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Infecção humana controlada: avanço promissor no desenvolvimento de vacinas

Estudos de infecção humana controlada para acelerar o desenvolvimento de vacinas profiláticas são predominantemente realizados em países desenvolvidos

06/09/2024

Estudos de infecção humana controlada oferecem um caminho mais rápido e seguro para o desenvolvimento de vacinas eficazes

No cenário atual da ciência, uma das abordagens mais inovadoras e desafiadoras tem sido os estudos de infecção humana controlada (CHIM). O professor do Departamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisador do CTVacinas, Dr. Helton Santiago, explica que esses experimentos têm o potencial de acelerar o desenvolvimento de vacinas e atualmente são utilizados por países que inovam nessa área. Seu grupo de pesquisa, em colaboração com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), UFMG, George Washington University e Baylor College of Medicine, busca aprovar, desde 2021, um estudo dessa natureza para duas vacinas contra ancilostomídeos na população brasileira: Na-GST-1 e Na-APR-1, ambas já testadas em estudos de fase 1 nos Estados Unidos e no Brasil. De acordo com o pesquisador, a Na-GST-1 mostrou excelentes resultados em americanos que foram imunizados e, posteriormente, desafiados com larvas de Necator americanus. No entanto, a eficácia na população brasileira ainda é desconhecida. “Estamos tentando aprovar a implementação do modelo e o teste de eficácia acelerado, mas sem sucesso até o momento. Há um grande desconhecimento sobre o assunto em diversas instâncias regulatórias no País”, lamenta.

O pesquisador atenta que esses experimentos são amplamente utilizados por países que lideram a inovação em vacinas, especialmente nos EUA e na Inglaterra. Recentemente, países em desenvolvimento, como Quênia, Tailândia e Uganda, também começaram a adotar a técnica para acelerar o desenvolvimento de soluções para problemas de saúde pública. Segundo o Dr. Santiago, esses estudos são fundamentais porque permitem selecionar as vacinas mais promissoras nas fases iniciais (Ensaio Clínico de fase 1 e 2), descartando rapidamente produtos ineficazes e concentrando recursos em opções mais viáveis. Isso reduz o risco financeiro e a necessidade de envolver milhares de participantes em estudos maiores de produtos ineficazes ou mesmo potencialmente arriscados. Assim, a infecção controlada oferece um caminho mais rápido e seguro para o desenvolvimento de vacinas eficazes.

Apesar dos benefícios significativos que os estudos de infecção humana controlada oferecem, não é possível utilizar a técnica para todas as infecções. Para que um modelo seja viável, o patógeno deve ter um curso clínico autolimitado ou um tratamento eficaz. Exemplos incluem infecções virais autolimitadas, como dengue, Zika, Influenza e vírus sincicial respiratório (VSR). Um dos modelos mais utilizados globalmente é o da malária, que não é autolimitada, mas possui tratamento eficaz. Assim, quando o paciente atinge um desfecho clínico específico, o tratamento é administrado, e a infecção é resolvida. Não existem CHIM para infecções letais e sem tratamento, como Ebola e HIV.

Desafios éticos

O Dr. Santiago é categórico ao afirmar que a segurança dos voluntários é sempre uma prioridade absoluta. “Há rigoroso processo de triagem dos participantes e controle das condições de infecção. A seleção exclui aqueles com fatores de risco. Por exemplo, no modelo inglês para SARS-CoV-2, uma infecção autolimitada, foram excluídas pessoas com diabetes, hipertensão, obesidade, tabagismo e idade acima de 30 anos. As infecções são realizadas em ambientes controlados, como hospitais, com plano robusto de mitigação de riscos, acompanhamento contínuo da evolução da infecção e exames periódicos nos períodos mais críticos. Em alguns casos, os participantes podem precisar ficar internados para exames diários ou para proteger a si mesmos e à população”, ressalta. Além disso, cada protocolo deve ser padronizado de acordo com o patógeno, o modelo e o objetivo do estudo, começando com pequenas doses do patógeno e aumentando gradualmente com base em desfechos de segurança e clínicos.

Internacionalmente, a maioria dos bioeticistas e a Organização Mundial da Saúde (OMS) não considera os estudos de infecção humana controlada como pesquisas que exigem atenção diferenciada, mas sim o mesmo rigor ético e científico de um estudo de fase 1 de vacinas. Segundo o Dr. Santiago, esses estudos requerem cuidados éticos, como justificativa científica sólida, plano robusto de consentimento livre e esclarecido, teste de compreensão, e plano detalhado de mitigação de riscos. No Brasil, o maior desafio, sublinha o pesquisador, é o desconhecimento que gera resistência. “Com mais informação, percebe-se que esses estudos são não apenas aceitáveis, mas desejáveis para garantir pesquisas mais éticas e eficientes no desenvolvimento de vacinas”, argumenta.

Para Dr. Santiago, o Brasil precisa democratizar essa tecnologia para não ficar dependente dos países desenvolvidos. “Países em desenvolvimento têm ficado à margem da inovação em vacinas, em parte pela dificuldade de realizar estudos acelerados, incluindo os CHIM. Não podemos ficar para trás ou continuaremos dependentes da inovação externa”, alerta. Ele enfatiza que o debate sobre esses estudos é essencial para que o Brasil avance na vacinologia internacional. O exemplo da vacina SpiN-Tec, desenvolvida pela UFMG contra a Covid-19, mostra a necessidade de incorporar tecnologias avançadas em todas as etapas do desenvolvimento vacinal. “A Tailândia, por exemplo, tem avançado significativamente em modelos de malária vivax e provavelmente será um parceiro quando começarmos a testar nossas vacinas. Devemos seguir exemplos de sucesso. O Brasil precisa assumir um papel protagonista no desenvolvimento de vacinas, resolvendo seus próprios problemas de saúde pública”, conclui.

Por fim, o Dr. Santiago destaca a importância de um diálogo contínuo entre cientistas, comunidade médica e sociedade para assegurar que essas práticas sejam conduzidas com total transparência e responsabilidade. A Resolução nº 466 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) é clara quanto à regulamentação da pesquisa com seres humanos, garantindo que sejam realizadas de forma ética e humana. O debate sobre a infecção humana controlada sublinha a necessidade de aliar inovação científica a uma sólida base ética. Com o avanço da ciência, abordagens como essa têm o potencial de transformar o enfrentamento de doenças infecciosas, trazendo esperança para milhões de pessoas ao redor do mundo.

Primeiro simpósio sobre Infecção humana controlada no Brasil

Recentemente, a UFMG e a Universidade de Oxford realizaram o Simpósio Brasileiro de Infecção Humana Controlada, o primeiro da área no Brasil. O evento reuniu as maiores autoridades nacionais e internacionais no tema. Na ocasião, foram compartilhadas informações sobre os procedimentos e os protocolos para os modelos de infecção humana controlada, também conhecidos como estudos de desafio humano. As palestras estão disponíveis no canal do YouTube do CT-Vacinas. A programação do evento pode ser acessada no site.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**