_destaque, Notícias

Epidemia de chikungunya afeta o Brasil e aumentam número de casos e mortes

Até o final de abril foram notificados 86,9 mil casos da doença, com taxa de incidência de 40,7 casos por 100 mil habitantes

09/06/2023

Nas Américas, os casos de chikungunya quase triplicaram, passando de 50 mil em 2022 para 135 mil nos primeiros meses de 2023

O Brasil enfrenta uma alarmante epidemia de chikungunya. Os dados revelam uma situação preocupante, com uma expansão geográfica e um crescimento significativo nos casos. Segundo o Ministério da Saúde, até o final de abril foram notificados 86,9 mil casos da doença, com taxa de incidência de 40,7 casos por 100 mil habitantes no País. Quando comparado com o mesmo período de 2022, ocorreu um aumento de 40%. Neste ano, foram 19 óbitos confirmados. As maiores incidências da doença estão no Tocantins, Minas Gerais, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul.No cenário global, a situação não é menos alarmante e a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem alertado para o aumento de casos de dengue, chikungunya e Zika ao redor do mundo. O vírus do chikungunya está presente em 115 países. A região das Américas é particularmente afetada em número de infecções e mortes. Regionalmente, a OMS avalia o risco como alto devido à presença generalizada de mosquitos vetores, bem como a expansão fora das áreas históricas de transmissão, onde toda a população, incluindo grupos de risco e profissionais de saúde, podem não estar cientes das manifestações clínicas da doença, incluindo quadros graves. De acordo com a líder técnica da OMS para Zika e chikungunya e co-líder da Iniciativa Global do Arbovírus, Diana Rojas Alvarez, os casos de chikungunya nas Américas quase triplicaram, passando de 50 mil em 2022 para 135 mil nos primeiros meses deste ano. O país mais afetado é o Paraguai, que registrou sua pior epidemia na história com 138.730 casos. Argentina e Uruguai também relataram transmissão local pela primeira vez em 2023 e a Bolívia registra altos níveis de transmissão de chikungunya (1.150 casos).

O médico epidemiologista e professor de Epidemiologia e Bioestatística na Faculdade de Medicina São Leopoldo Mandic de Campinas, Dr. André Ribas Freitas, explica que a situação epidemiológica das arboviroses em geral tem sido bastante desfavoráveis e anualmente temos presenciado epidemias. Segundo ele, com a pandemia de Covid houve uma retração no número de casos em razão das pessoas ficarem em isolamento e também, de algum modo, um cuidado maior com o espaço doméstico, contribuiu para o controle da doença. “Entretanto, agora com o retorno às atividades de rotina, com os habituais problemas na destinação de resíduos sólidos e adensamento populacional em grandes cidades, tudo isso aliado à mudança climática, são fatores que favorecem o aumento no número de casos e da área de ocorrência de chikungunya”, acrescenta.

Questionado se há variações genéticas do vírus atualmente em circulação no Brasil, que podem estar associadas ao aumento no número de casos e de mortes, o pesquisador ressalta que não há nenhuma evidência de uma mudança no perfil genético. “Ele é um vírus bastante agressivo e com uma taxa de letalidade relativamente alta quando comparada a outras doenças semelhantes. Ocorre que, muitas vezes, não conseguimos identificar fielmente o número de óbitos, então temos a impressão de que em determinado ano há mais óbitos, mas isso ocorre devido a uma investigação mais detalhada”, esclarece o pesquisador.

Desafios

A disseminação rápida e agravamento da doença têm gerado desafios para autoridades de saúde pública e profissionais de saúde. De acordo com o Dr. Freitas, em relação ao diagnóstico, o grande desafio é a possibilidade de clinicamente haver uma confusão bastante grande com a dengue e outras arboviroses. Outra questão mencionada é que, muitas vezes, faltam exames diagnóstico clínico. O epidemiologista cita ainda a dificuldade em relação ao exame de biologia molecular, indisponível em várias regiões do País, dificultando o diagnóstico mais preciso e nas fases iniciais da doença.

“Outra complexidade do chikungunya é o fato de não sabermos exatamente quais são as possibilidades terapêuticas que poderiam evitar o óbito. Não há tratamento antiviral disponível. O tratamento atualmente é voltado ao suporte clínico de eventuais complicações circulatórias, respiratórias ou neurológicas”, enfatiza. Apesar de as complicações clínicas mais comuns associadas ao chikungunya serem o quadro clínico agudo com dor articular intensa, inclusive dores incapacitantes, que podem levar à cronificação, as complicações mais graves são as que afetam o sistema cardiovascular, o sistema respiratório e o sistema nervoso central. O chikungunya pode causar instabilidade hemodinâmica por lesão cardíaca direta do vírus ou por inflamação sistêmica, as alterações neurológicas vão desde neurite, mielite até encefalite, meningite etc.

O professor admite que a taxa de letalidade é outra questão bastante difícil de ser estabelecida, uma vez que nem todos os casos são diagnosticados adequadamente, assim como os que evoluem a óbito muitas vezes não são reconhecidos. “A sobreposição clínica e a dificuldade de diagnóstico diferencial entre um paciente com chikungunya e com dengue, faz com que muitas vezes este paciente seja identificado equivocadamente com dengue, uma arbovirose mais comum. Ou seja, a dificuldade de diagnóstico mascara a identificação do tamanho do problema da morte associada ao chikungunya”, assinala.

Os esforços para conter a propagação da doença estão sendo intensificados. Campanhas de conscientização e para educar a população sobre medidas de prevenção, como eliminar possíveis criadouros de mosquitos e uso de repelentes foram lançadas pelo Ministério da Saúde, que também disponibilizou um painel atualizado regularmente com os principais dados das arboviroses e a situação epidemiológica do País. Acompanhe aqui.

As autoridades de saúde têm trabalhado em estreita colaboração com especialistas e instituições de pesquisa para aprimorar o conhecimento sobre a doença e desenvolver estratégias mais eficazes. No Brasil existem várias iniciativas para melhorar a compreensão dos fatores de risco associados ao agravamento do paciente com chikungunya. Uma delas é a Rede de Pesquisa Clínica e Aplicada em Chikungunya (Replick). O Dr. Freitas conta que neste consórcio tem se discutido vários aspectos referentes aos protocolos e sua expectativa é de que nos próximos anos possa haver alguma elucidação sobre quais os fatores associados ao agravamento e também sobre o tratamento a ser instituído para evitar as complicações da doença.

Especialistas alertam para a necessidade de investimentos em pesquisas científicas para o desenvolvimento de vacinas e tratamentos mais eficazes contra a doença e diagnóstico precoce. A colaboração entre os países afetados, a OMS e outras instituições internacionais é essencial para enfrentar essa ameaça global. É importante que todos os setores da sociedade se unam no enfrentamento à epidemia. A colaboração entre governos federal, estadual e municipal também é fundamental. Diante do aumento dos casos no Brasil e no mundo, governos e comunidades devem intensificar seus esforços na prevenção e no combate à doença. As pessoas devem se envolver ativamente na eliminação de possíveis criadouros de mosquitos em suas residências e áreas comunitárias. A prevenção, a conscientização e a adoção de medidas efetivas de controle são as principais armas para combater a disseminação do vírus.

Por fim, o Dr. Freitas lembra que a chikungunya afeta todas as faixas etárias indistintamente, contudo, portadores de doenças preexistentes (principalmente diabetes, hipertensão, doença cardiovascular), crianças com menos de 5 anos e idosos, apresentam maior suscetibilidade às formas clínicas graves. Esse grupo também apresenta taxa de letalidade mais alta. Apesar de ser mais frequente o óbito entre pacientes com comorbidades, pessoas sem doenças prévias e adultos jovens, que não fazem parte do grupo de risco, também correm risco de morte. “Ainda que, seja uma doença pouco conhecida no Brasil, é preciso reconhecer que ela é potencialmente grave e o agravamento não é exclusivamente associado a dor articular, pode levar a formas graves no aparelho circulatório, no sistema nervoso central etc. Por isso, é importante identificar precocemente a ocorrência do chikungunya em suas localidades, para que o suporte clínico possa ser realizado e as ações de controle tomadas, de acordo com a necessidade”, frisa. Enfrentar uma epidemia de chikungunya é um desafio complexo, mas com ações rápidas e eficazes, é possível reduzir o número de casos e de mortes associadas à doença.

Panorama epidemiológico do vírus no Brasil

Um estudo intitulado “Spatiotemporal dynamics and recurrence of chikungunya virus in Brazil: an epidemiological study”, publicado na revista científica The Lancet Microbe, em 6 de abril, detalha a disseminação do vírus chikungunya desde sua introdução no Brasil. A pesquisa, que conta com a participação da Universidade de São Paulo (USP), analisou 253.545 casos confirmados em laboratório entre 2013 e 2022. De acordo com os dados, a doença se distribuiu pelo País de forma heterogênea, sendo que cidades mais afetadas apresentaram alguma proteção a novos surtos, enquanto municípios menos expostos a ondas anteriores permaneceram mais suscetíveis. O Ceará foi o estado mais afetado, com 77.418 casos durante as três maiores ondas epidêmicas, ocorridas em 2016, 2017 e 2022.

Para o estudo foram utilizados dados de sequenciamento genômico, informações do vetor e dados clínicos agregados de casos. Posteriormente foi avaliada a dinâmica espaço-temporal da doença por meio de séries temporais, mapeamento, distribuição por idade e sexo, letalidade e análises genéticas etc. Entre março de 2013 e junho de 2022, foram notificados 253.545 casos confirmados em laboratório em 3.316 (59,5%) dos 5.570 municípios, distribuídos principalmente em sete ondas epidêmicas de 2016 a 2022.

Sobre a doença

A chikungunya é causada pelo vírus CHIKV, transmitido principalmente pelo mosquito Aedes aegypti, o mesmo vetor responsável pela disseminação da dengue e da zika. A doença foi inicialmente identificada no Brasil em 2014 e, desde então, tem se espalhado rapidamente, afetando milhões de pessoas em todo o País. Os sintomas incluem febre (que pode ser alta), dores articulares intensas, dores de cabeça, erupções cutâneas e fadiga. Os sintomas podem ser debilitantes e durar semanas, de forma a afetar significativamente a capacidade das pessoas de realizar suas atividades diárias. A maioria dos pacientes se recupera completamente, contudo, uma porcentagem significativa desenvolve complicações graves, que podem levar à morte.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**