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Doença de Chagas: novo composto mostra promessa no tratamento

A eficácia da nova droga em primatas não humanos é uma esperança para o desempenho em humanos

10/09/2022
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Nas últimas décadas, drogas candidatas a tratamentos passaram direto de infecções experimentais em camundongos para ensaios clínicos em humanos, onde não conseguiram curar a infecção

Pesquisadores identificaram uma nova droga 100% eficaz no tratamento de camundongos e Primatas Não Humanos (PNH) infectados pelo Trypanosoma cruzi, parasito causador da doença de Chagas. O composto, conhecido como AN15368, além de não provocar efeitos colaterais significativos, é mais eficaz do que os medicamentos existentes. A descoberta marca o primeiro fármaco amplamente validado e seguro em mais de 50 anos para o tratamento tripanocida da infecção pelo T. cruzi. A expectativa é que os ensaios clínicos em humanos comecem nos próximos anos.

De acordo com o artigo publicado na revista científica Nature Microbiology intitulado Discovery of an orally active benzoxaborole prodrug effective in the treatment of Chagas disease in non-human primates”, o AN15368 foi considerado ativo in vitro e in vivo contra várias linhagens de T. cruzi geneticamente distintas e uniformemente curativo em PNH com infecções naturalmente adquiridas de longo prazo. O tratamento em Primatas Não Humanos também não revelou toxicidade detectável ou impacto na saúde ou na reprodução a longo prazo. O trabalho foi liderado pelo Dr. Rick Tarleton, professor da Universidade da Geórgia.

O Dr. Alejandro Luquetti Ostermayer, do Laboratório de Pesquisa da Doença de Chagas Hospital das Clínicas e Professor Emérito da Universidade Federal de Goiás (UFG), explica que este extenso estudo verificou o efeito de um novo grupo de fármacos (benzoxaboroles) no tratamento específico da doença de Chagas, drogas que já foram testadas com sucesso em infecção por Trypanosoma bruceiLeishmania donovani e Plasmodim falciparum. “Para o estudo foi selecionado o AN15368, uma pró-droga – um composto biologicamente inativo que é metabolicamente ativado – que penetra na célula infectada do hospedeiro, e na forma amastigota, é ativada por enzimas do próprio T.cruzi (carboxipeptidases) para produzir um composto que tem como alvo sua via de processamento de mRNA, levando a sua destruição”, complementa. Os ensaios foram conduzidos com células (in vitro), posteriormente em camundongos e finalmente em 19 macacos rhesus naturalmente infectados, de colônia de mais de mil mantidos em cativeiro nos Estados Unidos.

Após 60 dias de administração via oral, os pesquisadores não conseguiram mais detectar os parasitos no sangue de nenhum dos animais. “Foi observada a cura por PCR seriado, PCR nos órgãos de dez animais sacrificados, hemocultivo e sorologia (multiplex) nos nove não sacrificados, no seguimento de 42 meses e neste período, não apenas todos os macacos se curaram, mas os cientistas não detectaram reações adversas, nem efeitos na reprodução, já que houve o nascimento de 13 macacos (não infectados) das mães tratadas”, acrescenta. Ainda segundo o Dr. Luquetti, essa pode ser uma excelente nova abordagem no tratamento da infecção pelo T.cruzi, tendo em vista que atualmente só há dois fármacos efetivos (benznidazol e nifurtimox) com reações colaterais em 20-30% dos adultos tratados, e que várias outras drogas não tem sido efetivas.

O gerente de pesquisa e desenvolvimento (P&D) da Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, na sigla em inglês), Jadel Kratz, ressalta que os resultados são muito promissores. “Testar a droga em primatas não humanos e rastrear os animais por tanto tempo fortalece as descobertas”, complementa ao atentar que o composto precisa passar pelo “vale da morte” de desenvolvimento de medicamentos, os estudos regulatórios de toxicidade e os ensaios clínicos iniciais que determinarão se é de fato seguro.

Este é o primeiro composto amplamente validado e seguro em mais de 50 anos de pesquisas para o tratamento da doença de Chagas. Depois que o trabalho estiver concluído, a equipe espera licenciar o composto para uma empresa não revelada realizar os testes clínicos. O grupo do Dr. Tarleton desenvolve pesquisas na area de Chagas há décadas.

Uma doença silenciosa e silenciada

A doença de Chagas é endêmica em 21 países das Américas, com destaque ao Brasil, Argentina, Bolívia, Paraguai, Venezuela, Chile, Colômbia e México. No Brasil, é a quarta causa de morte entre as doenças infecto-parasitárias. Nas Américas, estima-se que 6 a 8 milhões de pessoas estejam infectadas com o Trypanosoma cruzi, no entanto, a maioria (7 em cada dez) desconhece sua condição devido à ausência de sintomas clínicos. Mais de 10 mil pessoas morrem a cada ano em consequência de complicações clínicas da doença e cerca de 75 milhões de pessoas na região correm o risco de contraí-la.

A enfermidade continua causando grande sofrimento e matando milhares de pessoas na América Latina, especialmente nos países mais pobres e entre as populações mais vulneráveis. Atualmente, há somente dois tratamentos disponíveis: benznidazol ou nifurtimox, ambos desenvolvidos há pelo menos 40 anos, com um longo período de tratamento, 60 dias (8 semanas), e efeitos colaterais frequentes, especialmente em adultos. A detecção precoce é essencial para melhorar a eficácia do tratamento e cura. Infelizmente o diagnóstico ocorre frequentemente nos estágios finais da doença.