Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas em Doença de Chagas: Conquista trará avanços no controle da doença
Espera-se que a publicação deste documento amplie o acesso ao diagnóstico e ao tratamento das pessoas com a doença. Estima-se que o número de pessoas afetadas por Chagas no Brasil esteja entre 1,9 milhão a 4,6 milhões
12/12/2018Deflagrado em fevereiro de 2016, o processo de construção e aprovação do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) em Doença de Chagas foi finalizado neste ano com a publicação da Portaria nº 57 (SCTIE/MS nº 57/2018), que registrou a decisão de aprovar o PCDT no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) no Diário Oficial da União (DOU) de 31 de outubro de 2018 (Relatório 397 – Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da doença de Chagas).
“Ao longo de todo este processo, a Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) teve importante participação pela inserção direta de seus membros tanto no Grupo Elaborador quanto no Comitê Gestor do PCDT”, afirma o Dr. Alberto Novaes Ramos Jr. da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), um dos integrantes do grupo de especialistas na elaboração deste protocolo. Além disto, nas edições de 2017 (coordenada pelo Dr. Alberto Novaes) e 2018 da reunião de Pesquisa Aplicada em Doença de Chagas, a SBMT oportunizou a inserção de atividades para debate e desenvolvimento deste processo com a presença do Ministério da Saúde e de pesquisadores nacionais e internacionais.
O Protocolo é uma ferramenta estratégica para o SUS, uma vez que propicia mecanismos para o monitoramento clínico quanto à efetividade do tratamento e à ocorrência de efeitos adversos, além de auxiliar como instrumento de apoio na disponibilização de medicamentos e procedimentos. Segundo o Dr. Alberto Novaes, o documento traz avanços de alta relevância para ampliar o reconhecimento das pessoas afetadas pela doença na rede de atenção do SUS, ampliando o acesso não apenas para diagnóstico, mas também para o tratamento da doença (tanto em termos parasitários quanto das complicações clínicas) em busca de uma atenção integral. A atualização dos PCDT é prevista a cada dois anos, devendo ser oportunidade para revisão à luz dos avanços técnico-científicos e políticos sobre o tema no País.
O documento traz importantes avanços rumo ao alcance do direito à saúde das pessoas com doença de Chagas e suas famílias. Segundo a chefe do Laboratório de Pesquisa Clínica em Doença de Chagas do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) (LAPCLIN-CHAGAS/INI/Fiocruz), Profa. Dra. Andrea Silvestre de Sousa, ex-coordenadora da reunião ChagasLeish em 2018 e representante do INI/Fiocruz na elaboração do PCDT, trata-se de um documento histórico de expressivo avanço para se avançar na integração do tema nas políticas públicas dentro do SUS. A inserção da Fiocruz consolidou sua missão de cooperação institucional e ratifica o seu papel de referência e importância histórica em nível nacional.
O Dr. Alberto Novaes reforça que apesar da conquista, ainda há muito o que se fazer para a implementação no contexto real da rede de atenção à saúde das recomendações do PCDT, salvaguardando-se, portanto, as garantias para o seu alcance de fato. Dados referendados pelo 2º Consenso Brasileiro em Doença de Chagas revelam o tamanho deste desafio: estima-se que 1,9 milhão a 4,6 milhões de pessoas estejam infectadas por Trypanosoma cruzi no Brasil. Assim, a SBMT reitera a importância da recomendação neste documento da implementação do diagnóstico sorológico da infecção por T. cruzi no País por meio de estratégias adequadas de rastreamento dentro de contextos epidemiológicos de maior risco e sem limitação etária, incluindo o âmbito do pré-natal. “Além disto, o PCDT reforçou a necessidade de integração do tratamento parasitológico para os casos indicados na rede de atenção do SUS, em particular na rede de atenção básica”, afirma Dr. Alberto Novaes. A SBMT ressalta ainda a atenção ainda para questões relativas à atenção integral, que deve incorporar também o adequado manejo das formas crônicas da doença na rede do SUS.
Segundo a Dra. Andrea Silvestre, o LapClin Chagas/INI, laboratório que promove pesquisa e atenção integral a uma das maiores coortes nacionais de pessoas com doença de Chagas, também reitera a recomendação do documento, e que os testes sorológicos sejam oferecidos de forma ampla e integrada em toda a rede do SUS, em particular na rede de atenção básica, permitindo que o tratamento parasitológico e/ou sintomático, quando apropriadamente indicados, sejam capazes de reduzir a elevada carga de morbimortalidade associada às formas crônicas cardíaca e digestiva da doença.
Por fim, o Dr. Alberto Novaes enfatiza a forte recomendação no PCDT para a inclusão da doença de Chagas em sua fase crônica como um evento de notificação compulsória no Brasil, considerando-se sua relevância em saúde pública diante de sua magnitude expressa na carga de morbimortalidade, assim como de seu potencial de disseminação, sua transcendência, sua vulnerabilidade e dos compromissos internacionais assumidos, em particular aqueles contidos na agenda para 2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em seu objetivo 3, meta 3.3. “Esta recomendação é consenso entre os especialistas, mas aguarda ainda a sua implementação pelo Ministério da Saúde. Com a publicação do PCDT, espera-se que esta decisão seja tomada o mais brevemente possível”, afirma a Dra. Andrea Silvestre.
Da elaboração à aprovação final
Após a identificação e priorização de tema, com definição do escopo, foi realizada, em 14 de abril de 2016, Dia de combate à doença de Chagas, uma enquete pública sobre a primeira etapa de proposta de elaboração PCDT protocolo destinado à atenção e ao cuidado da pessoa com doença no Brasil. A enquete teve como objetivo possibilitar a participação da sociedade desde a primeira etapa da elaboração do PCDT.
Finalizada a enquete, a primeira reunião do Comitê Gestor do PCDT de Doença de Chagas foi realizada em 20 de maio de 2016, e contou com a presença de alguns departamentos do Ministério da Saúde e com médicos especialistas entre os parceiros na área, em grande parte membros da SBMT (Dr. Alberto Novaes Ramos Jr, Dr. Alejandro Luquetti, Da. Andrea Silvestre de Sousa, Dr. João Carlos Pinto Dias, Dra. Maria Aparecida Shikanai Yasuda e Dr. Wilson de Oliveira Jr). Os principais objetivos do encontro foram a discussão inicial da proposta em termos do escopo do PCDT, bem como da análise e sistematização das contribuições recebidas por meio da enquete pública relativa ao tema, realizada entre os dias 14 de abril a 3 de maio de 2016.
O processo de elaboração e avaliação do texto ocorreu no período entre 2016 e 2017, quando o documento foi alvo de intensos debates técnico-científicos dentro do grupo elaborador e do comitê gestor. Após a versão final inicial consolidada, o texto foi submetido ao Plenário da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC), não sendo aprovado na primeira avaliação no início de 2018. Após revisão e incorporação das recomendações, foi novamente submetido e obteve aprovação. Com a aprovação, foi submetido à consulta pública para ampla participação da sociedade civil. A proposta contou com mais de 150 participações.
Em 30 de outubro de 2018 o documento final do PCDT da doença de Chagas foi aprovado após mais de dois anos em construção. “Uma grande conquista que deverá ter forte impacto no Brasil, mas também em áreas endêmicas e não endêmicas que buscam o controle da doença. Para tanto, seguimos aguardando a sua efetiva implementação na realidade do SUS a partir de iniciativas que contemplem ações que englobem o fortalecimento de: inteligência epidemiológica; gestão e planejamento em saúde; atenção integral; informação, educação e comunicação em saúde; bem como de pesquisas estratégicas”, complementa o Dr. Alberto Novaes ao garantir que a SBMT seguirá acompanhando e participando ativamente de todas as iniciativas neste novo movimento.
**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**