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Surto de norovírus mobiliza autoridades de saúde
Vírus pode ser transmitido pelo consumo de alimentos e água contaminada, além do contato com pessoas infectadas
03/02/2025
Com alta capacidade infecciosa e resistência, o norovírus provoca condições gastrointestinais como diarreia, vômitos e febre alta
Um aumento expressivo nos casos de infecções por norovírus tem chamado a atenção de autoridades de saúde em diversas regiões do Brasil. Considerado uma das principais causas de surtos de gastroenterite aguda, o vírus, altamente contagioso, tem impactado comunidades e sobrecarregado serviços de saúde. Em um cenário que exige respostas rápidas, especialistas reforçam a importância de medidas preventivas e da conscientização da população. Dados recentes da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP) apontam um aumento significativo de casos relacionados ao norovírus. Embora possa afetar pessoas de todas as idades, crianças, idosos e imunossuprimidos são os mais vulneráveis a complicações.
A Dra. Regiane Cardoso de Paula, coordenadora da Coordenadoria de Controle de Doenças (CCD) da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, destacou a necessidade de medidas rigorosas para conter a disseminação do vírus em ambientes fechados. “Em unidades hospitalares, recomenda-se a higienização rigorosa das mãos, combinada com o uso de equipamentos de proteção individual, como máscaras cirúrgicas, durante a desinfecção de superfícies contaminadas, devido ao risco de aerossolização de partículas virais”, assinalou. Além disso, pacientes suspeitos devem ser isolados em quartos privativos ou enfermarias exclusivas, com equipes e equipamentos separados.
O atual surto ocorre em um contexto de maior mobilidade populacional, eventos coletivos e aumento da interação em locais turísticos, fatores que favorecem a disseminação do vírus. Nas últimas semanas, surtos registrados em cruzeiros apresentaram um número expressivo de casos simultâneos. Além disso, os dados sugerem que a subnotificação ainda é um problema, especialmente em regiões com menor infraestrutura de vigilância epidemiológica.
A especialista ressalta que a higienização frequente das mãos com água e sabão é a principal medida para evitar infecções cruzadas, principalmente após o uso do banheiro, a troca de fraldas, o preparo de alimentos e o contato com pacientes infectados. Em surtos ocorridos em navios e aviões, a rápida identificação das fontes de transmissão, aliada à orientação sobre higiene pessoal e segurança alimentar, tem reduzido significativamente a propagação do vírus. “A notificação imediata desses casos às autoridades de vigilância em saúde é essencial para evitar a ampliação dos surtos”, afirmou.
No contexto domiciliar, a coordenadora enfatiza a importância de afastar pessoas infectadas de atividades que possam facilitar a transmissão, como o preparo de alimentos, até 72 horas após a cessação dos sintomas. A limpeza de superfícies, roupas e utensílios é fundamental, utilizando hipoclorito de sódio a 2,5% para higienização de frutas e verduras, além de fervura da água quando necessário. “Essas medidas, aliadas à conscientização sobre os meios de transmissão, são cruciais para a prevenção em locais fechados”, acrescentou a Dra. Cardoso de Paula.
Características e transmissão
O norovírus é altamente resistente a condições ambientais e pode ser transmitido por contato direto com pessoas infectadas, superfícies contaminadas ou pelo consumo de água e alimentos contaminados. Estudos indicam que menos de 100 partículas virais são suficientes para causar infecção, o que explica sua alta transmissibilidade. Os sintomas mais comuns incluem diarreia, vômitos, febre baixa e dores abdominais, que geralmente se manifestam entre 12 e 48 horas após a exposição. Apesar de autolimitada na maioria dos casos, a doença pode levar a complicações graves, como desidratação severa, especialmente em crianças e idosos.
Os protocolos de desinfecção recomendados incluem o uso de água potável, sabão e água sanitária, conforme orientações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), A Dra. Cardoso detalha que as principais recomendações incluem a remoção de matéria orgânica (vômitos/fezes) com papel absorvente, seguida da lavagem da área com água e sabão utilizando panos descartáveis. Em seguida, as superfícies devem ser descontaminadas com água sanitária, evitando produtos inadequados para materiais sensíveis. Roupas e utensílios devem ser higienizados separadamente para minimizar a dispersão de partículas virais.
Uso da água sanitária para descontaminação de superfícies em domicílios
Água sanitária * | Diluição aproximada | Concentração aproximada | Aplicação | ||
2,0% ‐ 2,5% | Concentrada | 20.000 – 25.000 ppm | Uso em vaso sanitário | ||
2,0% ‐ 2,5% | 100 ml em 100 ml de água | 10.000 ppm | Descontaminação de superfícies | ||
2,0% ‐ 2,5% | 10 ml em 1 litro de água | 200 – 250 ppm | Brinquedos, mamadeiras e utensílios de cozinha. |
Adaptação de: Guidelines for Sterilization and Desinfection In Healthcares Facilities, 2008. In: www.cdc.gov
A coordenadora da CCD frisou que, embora qualquer profissional de saúde possa notificar surtos, a subnotificação ainda representa um desafio, muitas vezes devido à falta de sensibilização ou à ausência de busca por atendimento em casos leves. “Para mitigar esse problema, emitimos alertas epidemiológicos e promovemos capacitações anuais para os 645 municípios do estado, reforçando a importância da notificação e da investigação dos casos”, complementou. Entre as estratégias para conter o norovírus, destaca-se a educação da população sobre práticas de higiene e segurança alimentar.
Os serviços de saúde distribuem hipoclorito de sódio a 2,5% para descontaminação de água e divulgam orientações sobre sinais e sintomas da doença. Além disso, a qualidade da água e dos alimentos é monitorada em parceria com a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), que verifica a situação de mananciais e praias. “É imprescindível que ações voltadas ao meio ambiente complementem as iniciativas de saúde, garantindo maior eficácia nas medidas preventivas”, atentou a especialista.
Emergências em diversas localidades têm registrado um aumento expressivo na procura por atendimentos relacionados ao norovírus. Além de impactar diretamente a saúde dos pacientes, os surtos sobrecarregam o sistema de saúde, comprometendo o atendimento de outras condições. Em cidades menores, a situação é ainda mais crítica devido à infraestrutura de saúde limitada. A ausência de uma vacina contra o vírus demonstra a necessidade de ações preventivas e de um sistema de vigilância epidemiológica eficiente. “Salientamos constantemente a importância do consumo de água e alimentos de origem confiável e da adesão às medidas preventivas”, concluiu a Dra. de Paula. O monitoramento semanal de doenças diarreicas realizado por unidades sentinela tem se mostrado essencial para acompanhar o cenário epidemiológico e identificar surtos de forma ágil.
Aumento de casos de norovírus no Brasil
Além dos casos ocorridos em São Paulo, Florianópolis, em Santa Catarina, registrou um aumento no número de pacientes com virose, com os casos das últimas semanas superando a média histórica dos últimos cinco anos. No litoral do Paraná, a Secretaria de Estado da Saúde confirmou a presença de norovírus em amostras coletadas nos municípios de Guaratuba e Morretes, enquanto investigações seguem em andamento em Pontal do Paraná e Matinhos.
No primeiro semestre do ano passado, Salvador, na Bahia, também observou um aumento nos casos de gastroenterite por norovírus. Em 2024, pelo menos 186 cidades em Goiás relataram surtos de diarreia aguda, com mais de 57 mil casos apenas em agosto, sendo o norovírus e o rotavírus as principais causas.
Em 2023, um surto de norovírus em Florianópolis afetou mais de 5 mil pessoas. Em 2022, Guaratuba, no litoral do Paraná, enfrentou um surto que resultou em cerca de mil casos em apenas uma semana. Em outubro de 2021, o vírus também causou surtos em várias cidades do Rio Grande do Sul.
Surto de norovírus nos Estados Unidos
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) relatou 91 casos suspeitos ou confirmados de norovírus nos Estados Unidos na primeira semana de dezembro, o maior número para esse período desde 2012. Embora a razão exata para o aumento dos casos não seja clara, a cepa GII.17, que se tornou dominante nos últimos meses, pode estar contribuindo para a elevação das infecções, uma vez que menos pessoas possuem imunidade a ela.
Nos Estados Unidos, os surtos de norovírus são mais frequentes entre novembro e abril, período em que cerca de 19 a 21 milhões de pessoas adoecem anualmente, o que lhe rendeu o apelido de “bug do vômito de inverno”. Segundo o Dr. Scott Roberts, especialista em doenças infecciosas da Faculdade de Medicina de Yale, o aumento nas infecções é impulsionado pela maior convivência social durante os meses frios e pelas festas de fim de ano. Diferente das doenças respiratórias como gripe e Covid-19, o norovírus não se espalha por meio de tosse ou espirros, tornando máscaras e ventilação menos eficazes na prevenção.
**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**