Dra. Rosália Morais Torres é a nova presidente da SBMT no biênio 2024-2026
Com uma visão clara, a nova presidente defende políticas públicas que promovam a saúde tropical e o acesso equitativo aos cuidados de saúde
09/10/2023A Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) elegeu em sua última assembleia, durante o 58º MEDTROP, realizado entre os dias 10 e 13 de setembro, em Salvador, na Bahia, a sua nova presidente, a renomada médica com atuação nas áreas de clínica médica e cardiologia, professora Associada da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Dra. Rosália Morais Torres. Com uma carreira distinta na pesquisa e no combate a doenças tropicais, a nova presidente assume o cargo com uma visão ousada e um compromisso firme em continuar avançando na promoção da saúde tropical e na pesquisa de ponta no Brasil, assim como o compromisso de fortalecer a Sociedade e impulsionar ainda mais o avanço da Medicina Tropical no Brasil. Após treze anos, a Dra. Torres é a terceira mulher a assumir a presidência da SBMT. A primeira foi a Dra. Vanize de Oliveira Macedo (1993-1995), in memoriam, e posteriormente a Dra. Maria Aparecida Shikanai Yasuda (2009-2011). A eleição da Dra. Torres representa um momento importante para a Sociedade, que tem desempenhado um papel fundamental na pesquisa, educação e conscientização sobre doenças tropicais no Brasil há mais de meio século.
Com destaque na comunidade científica brasileira e internacional, a Dra. Torres, com sua formação em Medicina Tropical, tem vasta experiência no diagnóstico e tratamento de doenças tropicais, que a tornaram uma autoridade em seu campo, sendo reconhecida por suas contribuições significativas na doença de Chagas.
Confira abaixo entrevista com a nova presidente eleita.
SBMT: Dra. Rosália, primeiramente parabéns por ter sido eleita presidente. Como se sente em relação a essa importante responsabilidade?
Dra. Rosália Morais Torres: Muito obrigada pela gentileza de suas palavras. Sinto-me muito grata e honrada pela confiança depositada em mim e nos pesquisadores integrantes da Chapa Inovação e Ciência. Essa confiança é muito importante para que possamos levar adiante nossa missão nos próximos dois anos. Estou muito consciente do desafio que será estar à frente da SBMT, uma sociedade composta por muitos pesquisadores de renome e profissionais que atuam nas mais diversas áreas do conhecimento que dedicam suas vidas às doenças tropicais, especialmente as Doenças Tropicais Negligenciadas (DTNs), doenças que afetam quase dois bilhões de pessoas que vivem nas comunidades mais pobres e marginalizadas do mundo.
Agradeço também pela confiança que depositaram em mim os membros da nossa chapa, André Siqueira (vice-presidente), Marcia Hueb (1° Secretária), Luciano Pamplona de Góes Cavalcanti (2° Secretário), Cleudson Nery de Castro (1° Tesoureiro) e Rodrigo Gurgel Gonçalves (2° Tesoureiro).
SBMT: Qual foi a motivação por trás de sua candidatura à presidência da Sociedade?
Dra. Rosália Morais Torres: Fiz parte da diretoria da SBMT nos últimos dois anos, participei da coordenação do Congresso da SBMT que ocorreu em Minas Gerais em 2018 e também atuei como editora chefe da Newsletter. Participei das comissões científicas e organizadoras de Congressos da Sociedade e fui coordenadora da Reunião ChagasLeish de 2011, em Uberaba. Essas atuações me deram oportunidade de concentrar meu foco em Medicina Tropical e reforçaram minha percepção de como todos nós devemos contribuir com nosso conhecimento, habilidades e ideais para um bem maior, que é a ciência a favor da saúde e do bem estar das pessoas, especialmente quando voltada para os menos favorecidos. Uma maneira de fazer isso é ter participação mais ativa na SBMT que, desde sua criação tem, entre seus diversos objetivos, o compromisso de apoiar órgãos públicos e particulares no enfrentamento e controle de doenças tropicais, infecciosas e parasitárias, promover e incentivar estudos e pesquisas relativos à Medicina Tropical, estimular educação permanente e divulgar conhecimentos técnico-científicos relacionados com a Medicina Tropical em vários formatos possíveis como congressos, reuniões, revista, newsletter, cursos, entre outros.
Essas foram motivações pessoais, mas nossa motivação, como equipe, está expressa no nome da nossa chapa: Ciência e Inovação. Acreditamos na força da inovação aplicada à ciência com rigor ético e científico e temos certeza de que ciência e tecnologia podem e devem andar juntas. A inovação pode ser um elo precioso para levar as descobertas científicas aos pacientes e às comunidades que precisam delas. Pode, também, contribuir enormemente para a modernização da comunicação e da disseminação do conhecimento dentro da nossa própria sociedade mediante utilização das várias formas de educação e comunicação mediada por tecnologias. Esperamos trabalhar em estreita colaboração com o setor público e privado para garantir que as inovações em saúde tropical cheguem às mãos de quem mais precisa, de forma acessível e eficaz.
SBMT: A senhora é a terceira mulher a assumir a presidência da SBMT. Qual a importância desse marco para a igualdade de gênero dentro da SBMT? Acredita que agora teremos uma maior participação do público feminino?
Dra. Rosália Morais Torres: A presença de mulheres em cargos de liderança ainda quebra estereótipos, contribui para igualdade de gênero, inspira e estimula outras mulheres a seguirem seu próprio caminho tanto na área acadêmica e quanto profissional. Há muitas mulheres que se destacam e têm atuações brilhantes dentro da área da saúde e da ciência e as duas ex-presidentes da SBMT que me antecederam são exemplos que também me inspiram.
Mas há, claramente, aspectos a considerar sobre a importância de uma mulher assumir a presidência da SBMT ou qualquer outra posição de liderança. Sabemos que as oportunidades nem sempre são iguais para todas e que a mulher, em muitas regiões do globo, ainda vive à margem de cargos de liderança. Isso se reflete em diversos segmentos de sua vida, inclusive remuneração, reconhecimento e autoestima.
Todos nós temos nossas qualidades, experiências e competências; as oportunidades dadas a uma pessoa devem ser guiadas não pelo seu gênero, mas sim porque aquela pessoa carrega, de alguma forma, as expectativas da comunidade que representa e a competência para exercer seu cargo.
Neste ano, a SBMT terá também outra liderança feminina, pois a Presidência do 590 Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical será da pesquisadora Hiro Goto (USP) e, na Diretoria da SBMT, há mais quatro mulheres atuando: Márcia Hueb (UFMT), Maria Aparecida Shikanai (USP), Angela Junqueira (Fiocruz RJ) e Tânia Chaves (UFP). Na Newsletter atualmente temos, além de mim, Alda Cruz (Fiocruz RJ) e Denise de Quadros, nossa jornalista. Como podemos ver, há cada vez mais mulheres nas universidades e mais mulheres atuando em diversas áreas, o que inclui o meio acadêmico-científico e a área da saúde como um todo; isso nos leva a acreditar que a participação feminina será cada vez mais significativa na área científica e dentro da SBMT, sendo todas muito vindas.
SBMT: Poderia nos falar um pouco sobre sua área de especialização e sua trajetória profissional até aqui, bem como a sua experiência na área da Medicina Tropical?
Dra. Rosália Morais Torres: Sou formada em Medicina e em Farmácia e Bioquímica pela UFMG. Sou professora e pesquisadora na Faculdade de Medicina da UFMG e fiz minha pós graduação em Medicina Tropical, com foco em doença de Chagas, cardiopatia chagásica. Durante quinze anos atuei como chefe do Setor de Ecocardiografia do Hospital das Clínicas da UFMG e minhas pesquisas em doença de Chagas foram direcionadas para os aspectos clínico-cardiológicos da doença de Chagas, ecodopplercardiografia e eletrocardiografia. Desde 2006 desenvolvo, em parceria com a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), pesquisas de campo em doença de Chagas no vale do Jequitinhonha, Minas Gerais. Atuei ativamente no Consenso de doença de Chagas de 2006 – coordenando a parte de cardiopatia chagásica – e participei também do Consenso de doença de Chagas de 2015. Contribuí ainda, como co-autora, da Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) sobre Diagnóstico e Tratamento de Pacientes com Cardiomiopatia da Doença de Chagas (2023). Como professora da Faculdade de Medicina da UFMG, tive oportunidade de me agregar ao Centro de Tecnologia da Faculdade (sim, este é o meu viés tecnológico), onde atuo, desde 2008, na área de tecnologias da informação aplicadas à educação médica, telemedicina e projetos de ponta na área tecnológica. Atualmente coordeno esse Centro de Tecnologia em Saúde (Cetes) e o Nuclead, que é o Núcleo de Educação a Distância da Faculdade de Medicina da UFMG, bem como o programa AVAS21, voltado para inserção da Tecnologia no ensino na área da saúde.
SBMT: Como a senhora enxerga a Medicina Tropical no cenário atual da saúde?
Dra. Rosália Morais Torres: A saúde de um se reflete na saúde de todos, e é essa a lição que devemos aprender e incorporar.
Questões importantes envolvem o controle e o tratamento de doenças de populações negligenciadas como malária, dengue, doença de Chagas, entre muitas outras. A pesquisa e o esforço para prevenção dessas doenças mediante criação de vacinas certamente constitui área de foco crítico na saúde global. A conscientização sobre doenças negligenciadas e o compromisso global de lidar com as doenças tropicais negligenciadas tem aumentado, mas ainda existem desafios consideráveis a serem superados para melhorar a saúde das populações afetadas, o que é bastante complexo, pois envolve políticas públicas, saneamento básico, inserção social, educação e, acima de tudo, vontade de todos os envolvidos em promover a saúde global.
Outro aspecto importante é a educação. Melhorar a educação em doenças tropicais requer esforço colaborativo de governos, organizações não governamentais, instituições de pesquisa e comunidades. A promoção do conhecimento sobre doenças tropicais e a educação dos profissionais de saúde envolve hoje, necessariamente, o uso de tecnologias em um mundo que se transforma cada vez mais rapidamente. Temos certeza de que a SBMT poderá continuar a contribuir muito neste quesito e crescer com novas propostas nesta área, tendo-se em mente que a educação é um processo contínuo, pois só assim contribuirá, efetivamente, para melhorar a qualidade de vida das pessoas e favorecer a redução da incidência das doenças tropicais.
SBMT: Como a senhora vê o futuro da Medicina Tropical em termos de inovações médicas e avanços tecnológicos?
Dra. Rosália Morais Torres: Ciência, inovação e avanços tecnológicos podem impactar significativamente na prevenção, no diagnóstico e no tratamento das doenças tropicais. Ainda nesta década, haverá grandes transformações neste cenário, destacando-se o desenvolvimento de vacinas avançadas e mais eficazes. Neste quesito, já estamos vivendo esse “futuro” com as recomendações recentes, feitas pela OMS, de adoção das vacinas para malária, que vão salvar milhares de vida em todo o mundo, especialmente de crianças. Devemos esperar, também, surgimento de terapias inovadoras envolvendo técnicas avançadas de terapia genética para combate às doenças tropicais. Adicionalmente, os avanços tecnológicos começam a tornar os testes diagnósticos mais rápidos, acessíveis e precisos e o uso ético de dados da IA pode ajudar na previsão de surtos de doenças tropicais, no desenvolvimento de estratégias de intervenção mais eficazes e precisas, na busca por novos fármacos, além de inúmeras outras possibilidades. Mosquitos geneticamente modificados, terapias personalizadas, tudo isso pode sair do patamar de sonho para realidade se estivermos engajados em pesquisa contínua, em parcerias globais e comprometidos, como sociedade, na facilitação do acesso a medicamentos e tratamentos pelas populações afetadas. Neste contexto, a SBMT tem grandes contribuições a fazer, estimulando e divulgando as pesquisas, contribuindo para formulação de políticas para lidar com as questões que afetam diretamente a saúde das populações envolvidas e ajudando a promover o vínculo entre ciência, tecnologia e educação.
SBMT: Quais conselhos daria a estudantes e profissionais de saúde, em especial às mulheres que estão seguindo carreiras na medicina ou desejam se envolver em áreas especializadas como a Medicina Tropical, com base em sua própria trajetória?
Dra. Rosália Morais Torres: A Medicina Tropical é uma área multifacetada, que engloba medicina, pesquisa, saúde pública e trabalho de campo. Abrange várias profissões, várias linhas de pesquisa e atuação em diversas áreas, como medicina, enfermagem, farmácia, bioquímica, biologia, epidemiologia, infectologia, entre outras. Dentro de cada área abraçada pela Medicina Tropical, pode-se dizer, com certeza, que o profissional terá uma carreira gratificante, que o fará sentir a importância de sua atuação na saúde das populações vulneráveis em todo o mundo.
Como membros da diretoria da SBMT, consideramos que é essencial promover a educação científica e a formação de jovens pesquisadores em Medicina Tropical. Eles são o futuro da nossa sociedade e a chave para enfrentar desafios atuais e futuros. Já temos uma ação importante neste sentido, pois a SBMT promove, em seu congresso anual, o prêmio Jovem Pesquisador. A premiação dos melhores trabalhos apresentados por alunos (de graduação, mestrado e doutorado) ocorre em uma cerimônia especial durante a abertura do congresso. O objetivo é exatamente valorizar, divulgar, estimular e atrair, para atuação dentro da Medicina Tropical, estes estudantes. Parafraseando nosso querido Júlio Croda: a valorização dos nossos jovens pesquisadores contribui para a renovação da nossa sociedade e incentiva recém graduados e alunos de pós graduação a seguirem como tropicalistas e ter um olhar diferenciado para as doenças negligenciadas.
Para as mulheres, especificamente, a mensagem é: há lugar para vocês em todas as áreas, acreditem em si mesmas, sigam seus caminhos e, se quiserem seguir nesta área de atuação, serão muito bem acolhidas neste “coração tropical”, que é a SBMT.
Em sua primeira declaração após a eleição, a Dra. Torres expressou sua gratidão pelo voto de confiança dos associados da SBMT e delineou as principais prioridades para seu mandato. Confira aqui discurso de posse.
**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**