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CPCD: Estratégia nacional para fortalecimento do SUS contra epidemias e emergências de saúde

Grupo de Trabalho da Portaria GM/MS nº 167 propõe política de Estado para preparar o Brasil contra pandemias e outras ameaças à saúde pública

05/05/2025

Dr. Claudio Maierovitch explica como o CPCD pode reforçar o SUS para enfrentar epidemias e emergências

A pandemia de Covid-19, os surtos de dengue e os impactos das mudanças climáticas expuseram a necessidade de fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) para enfrentar emergências sanitárias. Propostas para uma estrutura coordenada, como um Centro de Controle de Doenças, surgiram em 1996 com o Dr. Adib Jatene e em 2010 com o ministro José Gomes Temporão. Agora, o Grupo de Trabalho (GT) instituído pela Portaria GM/MS nº 167, de 11 de março de 2025, trabalha para transformar essa ideia em realidade. Com prazo de 60 dias (prorrogáveis por mais 60, até 11 de julho), o GT reúne especialistas, Ministério da Saúde, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e sociedade civil para propor medidas que ampliem a capacidade do SUS. O objetivo é criar o Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CPCD), uma instituição vinculada ao Ministério da Saúde para articular respostas a epidemias e emergências. Para saber mais sobre o assunto, a assessoria de comunicação da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) entrevistou o Dr. Claudio Maierovitch Pessanha Henriques, coordenador do subgrupo de Diretrizes e Competências do CPCD, que explica os desafios, os avanços e a importância de uma política de Estado.

Confira a entrevista na íntegra.

SBMT: Qual é o objetivo principal do Grupo de Trabalho criado pela Portaria GM/MS nº 167?

Dr. Claudio Maierovitch: O grupo tem a tarefa de apresentar ao Ministério da Saúde propostas para melhorar a capacidade do Estado, particularmente do SUS, para enfrentar epidemias e emergências em saúde pública. Uma vez que o grupo é consultivo, deverá analisar aspectos da legislação, das normas e processos de trabalho e também o modelo de organização.

SBMT: A proposta de um Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CPCD) não é nova. Por que ela é tão urgente agora?

Dr. Claudio Maierovitch: A criação da Secretaria de Vigilância em Saúde, há duas décadas, foi um avanço importante na organização dessa atividade no País, insuficiente, no entanto, para os desafios que têm sido cada vez maiores. A emergência de saúde pública motivada pela pandemia de Covid-19 pôs em evidência as dificuldades e também o risco de novas ameaças, que devem ser mais frequentes em consequência do aquecimento global, do modelo econômico e das desigualdades. O País precisa melhorar sua capacidade de preparação, prevenção, detecção e resposta nesse cenário.

SBMT: Como o CPCD se diferencia de instituições como Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) ou Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e qual será seu papel no SUS?

Dr. Claudio Maierovitch: Ainda não há definição sobre a personalidade jurídica que deve ter a nova instituição federal mencionada na Portaria. Certamente terá uma missão própria que lhe dará identidade e objetivos de atuação  que são diferentes daqueles da Fiocruz e da Anvisa, ainda que possa haver semelhanças quanto ao modelo organizacional de uma delas. Deve compor o conjunto de instituições com escopos de ação distintos, porém complementares, visando promoção e proteção da saúde, articulada também à área de atenção.

SBMT: Por que o GT decidiu evitar o termo “CDC” para o novo centro?

Dr. Claudio Maierovitch: A sigla CDC designa, em inglês, instituições existentes em várias parte do mundo, como a China, os Estados Unidos, a União Europeia e parte do continente africano. Cada um tem sua personalidade e suas responsabilidades próprias. Uma instituição brasileira poderá ter aspectos semelhantes a uma ou outra dessas organizações, porém, ostentará modelo próprio, em consonância com os princípios e diretrizes do SUS, as características e necessidades do Brasil. Reproduzir o nome poderia alimentar a ideia de que isso significaria tomar aqueles centros como modelos; certamente são importantes e temos a aprender com eles, o que não significa adotá-los como molde.

SBMT: Quais são as principais diretrizes que seu subgrupo está desenvolvendo para o CPCD?

Dr. Claudio Maierovitch: Uma vez que foi recente a mudança na gestão do Ministério de Saúde de da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, o grupo está na fase inicial de seu trabalho. No meu caso específico, integro um subgrupo que está trabalhando sobre o papel que deve ter uma nova instituição, suas atribuições e competências.

SBMT: Qual a importância de mapear competências tecnológicas e industriais e como isso será feito?

Dr. Claudio Maierovitch: O Ministério da Saúde já tem um conhecimento amplo sobre a capacidade instalada no País para as atividades de prevenção e controle de doenças. Isso se refere tanto à atuação dos serviços de saúde das três esferas de governo, como ao parque laboratorial e produtivo. Face às necessidades que forem descritas nos planos de atuação, pode ser necessário obter informações adicionais e identificar lacunas que devem orientar investimentos tecnológicos ou a reorganização de fluxos de trabalho e de informação.

SBMT: A integração de dados é essencial. Como o CPCD planeja avançar nessa área?

Dr. Claudio Maierovitch: São inúmeros os sistemas e mecanismos de informação que hoje subsidiam a atuação das instituições de saúde no País. Embora exemplos de falta de integração e de oportunidade de informação sejam bastante conhecidos, certamente será necessário construir um plano diretor específico.

SBMT: Como está sendo estruturada a política de Estado?

Dr. Claudio Maierovitch: O País já tem uma política de Vigilância em Saúde publicada por resolução do Conselho Nacional de Saúde. Tal política, bem como os aspectos mais específicos de preparação e resposta a emergências estão sob responsabilidade da  Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, das secretarias de saúde dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Certamente haverá um detalhamento maior conforme avance o trabalho de reestruturação.

SBMT: Há um interesse crescente no Congresso por legislações voltadas para emergências em saúde. Como esse cenário pode influenciar o trabalho do Grupo de Trabalho?

Dr. Claudio Maierovitch: Uma vez que se trata de uma proposta de reorganização no âmbito do Poder Executivo Federal, certamente o governo dialogará com diversos atores institucionais e, em especial, com os membros do Poder Legislativo, representantes de diversos segmentos da sociedade.

SBMT: A logística pode ser considerada um gargalo? Como o CPCD vai abordar essa questão?

Dr. Claudio Maierovitch: Em muitas situações, falhas na logística causaram grandes problemas na ação da vigilância. Isso foi muito marcante durante a emergência por Covid-19, com falta de testes, medicamentos, equipamentos e materiais, inclusive aqueles  necessários para a segurança dos profissionais de saúde.  A compra e a entrega de vacinas também demoraram mais do que o aceitável. A situação herdada pelo governo atual beirava o caos, com sistemas de compras, controle de estoque e abastecimento desestruturados. Ao longo dos últimos dois anos, houve uma sensível reorganização. Uma vez definidas as atribuições, a nova instituição deverá contar com seu projeto específico.

SBMT: Quais são os próximos passos do GT até a entrega final ao Ministro da Saúde?

Dr. Claudio Maierovitch: O grupo de trabalho designado está em fase de elaboração e debate interno de propostas, que deverão ser apresentadas ao Ministério da Saúde para análise e continuidade do processo.

SBMT: Como a sociedade civil será envolvida no processo?

Dr. Claudio Maierovitch: O Ministério da Saúde, por meio da SVSA definirá os mecanismos e tempos para debate com os diversos setores da sociedade

SBMT: Como a Sociedade Brasileira de Medicina Tropical e seus membros podem contribuir para o sucesso da iniciativa do Centro de Prevenção e Controle de Doenças?

Dr. Claudio Maierovitch: Sem dúvida a comunidade de especialistas representada pela SBMT tem importantes contribuições para o processo. Sua participação está contemplada na Portaria que criou o Grupo de Trabalho e certamente estará envolvida em todas as etapas. É importante que a entidade estabeleça mecanismos que permitam a seus associados acompanhar e participar dos debates.

SBMT: O CPCD vai contar com assessoria de comunicação própria? Se sim, por que isso é importante?

Dr. Claudio Maierovitch: A comunicação está entre as ações de saúde coletiva mais fundamentais e deverá ser tratada com o devido destaque na futura organização. São inúmeros os temas que dependem visceralmente das ações de comunicação, como prevenção de doenças e agravos, imunização e informação sobre saúde para os diversos segmentos sociais. O desenho organizacional deverá ser apresentado com a proposta de estrutura funcional.

SBMT: O senhor gostaria de acrescentar algo?Dr. Claudio Maierovitch: Deve ficar claro que o grupo constituído tem caráter consultivo e apresentará subsídios para as decisões e encaminhamentos que são de responsabilidade do Ministério da Saúde.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**