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DNDi se dedica à pesquisa e desenvolvimento para doenças negligenciadas, diz Joel Keravec

Embora exista incentivo para a inovação em pesquisa e desenvolvimento, as doenças negligenciadas permanecem existindo e afetam grande número de pessoas

20/12/2017
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Buscamos oferecer novos tratamentos àqueles acometidos por doenças transmissíveis negligenciadas desenvolvendo novos medicamentos ou novas formulações aos existentes

As doenças negligenciadas são um grupo de doenças tropicais endêmicas, que atinge especialmente populações pobres da África, Ásia e América Latina. Juntas, causam quase 1 milhão de óbitos anualmente. As medidas preventivas e o tratamento para algumas dessas enfermidades são conhecidos, mas não são disponíveis universalmente nos locais mais pobres do mundo. Entre 2000 e 2011, apenas 3,8% dos medicamentos aprovados foram para este grupo de doenças, que em conjunto representam 10,5% da carga global de doenças. Com o objetivo de oferecer novos tratamentos para doenças negligenciadas foi criada a Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi). Para saber mais sobre o assunto, a assessoria de comunicação da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) conversou com o Diretor Executivo da DNDi, América Latina, Dr. Joel Keravec.

SBMT: Como foi o surgimento da DNDi? 

Dr. Joel Keravec: Um estudo realizado em 2001 pelos Médicos Sem Fronteiras (MSF) e o Grupo de Trabalho sobre Medicamentos para Doenças Negligenciadas, precursor da DNDi, revelou que apesar das doenças negligenciadas representarem 12% da carga global de doenças, apenas 1% dos novos medicamentos aprovados entre 1975 e 1999 foram para essas doenças, incluindo doenças tropicais negligenciadas, malária e tuberculose. Uma década depois, a situação permanecia praticamente inalterada. Entre 2000 e 2011, apenas 3,8% dos medicamentos aprovados foram para este grupo de doenças, que em conjunto representam 10,5% da carga global de doenças. Este é o chamado ‘desequilíbrio fatal’, a razão pela qual nasceu a DNDi. Nossa iniciativa tem essas doenças como prioridade desde seus primórdios e buscamos preencher essa trágica lacuna do mercado farmacêutico.

O objetivo era, e permanece sendo, inequívoco: oferecer novos tratamentos para pacientes que sofrem das doenças transmissíveis mais negligenciadas, por meio do desenvolvimento de novos medicamentos ou novas formulações de medicamentos já existentes.

SBMT: Como a DNDi aborda a solução dos problemas de saúde das populações negligenciadas?

Dr. Joel Keravec: A DNDi propõe um modelo alternativo de parceria, descentralizado e colaborativo, trabalhando de forma inovadora com entidades públicas e privadas. Esse trabalho abrange toda a cadeia de pesquisa e desenvolvimento, desde a descoberta de novas moléculas, passando pela pesquisa pré-clínica e clínica, assegurando as condições favoráveis de acesso para que as necessidades dos pacientes sejam atendidas.

Trabalhamos com alguns pilares fundamentais, que são a principal característica do modelo sem fins lucrativos de pesquisa e desenvolvimento da DNDi e incluem: uma abordagem voltada para o paciente e suas necessidades reais; um compromisso com a igualdade de acesso dos pacientes aos tratamentos e o livre acesso ao conhecimento resultante dessas pesquisas; independência financeira e científica e potencialização do conhecimento e de experiências existentes ao construir sólidas alianças com parceiros públicos e privados.

Como tal, o modelo DNDi é uma ilustração prática de como a pesquisa e desenvolvimento pode ser conduzida para o interesse público com uma abordagem de desvinculação entre o investimento em P&D e o preço final do produto. Isso possibilita que os medicamentos resultantes dessas pesquisas cheguem as populações que os necessitam.

Soma-se a isso, a construção de redes de trabalho de P&D para desenvolver a capacidade de pesquisa de forma sustentável em países endêmicos e fomentar a responsabilidade pública.

SBMT: Qual é o maior desafio para DNDi hoje?

Dr. Joel Keravec: Embora exista incentivo para a inovação em pesquisa e desenvolvimento, as doenças negligenciadas permanecem existindo e afetam a um grande número de pessoas em populações negligenciadas. No entanto, a maioria das companhias farmacêuticas abandonam as pesquisas nesses campos e se dedicam a investir em mercados mais promissores. O resultado disso é um cenário no qual os tratamentos para estas doenças têm limitações severas, alguns são tóxicos ou difíceis de administrar e representam um obstáculo para os sistemas de saúde e para os pacientes. A DNDi tem o objetivo de desenvolver tratamentos seguros, eficazes e acessíveis para milhões de pessoas em situação vulnerável.

Existem doenças, como a hepatite C, para a qual existe tratamento de ponta, com um nível de inovação que mudou totalmente a maneira como a doença era tratada. Ainda assim, essa tecnologia não está adequada à região, particularmente em termos de preço: não acessível nem para a população, nem para os sistemas de saúde. Parte de nossos esforços, portanto, é garantir o acesso por meio da pesquisa e desenvolvimento de medicamentos com preços reduzidos. Assim, nossa estratégia é reduzir o custo dramaticamente, enquanto mantemos a eficácia do tratamento.

A atenção da saúde global também vem se concentrando nos desafios da resistência aos medicamentos antimicrobianos, onde o uso excessivo e indevido de medicamentos, juntamente com a prevenção e controle de infecção precárias, e investimentos escassos no desenvolvimento de novos medicamentos, provocaram a explosão do número de organismos resistentes.

Diante disso, em maio de 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a DNDi, lançaram a Parceria Global de Pesquisa e Desenvolvimento de Antibióticos (GARDP) com o objetivo de desenvolver e disponibilizar novos tratamentos para infecções bacterianas onde houver multirresistência ou para as infecções com tratamento inadequado. Além do desenvolvimento do produto, o intuito é garantir que o medicamento seja utilizado de forma racional, para evitar o crescimento da resistência.