
Chikungunya: estudo aponta infecções silenciosas e sequelas em crianças da região metropolitana de Salvador
Pesquisadores da Universidade Federal da Bahia monitoraram crianças na região metropolitana de Salvador, revelando o impacto oculto da Chikungunya
05/08/2025
Embora a forma crônica da doença seja mais comum em adultos, o estudo confirma que o impacto em crianças não pode ser negligenciado
Em cidades da região metropolitana de Salvador, como Simões Filho, a presença do mosquito Aedes aegypti mantém ativa a ameaça de surtos de arboviroses como Chikungunya. Transmitida por esse vetor, a doença tornou-se parte do cotidiano de muitas comunidades brasileiras desde sua introdução no País, em 2014. Embora conhecida pelas dores articulares intensas que podem se prolongar por meses, a enfermidade muitas vezes passa despercebida em crianças, que frequentemente não apresentarem sintomas clássicos ou são diagnosticadas incorretamente. Um estudo publicado na revista PLOS Neglected Tropical Diseases, intitulado “Chikungunya in a pediatric cohort: Asymptomatic infection, seroconversion, and chronicity rates”, traz novas evidências sobre o impacto da doença em populações pediátricas e expõe os desafios do controle da arbovirose no Brasil.
Conduzida por pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz Bahia), sob a liderança da Dra. Viviane Sampaio Boaventura, a pesquisa acompanhou 348 crianças e adolescentes, com idades entre 2 e 17 anos, residentes na região metropolitana de Salvador. O monitoramento ocorreu entre 2018 e 2022, com o objetivo de mapear infecções assintomáticas, avaliar a resposta imunológica ao vírus Chikungunya (CHIKV) e identificar sintomas persistentes, focando uma faixa etária frequentemente negligenciada nas estratégias de enfrentamento da doença. A abordagem longitudinal permitiu acompanhar a progressão clínica e imunológica ao longo do tempo. A maioria das crianças vivia em bairros de baixa renda, com infraestrutura precária, onde o acúmulo de lixo e a escassez de água potável favorecem a proliferação do mosquito.
Desde sua introdução no País, a Chikungunya se disseminou rapidamente, e mais de 265 mil casos prováveis foram registrados apenas em 2023, segundo o Ministério da Saúde. A Bahia, em especial Salvador e seus arredores, figura entre as regiões mais afetadas. Fatores como clima tropical, urbanização acelerada e falhas estruturais, como ausência de saneamento básico, criam um ambiente favorável à manutenção do ciclo de transmissão. A doença, que compartilha o mesmo vetor com a dengue e o Zika, pode causar febre, exantemas e dores articulares severas, frequentemente incapacitantes. Em crianças, no entanto, a infecção pode ser silenciosa ou apresentar sintomas inespecíficos, dificultando o diagnóstico e contribuindo para a subnotificação.
“A febre Chikungunya em crianças é frequentemente subestimada, pois elas nem sempre apresentam os sintomas clássicos que despertam atenção de familiares e profissionais de saúde”, explica a Dra. Boaventura. Os quadros clínicos tendem a ser mais leves que em adultos, levantando questões relevantes sobre as diferenças na resposta imunológica entre faixas etárias. “Embora a frequência de sintomas crônicos seja menor em crianças, nossos dados revelam que elas também podem desenvolver manifestações persistentes com impacto funcional significativo”, assinala a pesquisadora.
As crianças foram acompanhadas por até três anos em um Centro de Pesquisas Clínicas, com coletas periódicas de sangue para exames sorológicos e RT-PCR, Além de avaliações médicas regulares e em episódios febris. Os resultados mostraram que cerca de 16% das crianças apresentaram infecção por Chikungunya ao longo do período, indicando que, mesmo em áreas com surtos registrados, a maioria permanece suscetível à infecção. Um achado relevante foi que, após a infecção, aproximadamente 16% das crianças não desenvolveram anticorpos neutralizantes, levantando hipóteses sobre possíveis mecanismos alternativos de proteção imunológica e a necessidade de investigar se esses indivíduos estão protegidas contra novas exposições ao vírus.
A taxa de soroconversão, mediada pela presença de anticorpos IgG após infecção, foi de 84% entre os casos sintomáticos, indicando uma resposta imunológica consistente mesmo em quadros leves. Entretanto, uma parcela das crianças não foi capaz de neutralizar o vírus após a infecção, o que sugere uma resposta imunológica incompleta ou não protetora, com potenciais implicações para reinfecções futuras. Outro achado relevante foi a presença de cronicidade: 12% das crianças sintomáticas relataram dores articulares persistentes por mais de três meses, com impacto funcional leve a moderado, comprometendo atividades como brincar e frequentar a escola. Embora a forma crônica da doença seja mais comum em adultos, o estudo confirma que o impacto em crianças não pode ser negligenciado.
Segundo a Dra. Boaventura, a combinação de casos sintomáticos e infecções silenciosas tem implicações diretas nas estratégias de vigilância e prevenção. “Precisamos repensar nossas ferramentas de monitoramento. Os testes sorológicos convencionais podem subestimar a real prevalência do vírus”, afirma. A detecção precoce de casos com evolução crônica também é fundamental para oferecer suporte médico e psicológico adequados às crianças afetadas. “A prevenção continua sendo a principal ferramenta no combate à Chikungunya. Eliminar criadouros, usar repelentes e a instalar telas são medidas eficazes, mas nem sempre viáveis em comunidades com carências estruturais. Investir em educação comunitária e em saneamento é urgente. Não se pode responsabilizar a população por falhas sistêmicas que limitam sua capacidade de prevenção”, atenta.
A autora destaca ainda o papel estratégico das escolas no enfrentamento da arbovirose. “Se as crianças aprendem sobre prevenção da Chikungunya, elas disseminam esse conhecimento em casa, influenciando positivamente os hábitos das famílias”, assinala. Os pesquisadores pretendem expandir a pesquisa para outras regiões brasileiras e aprofundar os estudos sobre os mecanismos imunológicos associados à forma crônica da doença. “A Chikungunya, muitas vezes ofuscada pela dengue no debate público, representa um desafio ainda mal compreendido, especialmente entre crianças. Compreender o comportamento da infecção nessa faixa etária é fundamental para proteger o futuro das comunidades mais afetadas”, conclui a Dra. Boaventura.
**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**