Ciência e Saúde Pública: avanços em 2024 reforçam importância do investimento contínuo na pesquisa
Rosália Torres, Presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) Avanços científicos e marcos em saúde pública reforçam a importância do investimento contínuo na Medicina Tropical e na pesquisa
03/12/2024Em 2024, o investimento em pesquisas reafirmou sua importância para a saúde pública global e o desenvolvimento sustentável. Em um cenário marcado por desafios sanitários cada vez mais complexos, os avanços alcançados evidenciam o poder transformador da ciência quando há priorização de recursos e esforços colaborativos.
A eliminação da filariose linfática como problema de saúde pública no Brasil foi um marco significativo em 2024. Esse feito, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), resulta de décadas de esforços coordenados, incluindo campanhas de tratamento em massa, educação em saúde e melhorias no saneamento básico. O impacto dessa conquista vai além da redução dos casos da doença: é um exemplo concreto de como o alinhamento entre pesquisa e políticas públicas pode erradicar problemas que afetam populações negligenciadas.
Outro marco relevante foi a recertificação do Brasil como país livre do sarampo. Após enfrentar surtos da doença nos últimos anos, a reconquista desse status, reconhecida pela OMS em 2024, representa um triunfo das campanhas de vacinação e da vigilância epidemiológica. Essa vitória serve como um alerta para a importância de políticas públicas contínuas e robustas, especialmente em tempos marcados por desinformação e hesitação vacinal.
A promulgação da medida que determina que o setor farmacêutico nacional deve priorizar a fabricação de medicamentos para doenças determinadas socialmente, como leishmaniose, doença de Chagas, esquistossomose, hanseníase e tuberculose, foi outro destaque de 2024. Essas doenças, historicamente negligenciadas pela indústria e desproporcionalmente incidentes em populações vulneráveis, agora recebem atenção prioritária. Esse avanço legislativo responde à necessidade urgente de ampliar o acesso a tratamentos que, até então, eram limitados devido ao baixo interesse comercial da indústria farmacêutica. A articulação entre profissionais da saúde, gestores e a sociedade civil foi fundamental para sua aprovação, demonstrando que a pesquisa aplicada pode gerar impactos diretos na vida de milhões de pessoas.
Na área da pesquisa básica e aplicada, os esforços voltados para a epidemia de Monkeypox (Mpox) resultaram na identificação de epítopos imunogênicos compartilhados entre o vírus monkeypox e o alaskapox. Esse avanço, divulgado pelo Laboratório de Biologia Molecular de Microrganismos (LaBioMol) da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG), pode subsidiar o desenvolvimento de novas abordagens diagnósticas e terapêuticas, contribuindo para o entendimento e manejo de doenças emergentes.
A evolução no desenvolvimento de vacinas também ganhou destaque ao longo de 2024. Avanços na pesquisa de imunizantes contra tuberculose foram apresentados no 7º Fórum Global de Vacinas em Tuberculose, o maior evento mundial sobre o tema, sediado pela primeira vez no Brasil. O encontro reuniu representantes nacionais e internacionais para compartilhar as pesquisas mais recentes e fomentar o desenvolvimento de novas vacinas destinadas à prevenção da doença. Esses avanços apontam para estratégias inovadoras de enfrentamento à tuberculose, que continua sendo uma das principais causas de mortalidade por agentes infecciosos no mundo. De acordo com o novo relatório sobre a tuberculose, publicado pela OMS, aproximadamente 8,2 milhões de pessoas foram diagnosticadas globalmente com TB em 2023 – o maior número registrado desde o início do monitoramento global, em 1995. Esse aumento significativo, comparado aos 7,5 milhões reportados em 2022, recolocou a TB como a principal causa de morte por doença infecciosa em 2023, superando a Covid-19.
Em 2024, inteligência artificial ganhou destaque nas discussões sobre saúde e ciência e continuará a ser um foco central de atenção. Ferramentas baseadas em IA estão sendo integradas à vigilância epidemiológica, otimizando a identificação de surtos e a previsão de padrões de disseminação de doenças. Contudo, como destaquei em meu discurso de abertura no 59º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (MEDTROP 2024), é fundamental que a tecnologia atue como uma aliada, nunca uma substituta do olhar humano. Resgatar e humanizar a relação médico-paciente na era da saúde digital não é apenas um desafio técnico, mas uma necessidade ética premente. Equilibrar inovações tecnológicas com a prática humanizada da medicina deve ser nosso principal foco neste “presente-futuro”, a bolha temporal em que vivemos.
Por fim, eventos científicos, como o MEDTROP, destacam a importância do intercâmbio de conhecimento para enfrentar desafios problemas regionais, nacionais e mundiais. Palestras sobre saúde digital, biotecnologia e contenção de agentes infecciosos evidenciaram a necessidade urgente de integrar ciência e tecnologia para responder aos desafios contemporâneos.
É bom lembrar que essas conquistas não são fortuitas nem ocorrem ao acaso. Elas refletem investimentos contínuos e estruturados, sustentados por políticas públicas consistentes e pela valorização dos pesquisadores. Ainda assim, o futuro exige atenção redobrada para assegurar a manutenção e o fortalecimento das estruturas de fomento à pesquisa. Só assim será possível preservar nossa capacidade de resposta com assertividade às crises sanitárias, promover pesquisas de ponta e manter a sintonia com as demandas do ambiente e da população.
A ciência não é custo, é investimento. Os resultados de 2024 demonstram que cada avanço é um passo importante na construção de um sistema de saúde mais eficiente, equitativo e resiliente. Para alcançar este objetivo, é imprescindível que o apoio à pesquisa permaneça como uma prioridade estratégica. As lições deste ano são claras: quando valorizada, a ciência transforma e salva vidas.
**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**