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Hanseníase: sorologia anti-PGL-I para infecção por Mycobacterium leprae e qPCR RLEP para confirmar diagnóstico

Testes sorológicos podem atuar como auxiliares na vigilância dos contatos e/ou população de risco

14/04/2022
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A hanseníase faz parte da Lista Nacional de Notificação Compulsória de Doenças, Agravos e Eventos de Saúde Pública, portanto, é obrigatório que profissionais de saúde reportem os casos no Sinan

Em 2020, foram reportados à Organização Mundial da Saúde (OMS) 127.396 novos casos de hanseníase no mundo. Desses, 19.195 (15,1%) ocorreram na região das Américas e 17.979 foram notificados no Brasil, o que corresponde a 93,6% das Américas. Ainda segundo dados da OMS, 62 países notificaram casos novos em pessoas com menos de 15 anos. Brasil, Índia e Indonésia reportaram mais de 10 mil casos novos, o que corresponde a 74% dos novos casos detectados em 2020. O Brasil ocupa o segundo lugar entre os países com maior número de casos no mundo, atrás apenas da Índia. Segundo os dados do boletim epidemiológico do Ministério da Saúde Hanseníase 2022, entre os anos de 2016 e 2020, foram diagnosticados 155.359 novos casos. Desses, 86.225 ocorreram em homens, o que corresponde a 55,5% do total. Essa predominância foi observada na maioria das faixas etárias e anos da avaliação, apresentando maior frequência nos indivíduos entre 50 e 59 anos, totalizando 29.587 casos novos. A hanseníase apresenta, historicamente, mais ocorrências nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Entretanto, o diagnóstico continua um desafio, os testes são limitados, principalmente para identificar casos precoces.

Um estudo publicado no final de março intitulado NDO-BSA, LID-1, and NDO-LID Antibody Responses for Infection and RLEP by Quantitative PCR as a Confirmatory Test for Early Leprosy Diagnosis revela achados de casos ativos para validar três potenciais candidatos a antígenos e um alvo molecular: sorologia anti-PGL-I para infecção por Mycobacterium leprae e qPCR RLEP que podem confirmar o diagnóstico de hanseníase. O Dr. Cláudio Salgado, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), dermatologista, hansenólogo, doutor em Imunologia da Pele pela Universidade de Tóquio e presidente da Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH), um dos autores do artigo, explica que as três moléculas disponíveis para uso em sorologia são NDO-BSA, molécula sintética que é o principal determinante antigênico do glicolipídeo fenólico I (PGL-I), específica da parede do M. leprae, descoberta na década de 1980, e com muitos trabalhos mostrando que pode auxiliar no diagnóstico e no seguimento de pacientes com hanseníase; LID-1, um antígeno sintético produzido a partir da fusão de duas moléculas do M. leprae (ML0405 e ML2331) e o NDO-LID, que é a combinação das duas anteriores.

Para o estudo foi realizado um trabalho de campo em Mosqueiro, uma das 36 ilhas de Belém (PA), onde foram examinadas 894 pessoas e diagnosticados 105 casos novos (11,7%), prevalência considerada altíssima pelo Dr. Salgado. Após o diagnóstico fechado, foi realizada a sorologia de uma amostra do sangue periférico para as três moléculas em todos os participantes. “Para os casos iniciais (diagnóstico precoce) não houve diferença na mediana em comparação à mediana dos contatos saudáveis nos três antígenos estudados, portanto, estes antígenos não conseguem auxiliar no diagnóstico precoce”, esclarece o pesquisador. No entanto, ao comparar as medianas dos casos precoces, diagnosticados em campo, com aqueles bem definidos, diagnosticados tardiamente na referência, foram encontradas diferenças importantes, com titulações mais altas nos casos da referência. “Isso significa que quanto mais tardio o diagnóstico, maior a possibilidade de termos um resultado positivo na sorologia, com titulações cada vez mais altas, em especial para os anticorpos anti-NDO-BSA, ou seja, anti-PGL-I IgM”, ressalta. Já as medianas do anti-NDO-BSA IgM em escolares e contatos sem hanseníase de área endêmica foram similares, indicando que, em uma área com muitos casos, todos se parecem aos contatos na sorologia. “Apesar de não ajudar no diagnóstico, nossos dados confirmam que a quantificação dos anticorpos anti-NDO-BSA pode servir como um indicador de endemicidade em uma comunidade”, acrescenta o Dr. Salgado.

Em relação ao qPCR, o pesquisador detalha que foi realizado o raspado dérmico (antigamente conhecido como baciloscopia da linfa) dos lóbulos auriculares de 79 dos 105 casos diagnosticados em campo. Dos 79 casos, 68 (86,07%) foram positivos para a amplificação do marcador RLEP, que é específico do M. leprae, e que se repete por 29 vezes no genoma do bacilo, portanto, segundo ele, um bom marcador porque além de específico, encontra-se em grande quantidade. “A técnica de amplificação pelo qPCR é a mesma. Contudo, utilizamos 45 ciclos ao invés dos 40 normalmente usados, o que potencializou o diagnóstico sem perda da especificidade. Vale destacar que o exame só foi realizado após a confirmação clínica do caso, que é o modo de diagnóstico atual. Com isto, obtivemos 86,07% de positividade entre os casos”, assinala. Outros estudos da equipe demonstraram esta mesma positividade para os casos definidos clinicamente, contra 20 a 30% de positividade entre os contatos de casos da doença, sem clínica de hanseníase.

Novos testes para diagnóstico da hanseníase no SUS

O Sistema Único de Saúde (SUS) vai contar com novos tipos de testagem para hanseníase este ano. A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC) aprovou a incorporação de um teste rápido que detecta anticorpos anti-PGL-I, e também um teste de PCR que detecta o RLEP. O Dr. Salgado reconhece o avanço para a comunidade da hanseníase, tanto para os pacientes quanto para os profissionais de saúde, em especial aqueles que estão na chamada ponta do sistema, nas Estratégias Saúde da Família e nas Unidades Básicas de Saúde, já que não havia nenhum exame disponível, mas chama a atenção para o fato de que os algoritmos aprovados precisarão sofrer modificações. “Infelizmente, eles não consideram o uso das ferramentas em contatos, apenas em casos suspeitos, com incerteza diagnóstica. Por exemplo, o teste de PCR aprovado é para ser usado apenas em biópsias, não em raspados, como fizemos. Os raspados já estão incorporados ao nosso sistema, pois são usados para a baciloscopia tradicional para corar bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR). Além disso, casos precoces muitas vezes não tem nem lesões onde poderia ser feita uma biópsia. Mais ainda, biópsias precisam de anestesia local e, minimamente, de uma sala de procedimentos, enquanto o raspado dérmico é coletado no mesmo local onde se coleta sangue”, justifica.

As novas ferramentas estão em fase de implementação, mas ainda não estão no sistema. O Dr. Salgado enfatiza que a SBH tem restrições importantes ao Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) da hanseníase, ainda não aprovado em definitivo, e que, juntamente com a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Sociedade Brasileira de Clínica Médica (SBCM) e a Academia Brasileira de Neurologia (ABN), fez uma análise técnica  importante. O pesquisador espera que o Protocolo seja urgentemente revisto. Ainda não se sabe o preço final fixado, mas, de acordo com o Dr. Salgado, o valor deve ficar entre R$ 50,00 a R$ 90,00 por teste, considerado alto por ele. Lembrando que a implementação do teste rápido é na atenção primária e o qPCR apenas nos centros de referências.

Dados epidemiológicos justificam uso da ferramenta no Brasil

O cenário atual da hanseníase é o pior possível. Há 20 anos os números caem no mundo por falta de expertise diagnóstica. Desde o ano 2000, quando a OMS declarou a hanseníase “eliminada como problema de saúde pública”, os números só caíram de 800 mil casos novos por ano para menos de 200 mil em 2019, último ano antes da pandemia. Durante a pandemia, o que estava ruim, piorou. Somente no Brasil, o número de casos novos diagnosticados diminuiu apenas 40%. A OMS relata uma redução de 27,7% na prevalência registrada e de 37,1% no número de novos casos em relação a 2019. Essas reduções são provavelmente atribuíveis às consequências da Covid-19. Devido à pandemia, muitos países interromperam ou adiaram suas atividades de controle da hanseníase, incluindo a busca ativa de casos. Uma redução na busca ativa de casos naturalmente resulta em menos casos sendo detectados. Trabalhos de diferentes grupos estimam em cerca de 4 milhões de pessoas com hanseníase no mundo hoje, sem diagnóstico.

Para o Dr. Salgado, os dados justificam o uso não somente no Brasil, mas no mundo todo. “Defendo uma reestruturação completa do programa de hanseníase no mundo, e o primeiro passo seria realizar a vigilância em hot spots e no entorno das antigas colônias de hanseníase, com a utilização de clínica, sorologia e qPCR. Só assim poderemos saber se realmente ela foi eliminada como problema de saúde pública ou se temos números similares aos que tínhamos lá na década de 1990, que é a nossa hipótese”, atenta. A hanseníase é uma doença crônica, de longa duração, e com uma perda de expertise diagnóstica enorme. Mais tratamento significa menos incapacidade. Mais diagnóstico corresponde a menos sequelas. Há anos há manifestações sobre a necessidade da incorporação de testes sorológicos e moleculares na rede de saúde pública dos países para o apoio diagnóstico.

Por fim o pesquisador é categórico ao afirmar que a sorologia deveria ser quantificada, ou seja, utilizar ELISA. Ele entende a necessidade de um teste rápido para o diagnóstico no local, mas relata que durante os últimos 10 anos em que esteve em campo com sua equipe, no interior do Pará e da Amazônia, coletando material e trazendo para o laboratório para quantificar, tanto a sorologia quanto o qPCR, não apresentaram problemas. “Temos que ter cuidado para que um teste rápido não descarte casos que no futuro venham a aparecer já com incapacidades físicas instaladas por conta de um resultado negativo, que pode, inclusive, se manter negativo mesmo em casos com incapacidade física instalada”, lembra. Segundo ele, não está claro qual o cut off do teste oferecido, o que é muito importante. Se o cut off for muito baixo, corremos o risco de termos muitos positivos. Se for muito alto, de perder muitos casos que poderiam ser positivos com um cut off mais baixo. No nosso ELISA, temos faixas de positividade que indicam maior ou menor risco de estar doente. No qPCR, pela primeira vez está publicada a possibilidade de usarmos uma quantidade maior de ciclos (45) para detectar casos precoces, o que não acontecerá com o teste atual como aprovado”, finaliza.