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Crianças expostas ao Zika podem apresentar atrasos de desenvolvimento, aponta estudo

Pesquisa também relatou dois casos de bebês que nasceram com microcefalia associada à exposição das mães ao Zika vírus durante a gravidez e que apresentaram melhora do tamanho da circunferência cefálica após o parto

09/08/2019
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A microcefalia associada ao Zika resulta da destruição do parênquima cerebral e os dois bebês que apresentaram recuperação após o nascimento não tinham essa destruição, eram casos menos graves da doença

Pesquisa publicada em julho na revista científica Nature Medicine intitulada Delayed childhood neurodevelopment and neurosensory alterations in the second year of life in a prospective cohort of ZIKV-exposed children” traz os resultados do desenvolvimento de crianças expostas ao Zika vírus comprovadamente na gravidez e revela que elas podem ter atrasos no desenvolvimento e alterações neurossensoriais no segundo ano de vida. O estudo relatou ainda o caso de dois bebês que nasceram com microcefalia e que apresentaram desenvolvimento normal do cérebro após o parto. Entretanto, essas crianças não tinham lesão do parênquima cerebral.

No total, foram acompanhadas durante dois anos 216 crianças filhas de mães com sintomas e com PCR positivo. O estudo constatou que o desenvolvimento neurológico é menor do que o esperado em crianças expostas ao vírus nas primeiras semanas da gestação, enquanto as crianças que tiveram exposição nas últimas semanas apresentaram menos complicações. De acordo com a Dra. Maria Elizabeth Moreira, pesquisadora do Instituto Fernandes Figueira, da Fundação Oswaldo Cruz (IFF/Fiocruz), uma das autoras da pesquisa, a boa notícia é que cerca de 70% vem apresentando desenvolvimento normal. “Entretanto, as outras 30% tem algum atraso de desenvolvimento e precisam ser acompanhadas pelo menos até a idade escolar para que o diagnóstico antecipado de atrasos seja possível, dando a oportunidade de encaminhamento para os especialistas em estimulação precoce”, ressalta.

Ainda de acordo com a autora, neste estudo observacional foi constatado que nem todas as crianças sem microcefalia que apresentaram alguma alteração no período neonatal evoluíram mal. “Houve diagnóstico de atraso de desenvolvimento, sendo a função de linguagem a mais afetada no teste de Bayley (35% das 146 crianças apresentaram índices abaixo da média). Também foi observada melhora do neurodesenvolvimento, principalmente em crianças do sexo feminino, bebês a termo (nascidos entre a 39ª e a 41ª semana de gestação), crianças com exames oftalmológicos normais e infecção mais tarde na gravidez”, detalha a Dra. Maria Elizabeth Moreira. Os resultados mostraram ainda melhoria no crescimento da circunferência cefálica em duas crianças que não tinham lesão do parênquima cerebral e crianças que evoluíram com quadro do Transtorno do Espectro autista, mas a incidência não foi maior que na população geral.

Entre as crianças acompanhadas, oito apresentavam casos de microcefalia, destas, duas voltaram a ter crescimento adequado do perímetro cefálico: um bebê, que no período intrauterino apresentava restrição, teve o seu crescimento restabelecido. O outro foi submetido a uma cirurgia craniana que abriu as suturas que se encontravam fechadas prematuramente em uma patologia conhecida como craniosinostose. Estas duas crianças não apresentaram problemas neurológicos, motores, na retina ou de linguagem após manuseio adequado de suas situações clinicas, nutrição e estimulação adequada. Em nenhuma destas duas crianças havia comprometimento do parênquima cerebral.

Dentre as crianças que nasceram sem microcefalia, o diagnóstico de atraso só pode ser visto durante o acompanhamento do desenvolvimento, ou seja, não é possível identificar ao nascimento quem vai ou não apresentar os atrasos. Também não é possível reverter o quadro de crianças com microcefalia que tiveram perdas de massa encefálica atribuídas a Zika congênita. Entretanto estas crianças com microcefalia e perda de massa cerebral podem e devem ser estimuladas para que alcancem o máximo de sua potencialidade funcional proporcionando melhoria da qualidade de vida para elas e suas famílias.

A Dra. Maria Elizabeth Moreira destaca que o impacto social para as famílias de uma criança com microcefalia é muito grande. “As mães, principalmente, tiveram que abandonar seus empregos, estudos, sonhos, e hoje perambulam entre os serviços de estimulação para que os seus filhos tenham o melhor prognóstico possível. Outra questão é que nem todas as famílias são habilitadas a receber benefícios sociais, tais como: Benefício de Prestação Continuada (BPC), Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida e isto traz repercussões importantes para a dinâmica familiar e para a própria evolução das crianças”, lamenta.

Embora esquecido, o vírus Zika continua sendo uma ameaça. A especialista alerta que o Aedes Aegypti continua no Brasil e a epidemia pode voltar. Além disto, as crianças estão aqui e precisam de ajuda. Segundo ela, ainda há problemas com o diagnóstico fora do período agudo da doença. “Considerando que quase 70% da população pode ter a infecção assintomática, do ponto de vista da gravidez, este é um grave problema para a definição da transmissão vertical. Não temos testes sorológicos com boa sensibilidade e especificidade no mercado para uma boa definição do real número de crianças afetadas”, enfatiza.

Desafios e próximos passos da pesquisa

A pesquisa, que foi desenvolvida em parceria com o Instituto Fernandes Figueira, (IFF/Fiocruz) e a Universidade da Califórnia, e contou com a participação de 28 autores, pretende acompanhar as crianças até a idade escolar para identificar precocemente distúrbios de aprendizado e avaliar outras condições clinicas que possam estar associadas a infecção pelo Zika. “A inserção na escola é o próximo desafio. Uma parceria entre a saúde e a educação é fundamental para uma boa qualidade de vida destas crianças e sua inserção social”, garante a pesquisadora. Por fim, ela lembra que existem programas criados para dar suporte às famílias de crianças expostas que precisam de financiamento para disseminação para todo o Brasil. É o caso do Programa JUNTOS, criado em parceria com a London School of Hygiene and Tropical Medicine para famílias de crianças com ou em risco de paralisia cerebral.