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Dengue: Estudo revela queda drástica na confiança, segurança e eficácia da vacina

Disseminação rápida da desinformação está minando a confiança nas vacinas cruciais para a saúde pública, alerta a Dra. Heidi Larson

09/11/2018
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Descobertas do estudo destacam a importância de identificar lacunas ou colapsos na confiança pública nas vacinas, a fim de restabelecer a confiança antes que uma pandemia possa ocorrer

Recente estudo liderado pela Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres (LSHTM) mediu o impacto da crise da vacina contra a dengue, a Dengvaxia, na confiança global antes e depois do fabricante ter destacado o risco associado à vacina e as conseqüências políticas relacionadas. De acordo com a pesquisa publicada na Human Vaccines & Immunotherapeutics, a resposta altamente politizada das Filipinas aos riscos reportados em relação à vacina levou a uma queda drástica na confiança pública nas vacinas em geral.

O Vaccine Confidence ProjectTM mediu o impacto desta crise, comparando os níveis de confiança em 2015, antes do incidente, com níveis em 2018. De acordo com os resultados, houve uma queda na confiança daqueles que concordam que as vacinas estão seguras de 82%, em 2015, para apenas 21%, em 2018. Da mesma forma, a confiança na eficácia das vacinas caiu de 82%, em 2015, para apenas 22%. Com relação à importância das vacinas, os números também apontam queda, passando de 93%, em 2015, para 32%, em 2018.

A principal autora, a professora Heidi Larson, diretora do Vaccine Confidence Project na LSHTM e seu co-autor Ken Hartigan-Go destacam que os resultados demonstram não só a necessidade de um esforço para reconstruir a confiança pública nas vacinas, mas também de criar confiança nas autoridades de saúde que se tornaram vítimas durante este drama nas Filipinas. “O público parece esquecer que houve um surto grave de dengue e uma nova vacina, aprovada pela FDA Philippine, foi disponibilizada para resolver o grave problema de saúde pública”, atenta a Dra. Larson.

A tarefa agora é reconstruir a confiança pública. Os autores da pesquisa se dizem otimistas de que seja possível. Para isso, de acordo com eles, primeiro é preciso monitorar as mídias sociais que propagam informações falsas que assustam o público. Em segundo lugar, os políticos devem assegurar investigações imparciais. Em terceiro lugar, a agência de saúde do governo, juntamente com a OMS, pode ser mais proativa em campanhas de comunicação educativas e sobre os riscos. E, por último, a comunidade científica deve garantir que apenas especialistas com experiência comprovada possam dar a sua avaliação.

Ruído na mídia pode ser ameaça à saúde pública

A Dra. Larson explica que quando informações conflitantes ou manipuladas não são corrigidas, mas ao contrário, acabam se repetindo, eles podem se tornar verdades absolutas. Desta forma, rumores, informações falsas, ou desinformação podem levar as pessoas a tomarem decisões erradas, como por exemplo, se recusar a tomar vacinas, permitindo a propagação de doenças infecciosas, pois se não houver pessoas vacinadas suficientes, os vírus podem se espalhar mais rapidamente. “Quando a sociedade e os tomadores de decisão aderem à informação errada, podem tomar decisões perigosas, tais como rejeitar políticas e programas de saúde bem informados, e não aceitar cuidados de saúde preventivos”, completa.

Ainda segundo a autora, uma sociedade bem informada é uma sociedade crítica e capaz de discernir onde e quais informações são corretas, ou seja, em caso de uma possível epidemia, a desinformação não será propagada. As campanhas de mídia social têm papel fundamental na divulgação de informações precisas para interromper ou contestar informações negativas ou prejudiciais. A Dra. Larson ressalta que talvez as plataformas de mídia sociais precisem reexaminar seu papel crítico em influenciar o público, isso pode ser uma ferramenta ou um meio valioso para mobilizar o público para melhorias na saúde.

“É muito importante construir redes sociais de pensadores informados e críticos, e apoiar os sistemas ANTES de haver outra pandemia. Se houvesse uma pandemia no próximo mês nas Filipinas, seria difícil obter a total confiança e cooperação do público se, por exemplo, fosse lançada uma campanha de vacina contra a gripe pandêmica. Agora é a hora de construir – e reconstruir – redes de confiança, antes de outra pandemia”, alerta.

Vaccine Confidence Project prepara pessoas para enfrentar resultados de crises de confiança

O Vaccine Confidence Project realiza monitoramento contínuo de mídia, pesquisas sobre preocupações públicas e coleta informações globalmente de uma rede de colaboradores para ajudar a antecipar e abordar questões de confiança em vacinas antes que elas explodam em crises e recusas. Situações e experiências como essas nas Filipinas ajudam a treinar e preparar outras pessoas para eventuais resultados de crises de confiança.

“Esses grupos e indivíduos que estão minando intervenções valiosas e comprovadas de saúde pública, como vacinas, devem ser responsabilizados. Uma linha que precisa ser desenhada. Os indivíduos devem, é claro, fazer perguntas e ter a oportunidade de discutir quaisquer preocupações com seu médico ou outro profissional de saúde, mas aqueles que impõem informações falsas para desviar propositadamente pessoas para uma intervenção que salva vidas devem ser responsabilizados”, conclui a Dra. Larson.

Entenda o caso da vacina contra a dengue, a Dengvaxia

A investigação foi iniciada pelo Congresso das Filipinas, logo após o anúncio da Sanofi Pasteur em 29 de novembro de 2017. Isso foi seguido pela suspensão do programa de imunização pelo Departamento de Saúde das Filipinas em quatro regiões do país. A vacina ainda estava disponível para uso em clínicas particulares. Em janeiro de 2018, o Diretor Geral da FDA das Filipinas revogou a autorização de comercialização da vacina, tornando-a indisponível nas clínicas privadas.

O primeiro país a usar esta vacina no setor público foram as Filipinas, inicialmente em três regiões piloto do país, onde a carga de dengue foi observada como maior entre 2012 e 2015. O país inteiro não foi vacinado, ou seja, foram apenas algumas regiões (vacinação em massa não foi a terminologia utilizada nas Filipinas). Ao que tudo indica, não foi o relatório da OMS que interrompeu a campanha, mas a divulgação da Sanofi Pasteur e a subsequente investigação do Congresso que levou o Departamento de Saúde das Filipinas a suspender o programa de imunização de saúde pública.

O Departamento de Saúde das Filipinas também multou a Sanofi em US$ 2 mil. A medida foi uma consequência de informação divulgada pela empresa, em novembro de 2017, de que, segundo estudos preliminares, indivíduos que não tinham entrado em contato com o vírus passaram a apresentar formas mais graves da doença.

As Filipinas vacinaram mais de 700 mil crianças acima de nove anos desde 2016.

Dengvaxia no Brasil

A comercialização da Dengvaxia, da Sanofi Pasteur, continua permitida, mas sua aplicação não é mais indicada para aqueles que nunca tiveram a doença e a bula do produto foi modificada. O Ministério da Saúde brasileiro, no entanto, não chegou a promover campanhas em massa de vacinação com a substância, que está disponível em laboratórios privados.

Até hoje, a vacina, única contra a dengue liberada para a venda no Brasil, não é um consenso entre médicos, órgãos e especialistas. Em nota conjunta, a Sociedade Brasileiras de Medicina Tropical (SBMT), Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) publicaram que a avaliação da utilização da vacina em programas públicos passa a merecer outro olhar, o da avaliação de risco e benefício e que a introdução da vacina dengue em programas públicos torna-se um desafio ainda maior. Veja o documento.

A Sociedade Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) divulgou a existência de dúvidas em relação à eficácia da vacina e lembrou que o primeiro país a usá-lo para a vacinação em massa no sistema público foi as Filipinas que, após o relatório da OMS, interrompeu a campanha. A Associação também questionou quais foram as medidas tomadas pelo SUS em relação a esse fato. Acesse aqui a nota.

A Diretora Médica Sanofi Pasteur, Sheila Homsani, enviou carta de posicionamento formal da companhia em relação à vacina contra dengue – Dengvaxia®. O documento informa que a Sanofi Pasteur realizou um estudo exploratório, apresentado às agências regulatórias, o qual confirmou que Dengvaxia é uma vacina com importante papel na saúde pública em países endêmicos, como o Brasil, uma vez que mantém eficácia ao longo de 72 meses de estudo. Confira o posicionamento.

O Ministério da Saúde também emitiu nota informativa em resposta e esclareceu que enquanto todos os estudos não estiverem finalizados, não tomará a decisão de inclusão de uma vacina contra a dengue no Calendário Nacional de Vacinação, e nesse sentido, não há elementos para introdução da Dengvaxia® nos serviços de vacinação do SUS. Leia o documento.

A vacina é indicada a pacientes dos 9 aos 45 anos que já tiveram dengue. O teste é feito por exame de sangue ou picada no dedo, mas ele não está disponível no SUS e nem vendido em farmácias. São necessárias três doses da vacina, uma a cada seis meses.