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Avanço na saúde pública: Brasil sanciona lei para produção de fármacos voltados a doenças negligenciadas

Laboratórios farmacêuticos devem aumentar a produção de medicamentos essenciais para o tratamento de doenças que afetam populações de baixa renda

31/10/2024

As doenças tropicais negligenciadas afetam desproporcionalmente populações vulneráveis em regiões de baixa renda, sendo muitas vezes preteridas por enfermidades de maior visibilidade

Uma nova lei sancionada recentemente promete impulsionar o desenvolvimento e a produção de medicamentos essenciais para doenças negligenciadas, marcando um avanço significativo na luta contra essas enfermidades que afetam milhões de brasileiros. A medida estabelece que o setor farmacêutico nacional deve priorizar a fabricação de fármacos para as chamadas doenças determinadas socialmente, como leishmaniose, doença de Chagas, esquistossomose, hanseníase e tuberculose, que historicamente recebem pouca atenção e recursos da indústria e afetam desproporcionalmente as populações mais vulneráveis. Essas populações enfrentam acesso limitado a medicamentos devido ao baixo interesse comercial da indústria farmacêutica.

De acordo com a Lei 14.977, de 2024, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo também terá a responsabilidade de garantir incentivos fiscais e apoio logístico às empresas envolvidas na produção e distribuição desses medicamentos. A expectativa é que, com o aumento na oferta, o acesso a tratamentos seja ampliado, especialmente nas regiões mais pobres do País. A nova legislação entra em vigor em 19 de setembro de 2025, após 365 dias de sua publicação no Diário Oficial da União (DOU). Além de assegurar a produção dos princípios ativos necessários ao tratamento das doenças tropicais negligencias, a nova lei também objetiva reduzir o risco de desabastecimento crônico, o que, ao longo dos anos, tem prejudicado os pacientes acometidos por essas enfermidades.

O Dr. Jadel Kratz, Head de Descoberta e Parcerias da iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi) – América Latina, destaca a relevância dessa legislação para o setor de saúde pública. “Este é um marco histórico para o Brasil e para os pacientes que lutam diariamente contra as doenças negligenciadas. Finalmente, estamos vendo uma mobilização concreta, na forma de lei, para a produção de ingredientes farmacêuticos ativos (IFAs) destinados ao tratamento de doenças determinadas socialmente em território nacional”, afirma. Ele lembra que a lei trata não apenas da produção em si, mas também da promoção e financiamento de parcerias para dar sustentabilidade à missão dos laboratórios públicos. “A DNDi tem grande expertise nesse modelo de inovação, que envolve os vários setores do ecossistema de inovação, e ficamos muito entusiasmados com esse incentivo”, complementa.

O especialista também ressalta o impacto da nova lei no cenário de pesquisa e desenvolvimento. “A medida traz um novo fôlego para as instituições farmacêuticas públicas, que enfrentam barreiras tanto financeiras, técnicas e estruturais para avançar na sua missão dentro do Sistema Único de Saúde (SUS). Essa lei reforça a importância de parcerias multilaterais para o fortalecimento de capacidades e transferência de tecnologia para o país, além de ter boa sinergia com as portarias publicadas recentemente que atualizam o marco legal dos Programas de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP), de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL) e de Produção e Desenvolvimento Tecnológico para Populações e Doenças Negligenciadas (PPDN). Esperamos ver muitas novas parcerias público-privadas focadas não apenas na produção de medicamentos já conhecidos, mas também avanços significativos em inovações terapêuticas”, acrescenta o Dr. Kratz.

As doenças tropicais negligenciadas afetam desproporcionalmente populações vulneráveis em regiões de baixa renda, sendo muitas vezes preteridas por enfermidades de maior visibilidade global. No entanto, para o Dr. Kratz, este é um momento de virada. “Precisamos continuar a trabalhar em parceria com governos, universidades, empresas farmacêuticas e organizações internacionais para manter o foco nas doenças negligenciadas e garantir que a melhor ciência e inovação cheguem também a esses pacientes. Não são as doenças que são negligenciadas, são as pessoas “, diz.

A implementação da lei será acompanhada de perto por órgãos reguladores e de saúde pública, que também serão responsáveis por monitorar o impacto das novas políticas na redução da morbidade e mortalidade associadas a essas enfermidades. A legislação autoriza, ainda, o governo a buscar parcerias nacionais e internacionais para estabelecer acordos de transferência de tecnologia com laboratórios que detenham expertise na produção de fármacos, garantindo que o conhecimento seja compartilhado com laboratórios públicos brasileiros. Essas parcerias poderão ser financiadas pelo poder público, que atuará como facilitador do processo de aquisição e implementação de novas tecnologias.

O Dr. Kratz espera que essa legislação sirva de exemplo para outros países da América Latina e regiões afetadas por doenças negligenciadas, incentivando uma mobilização global para que a saúde de populações vulneráveis seja priorizada de maneira efetiva e sustentável.

Histórico da proposta

O texto da lei teve origem no Projeto de Lei 10.096/2018, da Câmara dos Deputados, e tramitou no Senado como PL 5.331/2023. Aprovado no plenário em 27 de agosto de 2024, o projeto foi rapidamente encaminhado para sanção presidencial.

A lei altera a Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080, de 1990), garantindo que laboratórios públicos com capacidade técnica adequada produzam os componentes farmacológicos necessários. Aqueles que ainda não possuem essa estrutura deverão desenvolver projetos para adaptar sua produção, reforçando o compromisso do poder público com o acesso a medicamentos para doenças negligenciadas.

O senador Paulo Paim (PT-RS), relator do projeto que resultou na nova legislação, enfatizou que os medicamentos destinados ao tratamento das doenças negligenciadas geram pouco lucro para a indústria farmacêutica. Segundo ele, isso contribui para o frequente desabastecimento de medicamentos, deixando pacientes sem acesso adequado aos tratamentos necessários. Ele destacou ainda, em seu relatório, que entre 2017 e 2021, mais de 59 mil pessoas morreram no Brasil em decorrência dessas doenças. O senador citou também dados do Ministério da Saúde, apontando que a tuberculose, uma das enfermidades determinadas socialmente, foi responsável pelo adoecimento de mais de 80 mil pessoas no país em 2022, conforme revelado por uma edição especial do Boletim Epidemiológico.

“Com a entrada em vigor da Lei 14.977, em harmonia com todo financiamento e articulação voltados para a renovação do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS), espera-se que o Brasil avance significativamente no enfrentamento dessas doenças, ampliando a produção e o desenvolvimento de medicamentos essenciais e reduzindo o impacto das enfermidades em populações historicamente marginalizadas”, conclui o Dr. Kratz.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**