Dengue: vacina da Takeda é aprovada no Brasil
A concessão do registro pela Anvisa permite a comercialização do produto no País, desde que mantidas as condições aprovadas
10/04/2023A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o registro de uma nova vacina contra a dengue da farmacêutica japonesa Takeda, a QDENGA® (TAK-003) para a prevenção da doença causada por qualquer sorotipo em pessoas a partir de quatro anos. Em fevereiro, a Comissão Técnica Nacional em Biossegurança (CTNBio) comprovou a segurança da vacina, que aguardava o aval da agência reguladora. O registro havia sido solicitado em abril de 2021. A utilização do imunizante deve estar de acordo com as recomendações oficiais da Anvisa. A QDENGA® é baseada em um vírus vivo atenuado do sorotipo 2 da dengue (DENV-2), que fornece a estrutura principal genética para todos os quatro sorotipos da vacina e, expõe o indivíduo a vários componentes do vírus que podem ser importantes na proteção contra infecções futuras. Até o momento esta é a única vacina aprovada no Brasil para utilização em indivíduos independentemente da exposição anterior à dengue e sem necessidade de teste pré-vacinação.
A concessão do registro pela Anvisa permite a comercialização do produto no País, desde que mantidas as condições aprovadas; entretanto, a QDENGA ainda não está disponível no Brasil. O próximo passo é a definição de preço que será feito pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), órgão interministerial, ligado à Anvisa. Segundo a Takeda, é preciso aguardar a finalização desse processo para seguir com a importação do imunizante e com a comercialização para clínicas de saúde. Em outubro de 2022, o Comitê de Medicamentos para Uso Humano (CHMP) da Agência Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla inglesa), deu recomendação positiva para a aprovação da vacina. A decisão foi apoiada por resultados em ensaios de fase clínicos rigorosos.
O conselho consultivo de comunicações da Takeda explicou na matéria “Dengue: comitê da EMA endossa candidata à vacina a partir dos 4 anos“, publicada pela Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) que a vacina foi avaliada em 19 ensaios clínicos de Fase 1, 2 e 3 envolvendo mais de 28 mil crianças e adultos, com dados de quatro anos e meio de acompanhamento do Estudo de Eficácia da Imunização Tetravalente contra a Dengue, Tetravalent Immunization against Dengue Efficacy Study (TIDES, na sigla em inglês), consistente com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), que exigem dados de acompanhamento de três a cinco anos após a conclusão de uma vacinação primária contra a dengue, a fim de avaliar com mais precisão a segurança e a eficácia. Segundo a companhia farmacêutica, o estudo TIDES também atendeu a outras recomendações importantes da OMS, como uma grande população de estudo (mais de 20 mil participantes), capacidade de realizar análises estratificadas de eficácia e segurança e implementação de um sistema de vigilância rigoroso.
“O estudo TIDES atingiu sua meta primária de eficácia geral da vacina contra a dengue confirmada virologicamente com 80,2% de eficácia em 12 meses de acompanhamento. Também atendeu a todas as metas secundárias para os quais havia um número suficiente de casos da doença em 18 meses de acompanhamento. Houve uma eficácia de 90,4% da vacina em prevenir hospitalizações pela dengue. Análises exploratórias mostraram que, ao longo de quatro anos e meio, a TAK-003 preveniu 84% dos casos de dengue com hospitalização na população geral, incluindo indivíduos soropositivos e soronegativos. A vacina tem sido geralmente bem tolerada, sem evidência de aumento da doença naqueles que a receberam, e sem riscos de segurança importantes identificados no estudo TIDES, até o momento”, disse o Dr. Derek Wallace, vice-presidente e chefe do Programa Global de dengue no Departamento de Vacinas da Takeda Pharmaceuticals, na matéria publicada em novembro de 2022 pela SBMT.
Dengue dispara e governo anuncia centro de emergência
Em 2022, o Brasil registrou uma explosão de casos de dengue e o total de mortes foi maior do que o registrado nos últimos seis anos. De acordo com o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, houve 1.016 mortes e 1.450.270 casos prováveis da doença, um aumento de 162,5% se comparado com 2021, ano que contabilizou 544 mil infectados.
A situação em 2023 também não vai nada bem. O Ministério da Saúde informou que houve um salto nos casos de dengue, Zika e Chikungunya nos primeiros três meses deste ano, contabilizando 210 mil casos prováveis, número 43,8% maior do que o registrado no mesmo período no ano passado. A região com maior incidência de dengue é o Centro-Oeste, com 254,3 casos por 100 mil habitantes, seguida das regiões Sudeste, com 214,7 casos por 100 mil habitantes, e Sul, com 98,2 casos por 100 mil habitantes. O Espírito Santo foi o estado que mais apresentou aumento de incidência, com 921,7 casos por 100 mil habitantes, seguido de Mato Grosso do Sul, com 432,5 casos por 100 mil habitantes, e de Minas Gerais, com 392,1 casos por 100 mil habitantes.
Chikungunya teve o maior salto (97%), e 43 mil casos prováveis. Enquanto Zika totalizou 1.194 casos prováveis, contra 883 no mesmo período do ano passado, um aumento de 35,2%. Diante deste cenário, o Ministério da Saúde instalou um Centro de Operações de Emergências de Arboviroses (COE Arboviroses), que tem por objetivo elaborar estratégias de controle e redução de casos graves e óbitos. Com o acionamento do Centro, a pasta vai monitorar a situação, com ênfase em dengue e Chikungunya, a fim de orientar a execução de ações voltadas à vigilância epidemiológica e controle de vetores. O planejamento das ações e a resposta coordenada serão feitos em conjunto com estados e municípios. A diretora do Departamento de Doenças Transmissíveis, Dra. Alda Maria da Cruz, ressaltou que a prioridade é sensibilizar a população, para que assim seja possível controlar o avanço da transmissão dessas arboviroses.
A dengue é um grande desafio de saúde pública que segue em ascensão. Segundo dados da OMS, há aproximadamente 390 milhões de infeções mundiais de dengue por ano, com uma taxa de mortalidade estimada em 20 mil a 25 mil pessoas por ano, maioritariamente crianças. Estima-se que, no mundo, cerca de 500 mil pessoas com dengue grave precisam de hospitalização a cada ano. A doença é endêmica em mais de 100 países. Não há nenhum medicamento específico disponível, por isso a prevenção é o instrumento mais eficaz no combate à doença.
Vírus no Aedes aegypti amplifica transmissão da dengue
Um estudo intitulado “Mosquito vector competence for dengue is modulated by insect-specific viruses“, publicado na revista científica Nature Microbiology, identificou dois vírus específicos de inseto, o Humaita-Tubiacanga vírus (HTV) e o Phasi Charoen-like virus (PCLV), que circulam comumente em populações de campo, nas principais espécies de mosquitos, o Aedes aegypti e o Aedes albopictus, que tornam o Aedes aegypti mais propenso a transmitir dengue e zika. Na análise, a presença do HTV e do PCLV estava associada a uma chance 3 vezes maior deles carregarem o vírus da dengue (DENV), o que sugere uma associação positiva entre esses vírus. Para o trabalho, os pesquisadores analisaram viromas de 815 mosquitos Aedes urbanos coletados em 12 países em todo o mundo.
O Dr. João Trindade Marques, professor do Departamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), quem liderou a pesquisa, explica que a presença do HTV e do PCLV acelera o período de incubação do vírus da dengue no mosquito, o que o torna capaz de transmitir o DENV mais rapidamente. Para ele, a presença e a circulação desses dois vírus em populações naturais de mosquitos deve ser avaliada, pois quando presente indica maior risco de surto de dengue ou de zika. Ainda de acordo com o pesquisador, esses dois vírus têm grande impacto na epidemiologia natural da doença e esse conhecimento pode ser utilizado de diversas formas, inclusive na análise de risco de surto da dengue, feita hoje unicamente pela presença e densidade do mosquito (índices de infestação). “Já a nossa pesquisa sugere que a presença do vetor é apenas um fator e que a presença do HTV e o PCLV deve ser considerada, já que representa impacto na transmissão, de 10 a 50 vezes, ou seja, pode compensar uma densidade do mosquito 10 ou 50 vezes menor para que haja o mesmo tipo de transmissão”, assinala.
Com relação ao Aedes albopictus, não foi observada circulação massiva desses vírus específicos de inseto e, portanto, não foi realizada análise de correlação entre a transmissão dos arbovírus e a presença do HTV e do PCLV. “Ao que tudo indica, o A. albopictus parece ser menos permissivo à circulação desses vírus. Outro fator interessante, em geral, ele é considerado um vetor pior do que A. aegypti, o que, pode sugerir que essa permissividade aos vírus específicos de insetos seja indicativo geral aos arbovírus, mas isso ainda precisa ser testado laboratório”, diz.
O vírus chikungunya, que pertence à família Togaviridae, do gênero Alphavirus, não foi testado neste trabalho, e, de acordo com o Dr. Marques é possível que essa interação não existe. A próxima etapa da pesquisa é entender de que forma a presença do HTV e do PCLV modifica a fisiologia do mosquito para que ele se torne mais permissivo ao vírus da dengue e da zika. “Com esse entendimento é possível desenhar estratégias de controle baseadas nesse mecanismo”, conclui o professor.
Sobre os vírus específicos de inseto
O Humaita-Tubiacanga vírus (HTV) recebeu o nome das duas regiões em que foi encontrado no Rio de Janeiro, em 2015. O PPhasi Charoen-like vírus (PCLV) foi identificado parcialmente há alguns anos na Tailândia e caracterizado em detalhes em 2015, em uma pesquisa conduzida pelo mesmo laboratório no ICB/UFMG.
**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**