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Febre maculosa: pesquisadores buscam vacina contra doença

Apesar de ser uma meta da OPAS estimular que os cientistas desenvolvam vacinas eficazes contra as Rickettsioses e as Ehrlichiose, ainda estamos longe do imunizante

10/07/2023

Desenvolvimento de uma vacina requer tempo e rigor científico. A segurança e eficácia são prioridades durante todo o processo de pesquisa e desenvolvimento

A febre maculosa, doença transmitida por carrapatos, tem preocupado autoridades de saúde e especialistas há décadas. Causada pela bactéria Rickettsia rickettsii, a doença pode levar a complicações graves e até mesmo à morte se não for tratada precocemente. Apesar da gravidade e dos vários casos que ocorreram nos últimos meses, em especial no interior de São Paulo e de Minas Gerais, sua ocorrência é relativamente esporádica quando comparada a outras doenças infecciosas, mesmo aquelas causadas por insetos vetores, como por exemplo, dengue, Chikungunya e Leishmanioses. De acordo com o Ministério da Saúde, de 2012 e 2022 foram confirmados 2.157 casos e 753 óbitos por febre maculosa.

Até o momento, não há uma vacina disponível para prevenir a febre maculosa e o tratamento é baseado no uso de antibióticos. O professor de Parasitologia Clínica da Escola de Farmácia da Universidade Federal de Ouro (UFOP), Dr. Alexandre Reis, um dos cientistas mais influentes na área de Imunologia no Brasil, acredita que seria mais racional pensar no desenvolvimento de uma vacina para combater os carrapatos nos animais domésticos e silvestres em áreas de risco do que em uma vacina para proteger da infecção pela bactéria Rickettsia rickettsii.

De acordo com o professor, uma futura vacina contra a infestação pelo carrapato pode diminuir a chance destes hospedeiros carregarem o vetor, ou seja, o carrapato-estrela. “Por exemplo, uma vacina que empregue antígenos salivares pode dificultar a infestação dos carrapatos, já que alguns funcionam como ‘Cavalo de Tróia’ para vários patógenos (incluindo as Ricketisias). Se forem neutralizados, os carrapatos perdem ou têm sua competência vetorial diminuída”, atenta o Dr. Reis.

Estudos buscam caminhos para vacinas

Estudo do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) identificou uma forma de reduzir o crescimento da bactéria causadora da febre maculosa nos carrapatos e torná-los mais resistente à infecção. O conhecimento desse mecanismo de interação entre hospedeiro e bactéria permite avançar em metodologias para desenvolvimento de vacinas. O artigo, intitulado “Tick Immune System: What Is Known, the Interconnections, the Gaps, and the Challenges, publicado em 2021, na revista Parasites & Vectors, demonstrou a possibilidade de silenciar o gene da principal proteína responsável por impedir a morte programada das células, chamada de apoptose, no carrapato-estrela. A pesquisa é baseada em estudos anteriores que mostraram que a Rickettsia rickettsii, inibe a morte das células do carrapato, o que favorece o crescimento do animal, dando mais tempo para a bactéria se proliferar e infectar novas células.

O Dr. Erol Fikrig, pesquisador da Yale School of Medicine, e seu grupo, tem desenvolvido uma vacina para doença de Lyme, também transmitida por carrapatos (Ixodes scapularis). A estratégia deste imunizante emprega 19 antígenos do Ixodes scapularis, sendo a maioria da saliva deste carrapato. Recentemente este grupo de pesquisadores testou uma vacina de mRNA que foi capaz de induzir a resistência dos carrapatos e prevenir a transmissão do agente etiológico da doença de Lyme, a Borrelia burgdorferi. A imunização de cobaias foi capaz de induzir imunidade e impedir a infecção pela Borrelia burgdorferi.

Apesar de ser uma meta da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS)  estimular que os cientistas básicos desenvolvam vacinas eficazes contra as Rickettsioses e as Ehrlichioses, ainda estamos longe de ter uma vacina contra febre maculosa a curto e médio prazos. “Vejo que ainda estamos distantes de uma vacina promissora e também não temos como avaliar quais seriam as estratégias de imunização, os alvos, se formos pensar em uma vacina para impedir as infestações de carrapatos”, ressalta o Dr. Reis. Contudo, o pesquisador não acredita que uma boa estratégia seria vacinar as capivaras com um imunizante para carrapatos. Para ele, realizar o controle populacional pode trazer resultados mais eficazes e mais rápidos do que uma vacina propriamente dita. “Por outro lado, uma vacina contra o patógeno, a Rickettsia sp, para uma doença de prevalência relativamente baixa, também não faz muito sentido do ponto de vista de saúde pública e muito menos de investimento biotecnológico empresarial”, reconhece.

Por fim, o Dr. Reis assinala que até o desenvolvimento de uma vacina, a informação, o treinamento e a difusão do conhecimento para sensibilizar profissionais de saúde e a população sobre a febre maculosa, como realizar o diagnóstico o mais rápido possível e entrar com a medicação assim que a suspeita de contato com carrapatos for definida, são as ferramentas disponíveis contra essa doença grave e potencialmente fatal. Os esforços dos cientistas e a colaboração entre instituições de pesquisa e governos são fundamentais para impulsionar o desenvolvimento e a disponibilidade de uma futura vacina, que vai ajudar a proteger pessoas expostas ao risco de contrair  febre maculosa, especialmente aquelas que trabalham em áreas rurais e florestais, onde a exposição aos carrapatos é mais comum. Enquanto aguardamos o progresso da pesquisa, é fundamental manter a conscientização sobre os riscos da doença e adotar medidas de prevenção, como evitar áreas infestadas por carrapatos, utilizar repelentes e realizar a verificação cuidadosa do corpo após atividades ao ar livre.

Para saber mais sobre febre maculosa, confira a reportagem publicada pela Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) em fevereiro. Clique aqui.

Acesse a Nota Técnica do Ministério da Saúde: Orientações da Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde as Secretarias Estaduais de Saúde para o período de sazonalidade da febre maculosa no Brasil e dá outros encaminhamentos.