Cientistas descobrem dois novos vírus em pessoas no Tocantins e no Amapá
Um dos vírus pertence ao gênero Ambidensovirus e o outro ao gênero Chapparvovirus
11/04/2020Uma técnica de análise de material genético aplicada a 781 amostras de sangue coletadas no Brasil conseguiu identificar a presença de dois novos vírus no sangue de pacientes com sintomas semelhantes aos da dengue ou da zika, como febre, dor de cabeça e manchas avermelhadas na pele. Um deles, que pertence ao gênero Ambidensovirus, foi encontrado em amostra coletada no Amapá, e o outro, que pertence ao gênero Chapparvovirus, em amostra do Tocantins. Os resultados da pesquisa “Plasma virome of 781 Brazilians with unexplained symptoms of arbovirus infection include a novel parvovirus and densovirus” foram divulgados na revista PLOS ONE, em março.
O Dr. Antonio Charlys da Costa, um dos autores do estudo, explica que não é possível afirmar 100% que estes novos vírus foram o que causaram os sintomas nos pacientes – para isso seriam necessários estudos mais amplos e complexos –, entretanto não foi encontrado nenhum outro agente que pudesse explicar o quadro clinico. “Estes vírus são parentes distantes do parvovirus B19, que pode causar sintomas parecidos com arboviroses, inclusive já foram publicados artigos científicos relatando epidemia de B19 oculta por epidemia de dengue”, atenta. Ainda segundo o pesquisador, o importante é que podem existir outros patógenos ocultos em epidemias de agentes conhecidos. Estima-se que existam mais de 100 milhões de espécies diferente de vírus e atualmente temos conhecimento acerca de menos de 20 mil espécies de vírus. “Em um País de dimensões continentais, biodiversidade, atividade antrópica e um precário sistema de saneamento básico como no Brasil, temos um cenário perfeito para o surgimento de patógenos / geração de diversidade genética”, complementa.
Para o Dr. Eric Delwart, pesquisador do Vitalant Research Institute (Estados Unidos) e supervisor do projeto, a vigilância de viroses que acometem humanos, é necessária para identificar aqueles em circulação e que representam um risco potencial de emergência. “A febre e outros sintomas de infecções virais permitem listar os pacientes que podem estar infectados por esses vírus anteriormente desconhecidos”, diz. O Dr. Delwart, ressalta que ainda não há provas de que esses vírus descobertos sejam patogênicos. “Eles foram encontrados em apenas um paciente febril cada. Os vírus podem indicar os muitos vírus de mosquitos aos quais as pessoas estão expostas, que ainda não se adaptaram para serem transmitidos com eficiência e, portanto, não se espalham amplamente. Um vírus pertence a um grupo capaz de se replicar em mamíferos, enquanto se acredita que o outro atualmente se replica apenas em invertebrados”, assinala.
Ambos os vírus pertencem à família Parvoviridae. Dentre os mais vírus próximos mais conhecidos estão o parvovirus B19 e os bocavirus. O novo chapparvovirus pertence a um grupo de virus capazes de infectar vertebrados. Por outro lado, o ambidensovirus, se difere pela capacidade de infectar insetos. “Os dois novos vírus compartilham apenas 34% de similaridade vírus conhecidos, indicando que o seu ancestral comum, e, portanto os hospedeiros animais, são desconhecidos. Estudos posteriores são necessários para determinar se esses são eventos únicos sem transmissões adiante entre humanos ou se são infecções comuns que podem ser patogênicas e se espalhar.
Questionado sobre o que poderia explicar a presença de um ambidensovirus em humanos, virus que só haviam sido descritos em insetos, crustáceos e outros invertebrados, o Dr. Costa admite que é difícil qualquer tipo de especulação a respeito da contaminação do individuo por este vírus, mas já encontramos um vírus deste mesmo grupo em liquor de um indivíduo com encefalite.
A identificação das novas espécies e próximos passos
As amostras foram testadas previamente por PCR para inúmeros patógenos conhecidos (Enterovirus, Flavivirus, Alphavirus, Parvovirus B19) e as amostras negativas foram então submetidas a metagenômica viral. Esta técnica consiste em identificar todos os ácidos nucléicos virais da uma amostra biológica. “Os médicos Charlys da Costa e a professora Ester Sabino, do Instituo de Medicina Tropical (IMT-USP), foram cruciais na organização da aquisição, teste e análise de dados e continuam a coletar amostras mais recentes de casos febris inexplicáveis. A vigilância molecular desses casos inexplicáveis de febre é uma forma de detecção precoce de vírus emergente se realizada quase em tempo real em uma escala muito maior. Financiamento estável de fontes nacionais e internacionais são chave para manter e expandir esses programas de vigilância”, reconhece o Dr. Delwart.
Testes em amostras de outros estados (Alagoas, Paraíba, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Maranhão, Piauí e Espírito Santo) também estão sendo realizados”, revela o Dr. Costa. Segundo o Dr. Delwart, é necessário analisar um grupo muito maior de pacientes com febre sem explicação e testar por anticorpos virais para ter uma ideia melhor de sua prevalência e possível associação com a doença. “Portanto, atualmente não há indicação de disseminação desses dois virus, mas também há muitos poucos dados relevantes”, observa.
Contudo, como os pesquisadores procuram apenas a presença do ácido nucléico viral é difícil afirmar se existem mais casos ou não, mas com testes sorológicos será possível verificar a presença de anticorpos na população. “Nós descrevemos vírus nunca descritos previamente em plasma sanguíneo no Brasil, portanto isso deve chamar a atenção para diversidade viral que possuímos, adverte o Dr. Costa.
Por fim o Dr. Delwart lembra que o coronavírus nos lembra da velocidade com que os surtos virais podem se espalhar. “Evitar o contato e o consumo de animais selvagens é fundamental. Evitar a exposição a mosquitos é mais difícil para muitos. Portanto, a vigilância dessa população exposta a arbovírus é importante para a detecção precoce de vírus, a fim de monitorar suas prevalências, disseminação e associação com doenças. Nossos estudos indicam que vírus inesperados na corrente sanguínea de humanos febris expostos a mosquitos podem não ser uma ocorrência tão rara. A má adaptação desses vírus à transmissão humana adicional pode ser o que impede a sua disseminação. A compreensão da origem desses dois vírus provavelmente envolverá sequenciamentos metagenômicas de vírus e animais selvagens”, conclui.
**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**