Notícias

A curiosa investigação e identificação do caso-índice de Chikungunya na BahiaThe curious investigation and identification of Bahia Chikungunya index case

Doutora Maria Glória, da UFBA, explica como suspeitou que caso índice era do genótipo africanoDr. Maria Gloria, from the UFBA, explains how she suspected the index case had an African genotype

14/08/2015

banner-03

Conseguimos descrever a primeira epidemia, que ainda continua acontecendo em Feira de Santana, mas não temos capacidade laboratorial para saber se o vírus só está circulando na Bahia

O vírus Chikungunya, só neste ano, já afetou mais de 8 mil pessoas em 12 estados brasileiros e no Distrito Federal. A doença, identificada no País no ano passado, tem se alastrado com rapidez no Brasil por ser transmitida pelo Aedes aegypti, mesmo vetor da dengue. Seria natural que o genótipo encontrado nos chamados casos índices – primeiros entre vários casos de natureza similar e epidemiologicamente relacionados – fosse o de origem asiática, o mesmo que circula em países da América Latina e do Caribe. Mas não foi isso que aconteceu em um dos primeiros registros da doença no Brasil, no município de Feira de Santana (BA).

Por lá, o caso índice foi o de um brasileiro que vive em Luanda, na África, que visitava a família no Brasil e estava infectado pelo genótipo Leste-Centro-Sul da África (ECSA) do vírus. Ele deu entrada, em maio de 2014, em uma unidade de saúde de emergência em Feira de Santana. O mesmo vírus, mas de origem asiática, foi detectado no mesmo período no município de Oiapoque, no interior do Amapá.

O vírus africano, até então desconhecido no Brasil, já havia sido identificado em um turista que esteve em Luanda e visitava a Europa. “Busquei informações pelo site do Ministério da Saúde de Luanda, o que confirmou a epidemia da doença. Mas lá não dizia qual o genótipo”, afirmou a doutora Maria Glória Teixeira, coordenadora de pós-graduação de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Glória foi a pesquisadora que atentou para a possibilidade de o caso índice ser do genótipo ECSA. “Descobrimos que o turista na Europa acometido pelo vírus havia sido diagnosticado com o Chikungunya do genótipo ECSA”, relatou ao explicar que a emergência CHIKV ECSA foi confirmada no laboratório do Instituto Evandro Chagas/PA, sendo considerada algo inusitado na medida em que o esperado seria o genótipo Asiático.

A especialista complementa que os sintomas de Chikungunya são muito parecidos com os da dengue e que no segundo semestre de 2014, a vigilância epidemiológica de Feira de Santana percebeu que havia mais notificações de dengue do que o habitual. “Em geral a dengue acontece mais no primeiro semestre do ano, especialmente entre março e maio. E, em Feira de Santana, as notificações ficaram mais frequentes a partir de julho de 2014”, detalha.

O caso índice ocorreu no bairro George Américo, onde foram identificados outros semelhantes – cerca de 65% das ocorrências notificadas em Feira de Santana, no ano passado, são pessoas que residiam neste bairro, segundo a doutora Glória. Após os resultados dos exames de sangue realizados pelos pacientes com a doença, verificou-se que não se tratava de dengue, o que levou às suspeitas de tratar-se de Chikungunya.

Importância para a ciência

Saber a origem do genótipo da doença não interfere para o tratamento do paciente, mas tem importância fundamental para a ciência. “Quando um agente chega a um determinado local e começa a circular em populações diferentes de sua origem, ele pode sofrer mutações. Nós descobrimos que o Chikungunya teve origem na África e depois, quando foi para o sudeste asiático, começou a sofrer mutações, o que formou outro genótipo”, explicou a doutora Glória. Sabendo a origem do vírus, é possível acompanhar as mutações e o desenvolvimento dos agentes que ganham maior patogenicidade a cada mutação. Além disso, também é fundamental para fazer a vigilância internacional e para pesquisas em vacinas.

Dificuldade de identificação

De acordo com a pesquisadora, uma das dificuldades é a detecção do genótipo do vírus em casos posteriores ao caso índice. Isso porque a capacidade operacional dos laboratórios para proceder isolamento viral e genotipagem de todos os casos suspeitos de chinkungunya é reduzida. “Para confirmar o genótipo presente nos municípios com registros da doença, precisaríamos coletar amostras e fazer isolamento viral ou PCR de pelo menos alguns casos suspeitos de Chikungunya em todas as áreas. Por ser uma doença emergente, não só o Brasil, a capacidade de diagnóstico laboratorial dos países afetados nas Américas ainda é insuficiente para a realização destes exames em grande quantidade. E são milhares de casos da doença”, mencionou.

Em Riachão do Jacuípe, que fica a 70 quilômetros de Feira de Santana, o genótipo detectado também foi o ECSA. Com relação a outros casos da Bahia, a suspeita é de que seja do mesmo genótipo, mas ainda não há confirmação. “Nós pudemos descrever a primeira epidemia, que ainda continua acontecendo em Feira de Santana, mas não temos capacidade laboratorial para saber se o vírus só está circulando no estado da Bahia”, enfatizou a doutora Glória.

Medidas

Após o diagnóstico da doença em Feira de Santana, foram tomadas medidas preventivas para que a doença não se espalhasse. Além do bloqueio com inseticida de ultrabaixo volume, foi realizada uma grande limpeza nos bairros de George Américo e Campo Limpo, e intensas atividades de educação e saúde. “Possivelmente, estas medidas contribuíram para que a epidemia não tenha alcançado a mesma magnitude observada nos países do Caribe”, justifica ao exemplificar que em San Martin, no Caribe, a doença acometeu 60% da população. “Os índices de manifestação em San Martin pelo mosquito Aedes são muito elevados. Em Feira de Santana, e na maioria das cidades brasileiras, em geral, não ultrapassam 5%”, finaliza.

We

We were able to descibre the first outbreak, which is still happening in Feira de Santana, but we do not have laboratorial capacity to know whether the virus is circulating only in Bahia

The Chikungunya virus, this year alone, has struck over 8 thousand people in 12 Brazilian States and the Federal District. The disease, identified last year in Brazil has quickly spread since it is transmitted by the Aedes aegypti, the same vector as dengue. It would be natural that the index cases genotype – the first case among others of similar type and epidemiologically related – were from Asian origins, the same that runs throughout Latin America and the Caribbean. However, this was not what happened in one of the first records of the disease, in Feira de Santana, Bahia State.

There, the index case was a Brazilian male who lives in Luanda, Africa, visiting his family and infected by the East-Center-South Africa genotype virus (ECSA). He was hospitalized in May 2014 in a local emergency room. The same virus, but from Asian origins, was detected simultaneously in Oiapoque, Amapa State.

The African virus, until then unknown in Brazil, had already been identified in a tourist who had been in Luanda and visited Europe. I looked up the Luanda Health Ministrys website, what confirmed the disease. But it did not specify the genotype, said Dr. Maria Gloria Teixeira, coordinator of the Collective Health post-graduation at the Bahia Federal University (UFBA).

Gloria was the researcher who called the attention that the index case could be the ECSA genotype. We found out that the tourist in Europe had been infected by the virus and diagnosed with Chikungunya by the ECSA genotype, she said while explaining that the CHIKV ECSA emergency was confirmed at the Evandro Chagas Institute (PA), and was considered unusual, since the Asian genotype was expected.

The expert says the Chikungunya symptoms are very similar to dengue and during 2014s second half, the epidemiological surveillance noticed there were more dengue reports than usual. Generally dengue has more cases during the first semester, especially from March to May. In Feira de Santana, the reports became more frequent after July 2014, she said.

The index case occurred in the George Americo neighborhood, where other similar cases were identified – around 65% of the reports in Feira de Santana, last year, involved people who lived in this neighborhood, according to Dr. Gloria. When the patients were submitted to blood tests, the dengue hypothesis was discarded, what lead to Chikungunya suspicion.

Importance for Science

Knowing the origin of certain disease genotype does not interfere in the patients treatment, but is fundamentally important for science. Whenever an agent reaches certain place and begins to circulate in populations different from its original, it could mutate. We discovered that the Chikungunya originated in Africa and then, when it reached Southeast Asia, it begun to mutate, what resulted in a different genotype, explained Dr. Gloria. Once the origin of the virus is known, it is possible to follow the mutations and the development of the agents, which gather more infectiveness at each mutation. Besides this, it is fundamental for international surveillance and vaccine research.

Trouble identifying

According to the researcher, one of the main difficulties is detecting the virus genotype in cases after the index case. This is due to the low operational capacity of the laboratories to conduct viral isolation and genotyping. To confirm the genotype present in the cities with reports of the disease, we would need to collect samples and perform viral isolation or PCR in at least some cases with Chikungunya suspicion from all areas. Since this is an emerging disease, not only in Brazil, the laboratorial diagnosis capacity in the affected American countries is still deficient to conduct these tests in large scale. And there are thousands of reports of the disease, she mentioned.

In Riachão do Jacuípe, 70km north of Feira de Santana, the identified genotype was also the ECSA. Regarding other cases in Bahia, the suspicion is that the genotype is the same, but there is no confirmation. We could describe the first outbreak, which is still happening in Feira de Santana, but we do not have the laboratorial capacity to know if the virus is circulating only in Bahia State, emphasized Dr. Gloria.

Measures

After the diagnosis of the disease in Feira de Santana, preventive measures were put in action to prevent the disease from spreading. Besides blocking with ultralow volume insecticide, an intense cleanup of the George Americo and Campo Limpo neighborhoods was done along with intensive education and health activities. Possibly, these measures prevented the outbreak from reaching the levels observed in the Caribbean countries, she says while taking the Caribbean island of San Martin as example, where the disease struck 60% of the population. The San Martin manifestation levels by Aedes are very high. In Feira de Santana, and in most of the Brazilian cities, usually are under 5%, she finishes.