HPV no Acre: desinformação provoca rejeição de jovens à vacina
Ministério da Saúde e Universidade de São Paulo apresentaram avaliação da vacina HPV
09/12/2019Com relatos que vão de dores de cabeça à parada cardíaca, grupos e páginas do Facebook reúnem histórias de cerca de 70 adolescentes do Acre que se consideram vítimas da vacina contra o papiloma vírus humano (HPV). As publicações, em tom de testemunho, frequentemente trazem fotos e vídeos que mostram episódios de crises convulsivas, desmaios e internações. No entanto, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) e uma série de estudos científicos, a vacina é extremamente segura.
Diante deste cenário que provocou polêmica em relação aos efeitos atribuídos à vacina, o Ministério da Saúde apresentou, no dia 28 de novembro, ao Governo do Estado do Acre, à Secretaria Estadual de Saúde e ao Ministério Público os resultados da pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP). Também participaram da reunião representantes da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS). O estudo foi conduzido pelos pesquisadores José Gallucci Neto, diretor da Unidade de Videoencefalografia do IPQ-USP, e Renato Luiz Marchetti, do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo. Os resultados reforçaram a segurança e a eficácia da vacina HPV.
Por videoconferência, o psiquiatra e pesquisador da USP Renato Luiz Marcheti afirmou que não existe causa biológica ligada à vacina e que as pacientes apresentaram o que eles chamam de crise psicogênica não-epilética, conhecida pela sigla CNEP, uma espécie de crise de origem psicológica, muito parecida com uma crise epiléptica, mas que não tem associação a descargas elétricas da epilepsia.
Medo da vacina pode ter sido um gatilho para CNEP
Os cientistas observaram que o medo da vacina pode ter sido um gatilho para o desenvolvimento da CNEP. O relatório da USP apresenta uma série de sugestões que incluem o treinamento de uma equipe especializada no Acre para o tratamento da crise psicogênica e campanha de comunicação para combater a desinformação das pessoas sobre a eficácia da vacina contra o HPV.
De acordo com o estudo, ficou evidente que tantos os pacientes, como seus familiares, estão bastante influenciados pelas informações disponíveis nas redes sociais e grandes mídias. As crenças antivacinais são propagadas intensamente através de centenas de mensagens semanais, o que exige do Ministério da Saúde estratégias tecnológicas e de conteúdos que possam neutralizar os efeitos nocivos dessas influências.
Ainda segundo o documento, ao apresentarem os sintomas, os jovens teriam sofrido com a hostilidade de profissionais de saúde, que duvidavam do que eles sentiam e os caracterizavam como pacientes que não têm nada, que podiam levantar e ir para casa.
Em um trecho do estudo, a equipe médica da USP menciona a importância de promover esclarecimentos sobre os efeitos da vacina contra o HPV por meio da mídia e das redes sociais.
Leia a reportagem “Relatório da USP cita desinformação entre causas de rejeição à vacina anti-HPV no Acre”.
Gallucci e Marchetti temem que, a exemplo do que aconteceu na Colômbia, o surto de doença psicogênica possa reduzir a adesão à vacina contra o HPV. A vacinação é um dos pilares da estratégia OMS para erradicar o câncer de colo de útero, doença cuja causa mais comum é a infecção pelo vírus HPV. Embora seja curável, esse tipo de câncer matou 311 mil mulheres em todo o mundo em 2018. Segundo dados apresentados por Ana Goretti Kalume Maranhão, assessora da Coordenação Geral do Programa Nacional de Imunização do Ministério da Saúde, a prevalência de novos casos no Acre é superior à do conjunto do País. No estado, o câncer de colo de útero lidera as causas de óbito entre mulheres.
Leia a reportagem “Acre vive surto de doença causada por medo de vacinação”.
O diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis da Secretaria de Vigilância em saúde do Ministério da Saúde, Júlio Croda, explicou como os médicos chegaram ao diagnóstico. “Juntamos um grupo de médicos psiquiatras do Instituto de Psiquiatria da USP, referência internacional para o assunto, e avaliamos inicialmente 12 crianças para sabermos o diagnóstico. Dessas, 10 foram diagnosticadas com CNEP. Duas apresentaram crises convulsivas epiléticas de origem genética”, destacou. O representante do Ministério da Saúde disse ainda que o governo federal está à disposição para treinar as equipes de saúde estadual e municipal, no sentido de buscar o diagnóstico e ajudar no tratamento. “Estabelecemos o diagnóstico para todas essas famílias. Vale esclarecer que o fato não foi especificamente por causa da vacina. Ela é segura e pode ser administrada em crianças e adolescentes e precisamos estimular a vacinação no estado, pois temos uma queda importante na cobertura vacinal no Acre”, ressaltou Croda.
O governo acriano informou que vai seguir todos os protocolos recomendados. E que a assessoria jurídica do Ministério da Saúde vai acionar os Conselhos Regionais de Medicina para que imponham sanções contra profissionais de saúde que venham a difundir informações inverídicas sobre a imunização.
Comunicado conjunto SBIm / SBP / SBI / Febrasgo / SBMT / ABPTGIC: Vacinas HPV
Em resposta à disseminação de falsas informações sobre as vacinas HPV, documento elaborado pelas sociedades brasileiras de Imunizações (SBIm), Pediatria (SBP), Infectologia (SBI), Medicina Tropical (SBMT) a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e a Associação Brasileira de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia (ABPTGIC) reúne dados que atestam a segurança, eficácia e importância do imunobiológico.
Leia aqui o documento na íntegra.
Sobre o HPV
O HPV (sigla em inglês para Papilomavírus Humano) é um vírus que infecta pele ou mucosas (oral, genital ou anal), tanto de homens quanto de mulheres, provocando verrugas anogenitais (região genital e no ânus) e câncer, a depender do tipo de vírus. A infecção pelo HPV é uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST).
O HPV é o principal responsável pelo câncer de colo do útero, doença que tem desenvolvimento silencioso e representa a quarta causa de morte de mulheres por câncer no Brasil. A vacina quadrivalente é aplicada de graça pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em meninas de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14 anos e protege contra quatro subtipos do vírus (6, 11, 16 e 18), dois deles causadores de cerca de 70% dos casos de câncer de colo do útero.
A infecção pelo HPV não apresenta sintomas na maioria das pessoas. Em alguns casos, o HPV pode ficar latente de meses a anos, sem manifestar sinais (visíveis a olho nu), ou apresentar manifestações subclínicas (não visíveis a olho nu).
A diminuição da resistência do organismo pode desencadear a multiplicação do HPV e, consequentemente, provocar o aparecimento de lesões. A maioria das infecções em mulheres (sobretudo em adolescentes) tem resolução espontânea, pelo próprio organismo, em um período aproximado de até 24 meses.
As primeiras manifestações da infecção pelo HPV surgem entre, aproximadamente, 2 a 8 meses, mas pode demorar até 20 anos para aparecer algum sinal da infecção. As manifestações costumam ser mais comuns em gestantes e em pessoas com imunidade baixa.
Saiba mais: http://saude.gov.br/saude-de-a-z/hpv.
**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**