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Brasil enfrenta maior epidemia de dengue da história, impulsionada pelas mudanças climáticas

Crescimento alarmante de casos em 2024 revela desafios no controle de Aedes aegypti e na adaptação às mudanças climáticas

01/10/2024

Evolução do número de mortes por dengue em investigação e confirmadas por milhão de habitantes no Brasil entre 2000 e 2024

Em 2024, o Brasil enfrenta a maior epidemia de dengue já registrada, com cerca de 6 milhões de casos prováveis e 4 mil mortes confirmadas até junho. As estimativas indicam que este ano terá o maior número de casos e óbitos por dengue da história do País. O aumento expressivo é atribuído principalmente às mudanças climáticas, que têm ampliado o alcance e a intensidade dos surtos, além de fatores estruturais, como saneamento inadequado e a dificuldade em eliminar focos do mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença. É o que revela o artigo “The greatest Dengue epidemic in Brazil: Surveillance, Prevention, and Control publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (RSBMT).

“Estamos lidando com uma situação sem precedentes”, afirma o Dr. Rodrigo Gurgel-Gonçalves, professor da Universidade de Brasília e especialista em controle de vetores, um dos autores. Ainda segundo ele, a combinação de fatores climáticos, como o aumento da temperatura e chuvas irregulares, com a resistência crescente do mosquito aos inseticidas e a dificuldade em eliminar criadouros, tornou o controle da dengue mais desafiador do que nunca”, ressalta.

Nos últimos 25 anos, quase 18 milhões de brasileiros foram infectados pelo vírus da dengue. A epidemia de 2024 já superou todas as anteriores em números de casos e mortalidade, afetando todas as regiões do Brasil. Os quatro sorotipos do vírus estão em circulação simultânea, o que aumenta o risco de reinfecção e casos graves.

Mortalidade por dengue no Brasil, por município e região de saúde, nos anos de 2000, 2010, 2020 e 2024

Avanços tecnológicos e desafios no controle de Aedes aegypti

O Brasil tem implementado novas tecnologias para combater o mosquito Aedes aegypti, como a liberação de mosquitos infectados com a bactéria Wolbachia, que reduz a capacidade do mosquito de transmitir o vírus. Outra estratégia é o uso de inseticidas disseminados pelos próprios mosquitos, além de vacinas que vêm sendo testadas.

“Essas tecnologias têm grande potencial, mas precisam ser integradas a políticas públicas eficazes e à mobilização da população”, explica o Dr. Gurgel. Ele atenta que a adoção de métodos inovadores, como a vacina da Takeda, incorporada ao sistema público de saúde, e a vacina do Instituto Butantan, em fase avançada de testes, pode contribuir para a redução significativa dos casos de dengue no futuro.

Apesar dos avanços, o Dr. Gurgel alerta para a necessidade de engajamento contínuo da sociedade na eliminação de criadouros de mosquitos e na manutenção da limpeza urbana. “É um esforço coletivo”, diz ele, ao frisar que a comunidade deve continuar ativa na eliminação de possíveis focos de mosquito, e campanhas de conscientização, como o ‘Dia D contra a Dengue’, precisam ser reforçadas.

Além disso, o pesquisador destaca que as mudanças climáticas aumentam o desafio de controle da dengue em áreas antes livres da doença, como regiões de maior altitude. “Estamos vendo o surgimento de focos de dengue em lugares que antes eram considerados barreiras naturais contra a transmissão, o que evidencia a urgência de adaptar nossas estratégias de saúde pública”, enfatiza.

O Dr. Gurgel salienta ainda que as alterações climáticas têm profundas implicações no ciclo de vida e na distribuição de Aedes aegypti. “As temperaturas mais elevadas aceleram a reprodução dos mosquitos, aumentam as taxas de picada e encurtam o período de incubação viral nos mosquitos, o que potencializa a transmissão da dengue”, complementa.

Questionado sobre as expectativas de que novas vacinas e tecnologias de controle de Aedes aegypti sejam mais amplamente adotadas nos próximos anos, o Dr. Gurgel espera que o Brasil consiga reduzir significativamente o número de casos de dengue. No entanto, segundo ele, o sucesso depende de um enfoque multissetorial, que inclua melhorias no saneamento, vigilância epidemiológica contínua e, principalmente, a conscientização e mobilização da sociedade.

“Não há uma bala de prata para eliminar Aedes aegypti. Precisamos de uma combinação de tecnologias, políticas públicas eficazes e um engajamento constante da população para controlar esta epidemia”, conclui.

Confira o artigo “The greatest Dengue epidemic in Brazil: Surveillance, Prevention, and Control” publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (RSBMT): https://doi.org/10.1590/0037-8682-0113-2024.

Governo lança novo plano de enfrentamento a arboviroses

Para reduzir os casos e óbitos por dengue, chikungunya, Zika e oropouche no próximo período sazonal no Brasil, o Governo Federal lançou, no dia 18 de setembro, o Plano de Ação para Redução dos Impactos das Arboviroses. O documento foi elaborado com a participação de pesquisadores, gestores e técnicos estaduais e municipais, além de profissionais de saúde que atuam diretamente nas comunidades, conhecendo de perto os desafios de cada região, especialmente nas áreas de maior vulnerabilidade social. O anúncio foi realizado no Palácio do Planalto, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da ministra da Saúde, Nísia Trindade.

O Dr. Rodrigo Gurgel, representando a Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), também esteve presente. “O plano é um marco na luta contra as arboviroses. Ele reflete o esforço coletivo e a importância de somarmos o conhecimento científico com a experiência de quem está na linha de frente. Particularmente fiquei muito feliz por ouvir a ministra recomendar as Estações Disseminadoras de Larvicidas como uma nova tecnologia de controle e ver como a pesquisa está alinhada com o plano de governo. Acreditamos que essa ação conjunta trará resultados significativos na proteção da nossa população”, declarou o Dr. Gurgel.

O plano é baseado nas mais recentes evidências científicas e novas tecnologias, constituindo um pacto nacional para enfrentar essas doenças. Ele se organiza em seis eixos de atuação, com foco na implementação durante o segundo semestre, período em que as condições climáticas favorecem o aumento dos casos. Os eixos são: Prevenção; Vigilância; Controle vetorial; Organização da rede assistencial e manejo clínico; Preparação e resposta às emergências; Comunicação e participação comunitária.

Confira o Plano de Ação para Redução da Dengue e de Outras Arboviroses: Período Sazonal 2024/2025: https://bit.ly/PlanoArboviroses_2024-2025.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**