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Casos de recaídas sofridas por pacientes que se submeteram ao tratamento da malária vence categoria graduado do Prêmio Jovem Pesquisador 2016

De acordo com a pesquisa, uma das causas para os episódios de reincidência pode ser a mutação genética da enzima responsável por metabolizar a primaquina

04/10/2016
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Pesquisadores avaliaram 46 pessoas que passaram pelo tratamento de malária e, posteriormente, voltaram a apresentar os sintomas da doença

Vários fatores têm destacado a importância da malária causada pelo Plasmodium vivax, como por exemplo, a propagação de parasitas que são resistentes aos medicamentos disponíveis. Além disso, o conceito de malária por P. vivax como uma doença benigna mudou devido a descrição de casos graves e mesmo mortes. Finalmente, a forma latente do parasita que reside no fígado atuar como um reservatório para a doença. Estes têm sido alguns dificultadores para o controle da doença. É o que revela o estudo da estudante Ana Carolina Rios Silvino, que recebeu o Prêmio Jovem Pesquisador 2016, na categoria Graduado, durante o 52º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (MedTrop).

De acordo com o trabalho, os casos de recaídas sofridas por pacientes que se submeteram ao tratamento da malária, uma das causas para os episódios de reincidência pode ser a mutação genética da enzima responsável por metabolizar a primaquina, medicamento utilizado para combater as formas latentes do parasito no fígado. O estudo foi publicado recentemente na revista científica Plos One

Também fazem parte do trabalho o estudante de pós graduação: Gabriel Luíz Costa e os pesquisadores: Cor Jesus Fontes; Luzia Helena Carvalho; Cristiana Ferreira Alves de Brito e Taís Nóbrega de Sousa, líder da pesquisa.

Confira abaixo a entrevista concedida à assessoria de comunicação da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical.

SBMT: Como surgiu a ideia do seu projeto?

Ana Carolina Rios Silvino: Um dos grandes desafios para o controle da malária por P. vivax consiste na eliminação dos hipnozoítos, formas do parasito que permanecem em latência no fígado e que são reativadas, em algum momento, causando recaídas tardias da doença. Em 2012 foi demonstrado que a primaquina requer biotransformação por enzimas do complexo citocromo P450 (CYP), sendo a CYP2D6 a enzima chave para a atividade hepática da droga. Todavia, essa enzima é altamente polimórfica e esta variabilidade genética determina diferentes fenótipos de metabolização (aumento, diminuição ou ausência da função enzimática) que contribuem consideravelmente para diferenças na sua farmacocinética.

Quando surgiu a ideia do projeto, havia apenas um único trabalho sugerindo que a falha no tratamento com primaquina como resultado da variabilidade genética na enzima CYP2D6 poderia estar relacionada à ocorrência de episódios de recaídas por P. vivax. Embora evidenciasse uma possível associação entre fenótipos de baixa metabolização e recaídas, este trabalho foi realizado com um número muito pequeno de indivíduos (apenas quatro indivíduos com baixa metabolização da enzima), o que despertou a necessidade de estudos nesta área.

Nesse contexto, desenvolvemos um projeto com o intuito de investigar se os episódios de recaída poderiam ser explicados, ao menos em parte, pelas diferenças genéticas no metabolismo da primaquina pela enzima CYP2D6. Especificamente, nós avaliamos a frequência de polimorfismos, associados a redução de sua função em dois grupos de indivíduos com números variados de recaídas.

Além disso, nós nos propusemos a investigar, pela primeira vez, se a falha no tratamento da malária por P. vivax também poderia estar associada a alterações no metabolismo da cloroquina. Atualmente o esquema terapêutico de primeira linha para esta espécie consiste na associação da primaquina e cloroquina, as quais atuam na fase hepática e eritrocítica do parasito, respectivamente. A cloroquina é biotransformada principalmente pela enzima do citocromo P450 2C8 (CYP2C8). Nesse estudo, levantamos a hipótese de que a falha terapêutica da cloroquina, associada ao metabolismo reduzido de CYP2C8, também poderia contribuir para recorrências da malária por P. vivax.

SBMT: O que se estudou no trabalho e como essa pesquisa foi desenvolvida?

Ana Carolina Rios Silvino: Neste estudo pioneiro, investigamos se as variantes da enzima CYP2D6 estão associadas com um risco aumentado de recaídas por P. vivax. Para isso, foram estudados cinco polimorfismos na enzima CYP2D6 responsáveis por uma metabolização reduzida ou ausente da enzima e dois polimorfismos em CYP2C8 determinantes de um fenótipo de metabolização reduzida de cloroquina. Um total de 46 indivíduos com recaída foi analisado na população em estudo.

O estudo foi conduzido com amostras de pacientes atendidos no Hospital Júlio Müller em Cuiabá/MT, considerado um centro de referência em malária, no período de 2004 a 2013. Todos os pacientes selecionados para a pesquisa foram ali diagnosticados, após terem viajado para área endêmica, onde foram infectados por P. vivax. Após o diagnóstico e tratamento, estes indivíduos não retornaram mais à área endêmica. Portanto, os novos episódios da doença eram devido a recaídas e não a uma nova infecção.

Os indivíduos selecionados foram divididos em dois grupos de estudo de acordo com o número de recaídas observadas durante um período de seis meses: grupo de indivíduos com uma única recaída e grupo de indivíduos com múltiplas recaídas (2 ou 3 episódios de recaídas). Após seleção, as amostras foram genotipadas por PCR em Tempo Real para polimorfismos em CYP2D6 e CYP2C8.

Ao estimar a frequência dos genótipos dos indivíduos para os polimorfismos em estudo, observamos uma frequência significativamente maior daqueles que carream o alelo mutado no grupo com múltiplas recaídas. Estes achados evidenciam nossa hipótese de que a variabilidade genética em CYP2D6 pode influenciar a biotransformação da primaquina, resultando em ocorrências de episódios de recaída. Em complemento, observamos uma alta frequência de parasitos de recaída homólogos ou similares aos parasitos da infecção inicial em pacientes com polimorfismos em CYP2D6.

Nesse estudo, também se investigou como os polimorfismos estudados interferiam na interação da enzima CYP2D6 com o seu substrato por meio de uma análise in silico. Assim, demonstramos que a presença de polimorfismos na enzima interfere na estabilidade de CYP2D6 e, consequentemente, na interação enzima-primaquina.

Por fim, demonstramos que polimorfismos em CYP2C8 associados ao reduzida metabolismo da cloroquina também contribuem para as recorrências da infecção por P. vivax. A ocorrência desses polimorfismos não diferiu entre os grupos de indivíduos com diferentes números de recaídas, uma vez que este medicamento não age sobre os hipnozoítos no fígado. Entretanto, os indivíduos carreadores de polimorfismos nessa enzima recaíram mais precocemente, sugerindo falha na eliminação das formas eritrocíticas do parasito pela cloroquina.

SBMT: O que se pretende com essa pesquisa?

Ana Carolina Rios Silvino: Atualmente, o esquema terapêutico para controle da malária por P. vivax consiste da associação entre primaquina e cloroquina, sendo a primaquina a única droga utilizada para eliminação das formas hepáticas do parasito. A pesquisa foi realizada com o intuito de avaliar se a variabilidade genética em CYP2D6, associada a metabolização lenta e ausente de drogas, poderia influenciar a biotransformação da primaquina, resultando em ocorrências de episódios de recaída por P. vivax. Em contraste à primaquina, a cloroquina biotransformada por CYP2C8 atua na eliminação das formas eritrocíticas. Assim, também investigamos se polimorfismos que afetam a funcionalidade de CYP2C8 poderiam contribuir para recidivas da malária por P. vivax.

SBMT: Como o seu trabalho pode contribuir para a comunidade médica e/ou para a sociedade?

Ana Carolina Rios Silvino: Entre os diversos fatores que alteram o metabolismo dos fármacos em geral, a variabilidade genética interindividual pode levar a alterações na extensão do metabolismo e na taxa de eliminação do fármaco no organismo. Esta característica é uma das razões pelas quais os pacientes podem diferir em suas respostas ao tratamento antimalárico.

No nosso estudo, a grande importância clínica dos polimorfismos em CYP2D6 está relacionada à maior probabilidade de reações adversas, como a toxicidade devido ao acúmulo do fármaco no organismo e a ausência ou pouca disponibilidade do composto ativo que efetivamente vai eliminar o parasito na sua forma sanguínea ou hepática. Assim, uma terapêutica individualmente adequada, de maneira a reduzir os efeitos adversos e aumentar a eficácia da resposta aos medicamentos utilizados torna-se de extrema relevância.

Os resultados do nosso trabalho ressaltam a importância da farmacogenética para monitorar a eficácia da terapia antimalárica em pacientes infectados com P. vivax, uma vez que evidenciamos que parte dos casos de recaída é devido a falhas terapêuticas do tratamento com a primaquina. Nesse contexto, a contribuição farmacogenética da enzima CYP2D6 na biotransformação da primaquina pode abrir novas perspectivas para o futuro da terapia contra a malária, auxiliando a comunidade médica na compreensão dos fatores que podem levar à falha terapêutica e na avaliação dos pacientes que tiveram recaídas após o tratamento da primaquina.

De forma geral, estabelecer um tratamento adequado, com posologias eficazes, onde o fármaco seja metabolizado corretamente e permaneça tempo suficiente no organismo para o efeito desejado: a eliminação completa do parasito é uma alternativa promissora e pode auxiliar na eliminação e controle da malária por P. vivax.

SBMT: Quantas pessoas participaram entre pesquisadores e pesquisados?

Ana Carolina Rios Silvino: A realização da pesquisa envolveu a participação de pesquisadores e estudantes de graduação e pós-graduação do grupo de Biologia Molecular e Imunologia da Malária do Centro de Pesquisas René Rachou, Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Belo Horizonte, Minas Gerais; além de pesquisadores do grupo de Informática de Biossistemas do Centro de Pesquisas René Rachou, Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Belo Horizonte, Minas Gerais; do Departamento de Bioquímica da Universidade de Cambridge, Cambridge, Inglaterra e do Hospital Júlio Muller, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. O estudo incluiu a análise de 46 pacientes infectados por P. vivax em área endêmica e que apresentaram recaídas durante o período de 2004 a 2013.

SBMT: Qual o período da pesquisa?

Ana Carolina Rios Silvino: A pesquisa iniciou-se em agosto de 2014, sendo parte dos dados publicados em 28 de Julho de 2016.

SBMT: Em qual local?

Ana Carolina Rios Silvino: A parte experimental da pesquisa foi realizada pelo grupo de Biologia Molecular e Imunologia da Malária do Centro de Pesquisas René Rachou (FIOCRUZ/Minas).

O diagnóstico e tratamento dos pacientes foram realizados no Hospital Universitário Júlio Müller em Cuiabá (MT) no período de 2004 a 2013. O hospital é considerado um centro de referência para tratamento de malária e está localizado em uma região considerada, atualmente, em fase de pré-eliminação da malária, onde a infecção por P. vivax é considerada altamente improvável.