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Epidemia de sífilis congênita é uma vergonha para o País, diz presidente da Sociedade Brasileira de DSTs

É preciso agir em problemas estruturais, como a falta de qualificação para o diagnóstico

09/01/2017
Especialistas

Especialistas defendem que o desabastecimento de penicilina benzatina está entre os motivos do aumento dos casos

O aumento dos casos de sífilis no Brasil preocupa especialmente pelo alto número de transmissões da doença da mãe para o feto, conhecidas como congênitas. Alguns fatores vêm sendo apontados para explicar esse cenário, como problemas na divulgação do diagnóstico e do tratamento e até mesmo devido ao aumento de diagnósticos realizados nos últimos anos. Mas, independente dos motivos, a epidemia de casos congênitos da doença é uma vergonha para o País, de acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), doutor Mauro Romero. “Se existe uma vergonha para a saúde pública no Brasil é a sífilis congênita. Porque nós temos exames, existe remédio simples, fácil e barato e há como atingir essas pessoas infectadas de forma rápida e ampla”, afirma o médico, que também é professor titular do Setor de DST da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Entre os anos de 2014 e 2015, os casos de sífilis adquirida no Brasil aumentaram em 32,7%, assim como cresceram também as ocorrências em gestantes (20,9%) e as congênitas (19%). Com isso, foram 6,5 casos de sífilis a cada mil nascidos vivos apenas em 2015, número 170% maior ao registrado em 2010. A situação mais preocupante é a do estado do Rio de Janeiro, onde são 12,4 casos a cada mil nascidos vivos.

Apesar do número alto de casos em grávidas e fetos, houve também aumento da cobertura de testes de sífilis no pré-natal, segundo o Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde (DDAHV). Isso desde a entrada desse diagnóstico no rol de procedimentos da Rede Cegonha, em outubro de 2012. “Além disso, há ainda resistência dos profissionais de saúde em aplicar a penicilina na atenção básica com receio de reação alérgica, apesar das revogações das portarias, permitindo a aplicação da medicação sem os aparatos de emergência”, esclarece a diretora do Departamento de DST/Aids do órgão, Adele Benzaken.

Diante do quadro, o Ministério da Saúde iniciou uma série de estratégias para conter o avanço da doença, em parceria com associações e conselhos de classe. Entre elas, a ampliação de testagem; mobilização de gestores e profissionais de saúde para oferecer o exame e o tratamento da sífilis congênita durante o pré-natal; ampliação do diagnóstico (por meio de teste rápido) e o tratamento com penicilina tanto da gestante como do parceiro. Mas, além dessas ações, o Dr. Mauro acredita que é preciso agir em problemas estruturais, como a falta de qualificação para o diagnóstico. “Identifico problemas como exames e tratamentos demorados e formação médica pobre e sensibilizada para atuação eficiente na área das DST. É preciso criar subespecialidades médicas específicas para doenças sexualmente transmissíveis”, aponta ao acrescentar que se não conseguirmos diminuir os casos de um ano para o outro, somos incompetentes para lidar com o problema.

 

Pesquisa: prevenção não é prioridade

Autoridades no tema defendem a necessidade de maior divulgação de todas as informações sobre sífilis e outras DSTs junto à sociedade, especialmente quando uma pesquisa do Ministério da Saúde mostra que a precaução não é uma prioridade, mesmo a população sabendo que deve se prevenir.

Estudo, feito em 2013 com 12 mil homens e mulheres com idades entre 15 e 64 anos, mostra que 94% dos entrevistados dizem saber a importância do uso de preservativos, mas apenas 23,5% dos participantes da pesquisa admitiram ter usado preservativo em todas as relações sexuais nos últimos 12 meses. O levantamento – chamado de Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas na População Brasileira (PCAP) – foi publicado em 2016. Para o Dr. Mauro, a preocupação com doenças como a sífilis nunca foi grande no Brasil, tanto que os casos sempre foram altos. “E não se pode colocar a culpa pela falta de penicilina (principal antibiótico usado no tratamento da doença), que ocorreu só há um/dois anos, ressalta.

Alguns especialistas defendem que o desabastecimento de penicilina benzatina, que vem afetando países em todo mundo desde 2014, está entre os motivos do aumento do número de casos. Segundo a Pasta da Saúde, o governo brasileiro, em caráter emergencial, adquiriu 2,7 milhões de frascos do antibiótico, com prioridade na prescrição para grávidas e seus parceiros. Ainda de acordo com o órgão, o Brasil aumentou em mais de quatro vezes a quantidade de testes distribuídos a estados e municípios, passando de 1,1 milhão em 2001 para 6,1 milhões em 2015. Além disso, também de acordo com o Ministério, até agosto do ano passado, já foram enviados 3 milhões de testes para todo o País.

Para o presidente da Sociedade Brasileira de DSTS, é preciso ampliar o debate sobre essas doenças especialmente nos colégios. “As escolas não querem falar sobre isso, dizendo que vai incentivar a atividade sexual. Enquanto tivermos esse pensamento dificilmente vamos alcançar os jovens. Precisamos difundir mais as informações, seja na televisão, na escola ou em casa”, acredita o médico. Um exemplo de falta de informações, segundo ele, é o da vacina contra o HPV, doença sexualmente transmissível que causa lesões genitais e câncer. As campanhas de imunização em meninas de 9 a 13 anos, entre 2014 e 2015, foram consideradas exitosas e alcançaram adesão de até 92,3%. Mas, até março do ano passado, apenas 69,5% do público-alvo havia tomado a primeira dose da vacina. Quanto à segunda, o resultado foi ainda pior: 43,73%.

“Cadê o debate? Cadê a cobrança? As vacinas estão nos postos de saúde e vão estragar. Temos que debater mais, As sociedades tinham que ser mais ativas, mais unidas, para bater firme em termos de educação e saúde”, diz o professor da UFF. Sobre o baixo índice de adesão na campanha de HPV deste ano, o Ministério da Saúde informou que a iniciativa foi prejudicada pela divulgação de informações erradas sobre supostos efeitos colaterais da vacina, que posteriormente foram descartados. Mas, apesar das dificuldades, o professor Mauro se revela otimista. Estou seguro de que nunca vi um momento tão propício para avançarmos para a diminuição do número de casos de sífilis, especialmente a congênita. Desta vez estamos vendo boa organização de setores, do Ministério da Saúde, das sociedades médicas, órgãos de classe etc. Se tivermos engajamento da Pasta da Educação, das secretarias municipais e estaduais, profissionais da ponta do atendimento, bem como da grande mídia, quem sabe conseguimos fazer uma grande mobilização com um dia nacional de testagem para sífilis em todas as gestantes do País. Quem sabe, também, em seguida se possa chegar nos parceiros sexuais dessas mulheres, sugere.