Fungos transgênicos transmitidos durante cópula de mosquitos revelam nova arma contra malária
Fungo geneticamente modificado explora comportamento reprodutivo de mosquitos para reduzir populações vetoras da malária
17/08/2025
Pesquisadores demonstraram que o fungo transgênico Metarhizium pingshaense, transmitido durante a cópula de mosquitos do gênero Anopheles, elimina fêmeas e pode representar uma nova ferramenta no combate à malária
Um estudo publicado na revista Scientific Reports detalha uma abordagem inovadora para o controle de mosquitos Anopheles, principais vetores da malária na África Subsaariana. Pesquisadores da Universidade de Maryland, Estados Unidos, em parceria com instituições de Burkina Faso, África, desenvolveram uma linhagem geneticamente modificada do fungo Metarhizium pingshaense, capaz de ser transmitido sexualmente entre mosquitos durante o acasalamento. Esse fungo induz a morte das fêmeas, responsáveis pela transmissão do Plasmodium, e surge como uma alternativa promissora diante do avanço da resistência a inseticidas químicos, com potencial para reduzir a carga global da doença.
A pesquisa, intitulada “Transmission of transgenic mosquito-killing fungi during copulation“, descreve a engenharia do fungo para expressar uma toxina híbrida altamente específica contra mosquitos. Os experimentos demonstraram que machos infectados transferem esporos às fêmeas durante o acasalamento, os quais germinam no corpo delas, levando-as à morte em até duas semanas. “Foi observado que quase 90% das fêmeas infectadas durante o acasalamento morreram em poucos dias, o que reduz significativamente a sobrevivência dos vetores da malária”, explica o Dr. Rodrigo Gurgel-Gonçalves, professor da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em controle de vetores.
O mecanismo mostrou-se eficaz por explorar a biologia sexual dos mosquitos: os machos permanecem contagiosos por até 24 horas e são capazes de infectar múltiplas fêmeas. Além disso, fêmeas infectadas também podem transmitir o fungo a machos saudáveis, gerando um efeito cascata na população. Em condições laboratoriais, até 80% das fêmeas foram infectadas em uma única geração, indicando potencial para aplicação em larga escala. “A transmissão sexual do fungo representa uma forma inteligente de aproveitar a biologia reprodutiva dos vetores, ampliando o impacto do controle biológico”, destaca o pesquisador.
A malária, causada pelo protozoário Plasmodium falciparum e transmitida por mosquitos Anopheles, segue como um dos maiores desafios em saúde pública global. Em 2023, estimaram-se 263 milhões de casos em 83 países, 11 milhões a mais que em 2022, e aproximadamente 597 mil mortes. A África concentrou 94% dos casos mundiais e 95% dos óbitos, com crianças com menos de cinco anos representaram cerca de 74% das mortes no continente. A taxa de incidência global foi de 60,4 casos por mil pessoas em risco, quase três vezes acima da meta estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de 21,3. Já a taxa de mortalidade foi de 13,7 mortes por 100 mil habitantes, mais do que o dobro da meta de 5,5. Apesar da queda nos óbitos em relação aos picos da pandemia, o avanço no controle da malária encontra-se estagnado, em função da resistência crescente a inseticidas e medicamentos, das mudanças climáticas, de conflitos armados e da insuficiência de recursos, foram disponibilizados apenas US$ 4 bilhões em 2023, frente a uma necessidade estimada de US$ 8,3 bilhões.
A segurança ambiental do fungo geneticamente modificado também foi avaliada. Ensaios demonstraram que a toxina produzida por M. pingshaense não afeta organismos não-alvo, como abelhas, mamíferos e plantas, e que o fungo se degrada rapidamente fora do corpo do mosquito, minimizando riscos ecológicos. “A pesquisa desenvolveu uma ferramenta de controle biológico precisa, voltada exclusivamente aos vetores da malária, com impacto ambiental mínimo e respeito ao equilíbrio ecológico”, complementa o Dr. Gurgel. Porém, a eficácia em condições reais ainda precisa ser avaliada. Ensaios de campo estão sendo planejados em Burkina Faso, com objetivo de avaliar o desempenho do fungo em populações naturais, levando em conta variáveis ambientais como clima e densidade vetorial. “Os testes laboratoriais representam apenas o primeiro passo. É fundamental confirmar a eficácia e a viabilidade operacional em campo antes de pensar em implementações em larga escala”, ressalta o especialista.
Essa abordagem soma-se a outras estratégias inovadoras no combate à malária, como o uso de mosquiteiros impregnados com inseticidas, vacinas, sistemas de gene drive e mosquitos geneticamente modificados, como os desenvolvidos pelo consórcio Target Malaria). “Nenhuma tecnologia, isoladamente, será suficiente. Mas a combinação dessas ferramentas pode transformar o cenário do controle da malária”, enfatiza o pesquisador. Por fim, o Dr. Gurgel reconhece que o estudo reforça a importância de estratégias integradas no enfrentamento da malária, especialmente diante de mudanças climáticas que favorecem a proliferação vetorial. “A transmissão sexual de fungos transgênicos entre mosquitos é uma descoberta interessante e pode ser desenvolvida para oferecer mais uma estratégia de controle contra uma das doenças mais devastadoras do mundo”, conclui.
**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**