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Dr. Pedro Fernando da Costa Vasconcelos é eleito presidente da SBMT

Descobridor de mais de 100 espécies de vírus na Amazônia, um dos maiores virologistas do mundo, comandará a Sociedade no biênio 2019-2021

09/08/2019
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Considerado um dos maiores especialistas do mundo em arbovírus e pioneiro no estudo do Zika no Brasil, o virologista Dr. Pedro Fernando da Costa Vasconcelos alerta que pelo menos três vírus silvestres, hoje restritos a áreas rurais, ameaçam se espalhar pelo país

Em quase quatro décadas, o Dr. Pedro Fernando da Costa Vasconcelos participou da identificação e descrição de mais de 100 espécies diferentes de vírus. O médico paraense diagnosticou, em 2014, o primeiro caso brasileiro de febre do Nilo Ocidental e descreveu pela primeira vez no Brasil as epidemias de Chikungunya no Amapá e Bahia. Também coordenou o grupo de pesquisa que esclareceu a ação do vírus da Febre Amarela em macacos, facilitando a compreensão dos fenômenos verificados em pessoas acometidas pela doença. Em 2015, seu grupo de pesquisa no Instituto Evandro Chagas (IEC), isolou o vírus Zika do cérebro de um bebê com microcefalia, filho de uma mulher do Ceará infectada na gestação. Com base nesse trabalho, o Ministério da Saúde (MS) emitiu comunicado estabelecendo a associação entre a infecção por Zika e a microcefalia. Em 2016, a epidemia se espalhou pelas Américas e o Dr. Pedro Vasconcelos representou o Brasil no comitê de emergência da Organização Mundial da Saúde (OMS) que acompanhava o assunto.

Confira abaixo entrevista com o novo presidente eleito.

SBMT: Quais arbovírus já foram reconhecidos como potencialmente perigosos e que ameaçam se espalhar pelo Brasil?

Dr. Pedro Fernando da Costa Vasconcelos: São vários os arbovírus com potencial para se disseminar e causar epidemias no Brasil. Entre os arbovírus nativos, que ocorrem há muito tempo, certamente o alfavírus Mayaro e o orthobunyavírus Oropouche causadores das febres do Mayaro e do Oropouche respectivamente, representam as maiores ameaças, pois eles têm causado surtos ou epidemias na Amazônia há várias décadas e existem evidências de expansão da circulação deles para outras áreas fora da Amazônia e para outros países. Além disso, estudos experimentais mostraram que os vetores Aedes aegypti e Aedes albopictus se mostraram suscetíveis aos mesmos. O vírus da encefalite Saint Louis é outro que tem mostrado sinais de expansão da distribuição e causado pequenos surtos na Argentina e no Brasil. Aqui em nosso país ocorreu um surto em São José do Rio Preto que foi simultâneo a uma epidemia de febre da dengue. Os chamados arbovírus exóticos que podem ocorrer sob forma epidêmica e que já ocorrem no Brasil, certamente que o vírus do Nilo Ocidental é o candidato mais forte. Transmitido por mosquitos Culex pipiens nos EUA, o VNO (WNV) foi possivelmente introduzido no Brasil por pássaros migratórios. Existem evidências sorológicas de circulação do VNO no Pantanal e na Amazônia, mas o VNO foi confirmado causando encefalites no sertão piauiense. E causou em 2017 uma epizootia em equinos no Espírito Santo. No Brasil não se conhece ainda o transmissor, mas o maior candidato é o Culex quinquefasciatus, pernilongo noturno que é amplamente distribuído no país. Quanto aos vírus exóticos que não ocorrem no Brasil, os mais prováveis são os alfavírus Ross River (originário da Austrália) e Onyong’nyong que circula na África e também na Ásia, e o flavivírus encefalite Japonesa que é originário da Ásia. Os dois primeiros são transmitidos por Aedes aegypti, enquanto o terceiro por mosquitos Culex. É preciso vigilância contínua de boa qualidade para detectar precocemente e tentar evitar a disseminação desses arbovírus caso sejam introduzidos no Brasil.

SBMT: Doenças erradicadas voltaram a ameaçar o País. Fale um pouco dos desafios que o Brasil enfrenta e o que deve ser feito para controlar as epidemias

Dr. Pedro Fernando da Costa Vasconcelos: Bom, doenças de transmissão respiratória como o sarampo e a rubéola devem ter vigilância constante para evitar o seu retorno. Veja o que aconteceu com o sarampo. Houve múltiplas introduções do vírus a partir de Roraima, cujos casos estão associados à migração de venezuelanos para esse e outros estados amazônicos, mas também em São Paulo a partir de casos importados da Europa. É difícil eliminar ou manter eliminado um vírus de transmissão respiratória se a cobertura vacinal é muito baixa, como tem sido anunciado no Brasil. É preciso fortalecer o PNI para que o Brasil volte a ser um exemplo na cobertura vacinal. Aliás, a baixa cobertura vacinal tem sido a regra para praticamente todas as doenças imunopreviníveis. Não dá para relaxar, é preciso ser incisivo e cobrar das secretarias de saúde dos estados e municípios o aumento na cobertura vacinal em todos os níveis e para todas as doenças imunopreviníveis, vincular a matrícula escolar com a carteira de vacinação em dia, enfim temos que incentivar o aumento da cobertura vacinal. Sem que ocorra melhora nas coberturas vacinais não tem como controlar ou prevenir epidemias dessas doenças.

SBMT: O seu grupo foi o primeiro a isolar o vírus Zika. A assistência às crianças que nasceram com microcefalia continua um problema? Por quê?

Dr. Pedro Fernando da Costa Vasconcelos: Sim é verdade, eu lembro que em 2015 quando aumentaram os casos de microcefalia entre recém-nascidos no Nordeste, várias hipóteses foram levantadas sobre a causalidade. É claro que já havia a suspeita de que o ZIKV era o responsável, mas ninguém conseguia demonstrar. Nós no IEC conseguimos a partir de um caso do Ceará e, em seguida, de vários casos dos estados da Paraíba, Rio Grande do Norte e Maranhão. Com base nos nossos resultados o MS e a OPAS/OMS confirmaram o nexo causal da microcefalia e outras malformações congênitas com o ZIKV.

Quanto à assistência das crianças que nasceram com microcefalia, nos primeiros meses houve muita mobilização dos meios de comunicação e da área médica e o governo da época se sensibilizou e recursos foram descentralizados para os estados mais afetados para a assistência médica e de fisioterapia e fonoaudiologia, dentre outros para amenizar os dramas familiares associados a essa situação. Infelizmente, parece que essas crianças estão esquecidas pelos atuais governos e isso é muito ruim, pois os custos para essas famílias são tremendos e, é bom lembrar, a maioria dos casos de microcefalia ocorreu na população menos favorecida, o que complica mais ainda a situação e o futuro dessas crianças.

SBMT: Em sua opinião, o que pode ser feito para que a Medicina Tropical tenha mais prioridade e visibilidade junto ao governo? O fato de o senhor ter sido diretor do IEC pode contribuir de alguma forma?

Dr. Pedro Fernando da Costa Vasconcelos: Primeiro eu devo dizer que é preciso que tenhamos um dialogo aberto e direto com as autoridades do Ministério da Saúde, sem isso nada funcionará. Como eu sou servidor do Ministério da Saúde no IEC, e mantenho bom trânsito na SVS eu penso que poderemos ter mais participação na elaboração da política para as doenças tropicais e infecciosas. Mas é bom lembrar que além da educação que deve ser priorizada nas escolas para ensinar as crianças desde o pré-escolar como se pode evitar e controlar essas doenças, é preciso um investimento enorme em saneamento, na melhoria dos atendimentos nas UBS, UPAs e na atenção terciária. As recentes epidemias de febre amarela mostraram que mesmo em hospitais de referência o atendimento precisa melhorar. Eu digo isso porque a letalidade da febre amarela entre 2016-2018 situou-se em patamares muito próximos das taxas de letalidade em anos anteriores onde os casos ocorreram em áreas remotas e sem a estrutura complexa dos hospitais nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Preparar consensos de tratamento deve ser uma prioridade para essas doenças, o que, aliás, já vem sendo construído desde o governo anterior. A SBMT certamente terá um papel fundamental nessa construção.

SBMT: A SBMT lidera uma iniciativa chamada Pró-Vacina SBMT Brasil. Em sua opinião, quais os desafios da vacinação no País atualmente?

Dr. Pedro Fernando da Costa Vasconcelos: Como falei anteriormente, é preciso aumentar a cobertura vacinal no país, sem isso não tem como prevenir ou controlar epidemias de doenças como sarampo, febre amarela e todas as outras inclusive poliomielite. Portanto, a iniciativa da SBMT em liderar o “Pró-Vacina SBMT Brasil” terá todo o apoio. Um dos maiores desafios da vacinação no Brasil é estimular as famílias, pais e responsáveis, para levar seus filhos para serem imunizados. As vacinas em muitos casos é o único meio de se prevenir a ocorrência de surtos de doenças. Volto ao sarampo, se as coberturas vacinais no Brasil fossem dentro do recomendado (acima de 95%) nós não teríamos problemas com o sarampo, mas não, as coberturas em muitos estados estavam próximo de 50%, isso quer dizer que um em cada dois cidadãos estavam suscetíveis à doença, e por isso, e eu diria somente por isso, nós estamos lidando com surtos nos estados do Amazonas, Pará, Roraima e São Paulo, gastando muito dinheiro que poderia ter sido usado para outros fins na própria área da saúde, para tentar conter a epidemia de sarampo no país. A conseqüência foi a perda da certificação de eliminação do sarampo conseguido pelo Brasil com muitas dificuldades em um país de dimensões continentais e com uma população de mais de 200 milhões de habitantes.

SBMT: Recém-eleito, o senhor assume a gestão com um grande desafio, o de sediar o 56º MedTrop. Fale um pouco sobre isso.

Dr. Pedro Fernando da Costa Vasconcelos: Bom, esse foi um dos argumentos usados pelos que me antecederam para me convencer a assumir a presidência da SBMT. Sinval Brandão, Mitermayer Reis e Marcus Lacerda me falaram sobre as dificuldades em organizar o congresso anual da SBMT, e que fica muito mais fácil quando o presidente do congresso também é o presidente da SBMT. Por isso aceitei, já que o congresso do próximo ano será em Belém, e também porque eu vi o sucesso do congresso de Recife durante a gestão do Sinval. Temos outros desafios pela frente: aumentar o número de sócios e também aumentar os que pagam regularmente a anuidade. Esses números precisam melhorar; iniciamos uma aproximação com a ASTMH (American Society of Tropical Medicine and Hygiene) e definimos que uma comissão da SBMT vai discutir em Washington, durante o congresso anual da ASTMH um acordo para uma integração entre SBMT e ASTMH. Se der certo, estenderemos para outras sociedades médicas congêneres de outros países. Esse é um grande desafio; continuar fortalecendo a Revista da SBMT; aproximar mais a SBMT com o Ministério da Saúde, especialmente com a SVS. Esses são os principais desafios, mas é claro se outros virem a ocorrer nós estaremos prontos para a SBMT contribuir com a população brasileira, principalmente as mais necessitadas, com o Ministério da Saúde, universidades e com o país!