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Esporotricose: startup cria teste sorológico para diagnóstico da doença em gatos e humanos

Pesquisadores iniciaram agora o estudo para validar o teste da esporotricose canina

05/02/2022
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É difícil estimar a magnitude real da epidemia, uma vez que a esporotricose não é uma doença de notificação compulsória pelos órgãos de saúde pública

Considerada pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) como uma hiperendemia zoonótica, a maior da história da Micologia no mundo, a esporotricose humana e felina causada pelo novo patógeno Sporothrix brasiliensis, descoberto em 2007, alastra-se no Brasil sem qualquer perspectiva de controle epidemiológico e acende um alerta com o aumento de casos registrados a cada ano. Por não ser uma doença de notificação compulsória pelos órgãos de saúde pública é difícil estimar a magnitude real desta epidemia silenciosa, uma vez que os casos podem estar subnotificados, ou não sendo diagnosticados corretamente, pois ainda há desconhecimento por parte de médicos e veterinários sobre a epizootia. A espécie zoonótica Sporothrix brasiliensis é responsável por mais de 90% destes casos. Em agosto de 2019, a OPAS emitiu alerta para a doença na América do Sul.

A partir de 2000, o número de casos em seres humanos e animais cresceu exponencialmente e atualmente a esporotricose humana ocorre em 22 estados, os quais representam as principais áreas endêmicas e são relatadas diferentes formas clínicas da doença. O aumento do número de casos justifica-se pelo descaso das autoridades competentes em conter a epidemia logo no início, levando a seu desenvolvimento desenfreado, além da ausência de um programa ou de ações de controle a nível nacional, falta de medicação gratuita facilmente disponível para o tratamento, tanto em humanos quanto em animais, bem como pelo desconhecimento da população sobre as medidas de controle. Nos últimos cinco anos, foram registrados casos da doença tanto em animais como em humanos em todas as regiões do Brasil, com um aumento de até 600% no número de pacientes notificados.

A falta de capacidade de fazer diagnósticos na maioria dos municípios atingidos é outro entrave. Com o objetivo de produzir um teste para diagnóstico da esporotricose causada por Sporothrix brasiliensis, a startup BioInsumos e Diagnósticos (BiDiagnostics) desenvolveu, com apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São (FAPESP), um teste sorológico chamado Sporothrix-ELISA humano e felino. Todo o trabalho teve como base os estudos realizados pela Dra. Leila M. Lopes Bezerra, que dedicou os últimos 20 anos para estudar e caracterizar antígenos da parede celular de fungos, glicoconjugados. A partir daí foi possível identificar um antígeno específico para o diagnóstico sorológico da esporotricose humana. O novo teste, cujo protocolo foi inteiramente modernizado, foi validado clinicamente em pacientes atendidos pelo Instituto de Infectologia Emílio Ribas, durante o primeiro projeto PIPE.

O novo teste, que foi modificado pela BIDiagnostics, além de agilizar o diagnóstico, pode diminuir os custos com internação pela demora ou diagnósticos errôneos. A Dra. Lopes-Bezerra explica que o teste Micológico continua sendo um padrão-ouro pelo isolamento do fungo Sporothrix spp e sua conversão na fase leveduriforme. Entretanto, como o Sporothrix é um fungo de crescimento lento, este processo de cultivo, padrão do teste, demora pelo menos 15 dias, podendo alcançar até 1 mês. “Além disso, não raro, a cultura contamina ou a coleta não resulta positiva. Neste sentido o teste sorológico para pesquisa de anticorpos (IgG) anti-Sporothrix permite uma resposta rápida ao clínico para início do tratamento. O teste é realizado em menos de 12 horas”, destaca a pesquisadora. Ainda de acordo com ela, outra vantagem é permitir o diagnóstico diferencial entre doenças que podem ser clinicamente similares, como a Leishamniose Tegumentar (LT). “Nosso protótipo se mostrou eficaz em discriminar pacientes com esporotricose do grupo de pacientes com LT, ambos padrão-ouro”, complementa. As duas doenças são hoje endêmicas no Brasil.

Questionada sobre a taxa de falsos negativos, a bioquímica afirma que o teste Sporothrix-ELISA humano teve um Valor Preditivo Positivo de 82%, ou seja, apenas 18% de falsos negativos, tanto para o grupo padrão-ouro quanto para o grupo de suspeitos confirmados por outras metodologias. “Para isso, em parceria com o Dr. José Angelo Lindoso, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, foi realizada um estudo duplo-cego, em que todos os pacientes clinicamente suspeitos foram testados sorologicamente e pelo teste micológico (confirmado por PCR)”, aponta. Até o momento, não existe nenhum produto com essa tecnologia no mercado. “Nosso teste, além de mais barato e acessível, usa tecnologia nacional, com alta qualidade e é eficaz em diagnosticar pacientes infectados por S. brasiliensis, S. globosa e S. schenckii. Ou seja, ele identifica anticorpos IgG contra Sporothrix spp”, lembra a pesquisadora ao enfatizar que a BIDiagnostics quer chegar ao mercado internacional, ser reconhecida como a primeira empresa 100% brasileira na área de testes diagnósticos para infecções fúngicas, que nasceu na academia e colocou o conhecimento acadêmico a serviço da sociedade.

Em relação à expectativa de produção em larga escala e para que estejam disponíveis nas unidades de saúde de todo o Brasil, a Dra. Lopes-Bezerra conta que foi estabelecida uma parceria com a Merck do Brasil e a previsão é que as etapas de pré-escalonamento industrial e prototipagem do teste humano seja concluída nos seis primeiros meses deste ano. Finalizadas estas etapas o produto pode ser lançado no mercado, com parceiros industriais e certificados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Enquanto isso, dentro do que faculta a legislação em vigor, o teste Sporothrix-ELISA in house (“research use only”) está disponível aos médicos por meio de parceria com o Laboratório de Investigação Médica (LIM 53) do Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da USP e a Rede DASA.

Recentemente a BiDiagnostics desenvolveu, também com o apoio do PIPE, da FAPESP, um novo teste rápido para diagnóstico da esporotricose transmitida pela espécie Sporothrix brasiliensis em gatos. “O teste imunocromatográfico (LFA), popularmente conhecido como teste rápido, é um teste de triagem no momento da consulta, dentro do conceito de Point of Care, que pode ser utilizado sem necessitar de estrutura laboratorial em qualquer região, mesmo a mais distante dos grandes centros. Em um país como o Brasil, de dimensões continentais e lugares de difícil acesso à estrutura de Saúde, isso é uma grande vantagem”, atenta a pesquisadora. Com um método minimamente invasivo, o teste garante um diagnóstico mais rápido e preciso da esporotricose e poderá ser utilizado diretamente nos consultórios veterinários para triagem diagnóstica, acelerando o tratamento e melhorando as chances de cura, uma vez que até o momento não existem ferramentas diagnósticas para a esporotricose felina que possam ser diretamente utilizadas pelo médico veterinário no consultório. O teste LFA ainda não foi validado clinicamente, contudo foi realizado todo o protocolo funcional para a validação nas fases seguintes do projeto.

Os pesquisadores da startup, incubada no Centro de Inovação e Empreendedorismo da Universidade de São Paulo (CIETEC /USP), iniciaram agora estudos para validar o teste para a esporotricose canina. A Dra. Lopes-Bezerra revela ainda que a empresa tem como meta de médio prazo o teste rápido para diagnóstico humano. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estuda a inclusão da esporotricose na lista de doenças fúngicas negligenciadas. Um dos desafios apontados é a carência de um teste laboratorial eficaz para o pronto diagnóstico da esporotricose humana, que possa distingui-la de outras infecções que apresentam quadro clínico similar, em especial, a Leishmaniose Tegumentar. Outro desafio levantado é o diagnóstico chegar a pacientes que vivem em regiões remotas. Ao que tudo indica, os testes sorológicos como o Sporothrix-ELISA e o LFA resolveriam estes problemas.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**