponíveis no Brasil, o que amplia a visibilidade internacional da pesquisa brasileira e fortalece sua posição no cenário científico global.

De janeiro a outubro de 2024, o Brasil registrou 117.946 casos de malária, dos quais 80% (95.113) foram causados pelo P. vivax, conforme dados do Ministério da Saúde. Entre as populações indígenas, a situação é especialmente preocupante: até setembro, foram contabilizados aproximadamente 45.100 casos, representando um aumento de 12% em relação ao mesmo período de 2023.

Com este avanço, o Brasil fortalece sua posição como protagonista na pesquisa de vacinas para doenças tropicais. A malária vivax, mais prevalente no Brasil e em outros países fora da África, pode estar mais próxima de ser controlada. A sociedade acompanha com grande expectativa os resultados dos testes clínicos e as potenciais contribuições deste imunizante para a saúde global.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**