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COVID longa pode representar nova crise de saúde global?

COVID longa pode afetar entre 10% e 30% dos adultos infectados com o coronavírus

10/09/2021
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Sintomas físicos, mentais e neurológicos prolongados vêm afetando crianças do mesmo modo que adultos, incluindo muitas que tiveram reações leves quando foram infectadas com o coronavírus

Diferente de outras infecções comuns, como Influenza, a COVID-19 intriga pesquisadores e médicos em relação aos efeitos que causa pós-infecção. À medida que o entendimento sobre a doença aumentou, ficou evidente a possibilidade de que pessoas, mesmo curadas, poderiam ficar com sequelas de longo prazo. A expectativa era que a sintomatologia desaparecesse com a melhora do quadro clínico dos afetados, no entanto, apesar da maioria dos pacientes apresentar recuperação completa, uma parcela pode experimentar a permanência de sintomas posteriores ao contágio, de modo persistente, que causam danos físicos e emocionais, fazendo surgir uma denominação para esse tipo de contaminação com danos pós-infecção: COVID longa (tradução livre do termo em inglês “long COVID”). A expressão que designa esse fenômeno, refere-se a situações que vão além das doze semanas e cobre uma grande variedade de sintomas. Os mais comuns, aparentemente, têm a ver com fadiga e dificuldades respiratórias. Também se fala em sequelas cardíacas e névoa mental (brain fog).

O professor Dr. Danny Altmann, do Departamento de Imunologia e Inflamação do Imperial College London, explica que os grupos de pacientes agora definem centenas de sintomas em várias combinações. Para ele, um ponto importante é que estudos no mundo todo apresentam hierarquias de sintomas muito semelhantes. “Quase no topo da lista estão sempre fadiga, falta de ar, dor no peito/coração, névoa cerebral. Mas com o grande número de estudos em andamento ao redor do mundo, a lista irá aumentar”, atenta.

Na busca por respostas para explicar a COVID longa, pesquisadores dos Estados Unidos desenvolveram uma nova teoria. Segundo eles, a causa dos sintomas pode não ter nada a ver com o coronavírus, e sim com outro vírus, o Epstein-Barr (EBV), responsável por uma das infecções virais mais comuns do mundo, a mononucleose (conhecida como doença do beijo), e tem sintomas parecidos com os da gripe. O estudo intitulado Investigation of Long COVID Prevalence and Its Relationship to Epstein-Barr Virus Reactivation” foi publicado na revista científica Pathogens. De acordo com o estudo, mais de 73% dos pacientes com COVID que apresentavam sintomas prolongados também eram positivos para reinfecção pelo EBV, que fica inativo no corpo e pode ser reativado em períodos de estresse psicológico.

Enquanto isso, cientistas da Universidade de Medicina e Ciências da Saúde RCSI, na Irlanda, divulgaram um novo estudo intitulado “Persistent Endotheliopathy in the Pathogenesis of Long COVID Syndrome”, publicado no Journal of Thrombosis and Haemostasis. Para realizar o estudo, a equipe examinou 50 pacientes com sintomas de COVID longa para entender se a coagulação sanguínea anormal poderia estar envolvida. Os pesquisadores descobriram que os marcadores de coagulação estavam significativamente elevados no sangue dos pacientes em comparação com pessoas saudáveis, enquanto os marcadores de inflamação voltaram ao normal. Para eles, a diferença entre os marcadores de coagulação e inflamação indicam que os coágulos no sangue podem estar relacionados a sintomas da COVID longa.

Outros cientistas também detectarem mais uma provável complicação da COVID longa, problemas cognitivos que prejudicam a memória, o raciocínio e a capacidade de resolução de problemas. Nos Estados Unidos, por exemplo, muitas crianças se preparando para retornar à escola lutam para se recuperar de sintomas persistentes, físicos, neurológicos e psiquiátricos após terem sido infectadas pelo coronavírus. No Reino Unido, há uma grande coorte de crianças com COVID longa.

Expandir entendimento da síndrome pós-COVID

Questionado por que é tão difícil diagnosticar definitivamente a COVID longa, o Dr. Altmann ressalta que no momento, a maioria dos países não tem definição clínica, portanto o diagnóstico é necessariamente feito pelo relato do paciente. “Isso, por sua vez, pode alimentar uma situação complicada, em que a condição só pode ser relatada por ele (paciente), embora o relatado por si, se torne um termo usado pelos cínicos para minar a existência da condição”, pondera. Para o Dr. Altmann, se faz necessário definições clínicas formais (tempo desde o início da doença aguda, número de sintomas etc.), também idealmente sustentadas por testes de sangue para biomarcadores.

E como vamos descobrir os efeitos a longo prazo da COVID longa se atualmente não há testes para diagnosticá-la? “A resposta parece óbvia, é preciso uma consciência muito maior da definição entre os médicos generalistas. Ou seja, você pode codificá-la em bancos de dados de registros de saúde nacionais, mesmo se você não tiver um exame de sangue”, enfatiza o Dr. Altmann, que atualmente estuda se existe semelhança do ponto de vista sanguíneo entre pessoas que sofrem de COVID longa. Ele e sua equipe  analisam a gama de anticorpos no sangue de pacientes que foram hospitalizadas, pessoas que não foram hospitalizadas e também aquelas que nem mesmo conseguiram acesso a um teste de PCR, para descobrir quais partes do proteoma humano, os antígenos de proteína humana, respondem para que compreendam como esse teste pode ser realizado, de modo a fazer algo acessível e que tenha condições de fornecer o diagnóstico necessário. “Esperamos descobrir uma bioassinatura no sangue que possa formar um teste, mas também informar quais terapêuticas são úteis”, diz. Clique aqui  para saber mais.

Em relação à evidência de que a COVID longa possa predispor a outras condições de saúde, o Dr. Altmann revela que alguns pacientes estão preocupados com a possibilidade de haver implicações, como para a função neurocognitiva de longo prazo, mas é muito cedo para dizer. Outros estão preocupados com surtos de outras doenças autoimunes, como diabetes, vasculite e artrite. Indagado se é possível evitar os efeitos da COVID longa, o Dr. Altmann é categórico ao afirmar que essa é a grande questão e a razão pela qual são necessários estudos mecanísticos detalhados a partir de análises prospectivas. “Obviamente, se conhecermos os fatores de risco é possível tratar proativamente. Os candidatos seriam antivirais ou anti-inflamatórios, mas precisamos dos estudos.”, frisa.

O surgimento de novas variantes pode ter um impacto distinto na COVID longa? O Dr. Altmann reconhece que essa é uma ótima pergunta, infelizmente em grande parte ainda desconhecida. Ele esclarece que muitos aspectos da biologia das variantes são diferentes, então pode muito bem haver diferenças em termos de COVID longa. “O ponto sobre a COVID longa é que se narra a história em tempo real e não se conhece as perspectivas de longo prazo” acrescenta. Em relação às vacinas, segundo ele, ainda é muito cedo para dizer se elas têm impacto sobre a COVID longa ou se estão limitando de alguma maneira. Mas o ponto mais simples e óbvio, porém, é que tomar a vacina resulta em menos infecções e menos infecções significam menos COVID longa.

Estudos estimam que a COVID longa pode afetar entre 10% e 30% dos adultos infectados pelo coronavírus. Apesar da porcentagem significativa de pessoas com COVID longa, evidências limitadas sobre o problema e falta de ferramentas que permitam o diagnóstico, o número de pacientes que não para de crescer pode representar uma nova crise de saúde global e demonstra o enorme desafio a ser enfrentado pelos sistemas de saúde. “É muito importante que todos os países afetados se preparem; se a COVID longa for responsável por 10 a 20% de todos aqueles que foram infectados, talvez pelos próximos quatro ou cinco anos, as implicações serão enormes: para a prestação de cuidados de saúde, número de clínicas, médicos e enfermeiros. A única maneira de se preparar para isso é ter alguns números precisos e, em seguida, aplicar dinheiro do governo suficiente para isso. Em alguns aspectos, o Brasil está à frente do mundo, tendo trilhado esse caminho para chikungunya”, finaliza o Dr. Altmann.