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Brasil busca certificação inédita de eliminação da transmissão vertical do HIV

País está próximo de alcançar a certificação da Opas, o que demonstra o papel do SUS como referência em saúde pública

07/07/2025

Em 2023, a taxa de transmissão vertical do HIV no Brasil foi inferior a 2%, com uma incidência de infecção em crianças abaixo de 0,5 caso por mil nascidos vivos

Em junho, o Brasil consolidou um marco na saúde pública ao entregar à Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), braço regional da Organização Mundial da Saúde (OMS), a documentação para pleitear a certificação internacional de eliminação da transmissão vertical do HIV, de mãe para filho. O relatório foi apresentado pelo ministro da Saúde, Dr. Alexandre Padilha, durante o XV Congresso da Sociedade Brasileira de Doenças Sexualmente Transmissíveis (SBDST), no Rio de Janeiro. “Este momento reflete o trabalho incansável de profissionais da saúde, estados, municípios e da reconstrução do Sistema Único da Saúde (SUS) para proteger mães e bebês”, declarou o ministro na ocasião.

A iniciativa integra o programa Brasil Saudável, lançado pelo governo federal em 2024, que visa eliminar ou reduzir a carga de 14 doenças socialmente determinadas até 2030, entre elas sífilis, hepatite B, doença de Chagas, HTLV e HIV. Para obter a certificação da Opas/OMS, é necessário cumprir critérios rigorosos: taxa de transmissão vertical inferior a 2%; incidência de HIV em crianças abaixo de 0,5 caso por mil nascidos vivos; e cobertura de pelo menos 95% das gestantes em acompanhamento pré-natal com testagem e tratamento adequados. O Brasil é o maior país a atingir esses indicadores, destacando-se na região das Américas, onde apenas Cuba obteve a certificação, em 2015.

Para alcançar esses resultados, o Ministério da Saúde implementou uma série de medidas estratégicas. A ampliação da cobertura de testagens foi essencial, com a distribuição de testes rápidos duo HIV e sífilis, capazes de detectar simultaneamente as infecções. Priorizados no pré-natal, esses testes permitem diagnóstico precoce e intervenção imediata. Em 2023 e 2024, o Brasil superou os 95% de cobertura em, pelo menos, uma consulta de pré-natal, testagem de HIV em gestantes e início de tratamento daquelas que vivem com o vírus. O tratamento antirretroviral, oferecido gratuitamente pelo SUS, reduz o risco de transmissão ao bebê a níveis praticamente nulos quando seguido corretamente. Para o Dr. Bernardo Galvão-Castro, especialista em doenças infecciosas e pesquisador em HIV/aids, a testagem rápida e o acesso ao tratamento mudaram a realidade de muitas famílias, permitindo que mães com HIV tenham filhos saudáveis.

Outras ações importantes incluíram a ampliação da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), que atingiu 184.619 usuários até junho de 2025, e a capacitação de profissionais de saúde para aplicação de protocolos atualizados. A PrEP, também oferecida gratuitamente pelo SUS, é considerada fundamental para prevenir a infecção pelo HIV e avançar na eliminação da aids como problema de saúde pública até 2030. O Ministério da Saúde investiu ainda na integração de serviços entre estados e municípios, com foco em áreas de maior vulnerabilidade, como Norte e Nordeste. “O SUS tem uma capilaridade única, mas o desafio é garantir equidade no atendimento em regiões remotas”, afirmou o Dr. Galvão.

O Brasil também adaptou o processo de certificação da Opas/OMS para o nível subnacional, reconhecendo 151 municípios e sete estados com certificações ou selos de boas práticas para a eliminação da transmissão vertical do HIV, sífilis e hepatite B. Em 2024, 60 municípios e três estados foram certificados. Entre os destaques estão São Paulo, com 47 municípios certificados, e o Rio de Janeiro, com oito. Ainda para este ano, o Ministério da Saúde prevê a concessão de cerca de 70 novas certificações municipais e dez estaduais, fortalecendo a mobilização local e a articulação regional.

A transmissão vertical do HIV ocorre durante a gravidez, o parto ou a amamentação. Sua eliminação depende do diagnóstico precoce, tratamento contínuo e medidas preventivas como o uso de antirretrovirais, realização de cesarianas quando indicadas e substituição do aleitamento materno por fórmula infantil. O Brasil reduziu significativamente os casos em recém-nascidos nas últimas décadas, com a taxa de mortalidade por aids caindo para 3,9 óbitos por 100 mil habitantes em 2023, o menor índice registrado desde 2013. No mesmo ano, o País também alcançou 96% de diagnóstico das pessoas vivendo com HIV, superando a meta da Organização das Nações Unidas (ONU), de 95%.

Apesar dos avanços, persistem desafios, sobretudo na eliminação da transmissão vertical de outras doenças como sífilis, hepatite B, doença de Chagas e HTLV. A sífilis, por exemplo, exige maior cobertura de testagem em áreas remotas e adesão ao tratamento. “A sífilis congênita ainda é um problema em algumas regiões devido à dificuldade de acesso e à falta de conscientização”, alertou o Dr. Galvão. A hepatite B foi incluída no processo de certificação em 2024, enquanto a doença de Chagas está em fase piloto, e o HTLV, outro retrovírus da mesma família do HIV, deve ser incorporado ainda este ano. Como ainda não há tratamentos para o HTLV, será necessário um maior empenho para o controle da transmissão vertical, por meio da testagem de todas as gestantes e a suspensão do aleitamento daquelas infectadas. O programa Brasil Saudável está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e à iniciativa da Opas para eliminar 30 doenças transmissíveis nas Américas até 2030. Para o Dr. Galvão, avançar nessa agenda é de suma importância para garantir que crianças nasçam sem doenças que impactam a vida inteira.

A entrega do relatório à Opas marca o início de um processo de avaliação detalhado, que inclui análise de dados epidemiológicos, auditorias e visitas técnicas para verificar a sustentabilidade das ações. “O processo é rigoroso e exige evidências científicas robustas”, enfatizou o Dr. Galvão. Embora o Ministério da Saúde não tenha divulgado prazos para a conclusão da análise, garantiu a continuidade das ações do programa Brasil Saudável, com foco na vigilância epidemiológica e na ampliação do acesso à saúde. “A sociedade civil e os profissionais de saúde celebraram o avanço. Essa conquista mostra a força do SUS e o compromisso com a saúde materno-infantil”, declarou o especialista.

Segundo o Dr. Galvão, a eventual certificação não representa apenas um marco técnico, mas também um avanço na garantia de direitos e na promoção da equidade. “Há milhares de mulheres que agora podem realizar o sonho de ser mães sem o risco de transmitir o HIV”, assinalou ao frisar a importância da manutenção de investimentos para sustentar os resultados. Ainda segundo ele, o Brasil segue mobilizado para consolidar esses avanços e expandir a certificação para outras doenças, fortalecendo o compromisso com a saúde de futuras gerações.

Ainda assim, a eliminação da transmissão vertical de outras doenças, como a sífilis, enfrenta barreiras adicionais. Entre elas estão a cobertura de testagem e tratamento em áreas remotas, a adesão ao acompanhamento médico e a conscientização da população. “A sífilis, por exemplo, exige um esforço contínuo para alcançar gestantes em comunidades vulneráveis e garantir que o tratamento seja concluído”, atentou o Dr. Galvão. O programa Brasil Saudável busca enfrentar essas questões por meio de parcerias com governos locais e organizações internacionais, além de campanhas de educação em saúde.

A busca pela certificação da Opas posiciona o Brasil como um potencial líder na região das Américas, onde, até o momento, apenas Cuba obteve o reconhecimento pela eliminação da transmissão vertical do HIV, em 2015. A conquista do certificado não apenas valida os esforços do País, mas também reforça seu papel como referência em saúde pública no continente. Se confirmada, a certificação consolida o Brasil como exemplo de sucesso na luta contra o HIV e outras doenças transmissíveis, demonstrando o impacto positivo de políticas públicas integradas e do fortalecimento contínuo do SUS. A conquista vai representar um marco para a saúde pública nacional e uma esperança renovada para milhões de brasileiros.