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Leishmaniose: Pesquisa revela preferência da Lutzomyia longipalpis pela Cannabis

O DNA de Cannabis foi encontrado em flebótomos em cinco de seis locais em diferentes partes do mundo. Isso ocorreu em duas espécies que transmitem Leishmaniose Cutânea no Oriente Médio e Ásia Central e duas espécies que transmitem a Leishmaniose Visceral na África e América do Sul

08/01/2019
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O DNA da Cannabis no organismo dos flebotomíneos foi encontrado com sequenciamento utilizando a metodologia Next Generation Sequence (NGS)

Um achado científico publicado nos anais da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos (PNAS) intitulado “Plant-feeding phlebotomine sand flies, vectors of leishmaniasis, prefer Cannabis sativa” revelou a preferência da Lutzomyia longipalpis (flebotomíneo transmissor da leishmaniose) pela Cannabis a demais vegetais. Durante o estudo, os pesquisadores encontraram DNA de Cannabis Sativa em um percentual significativo de flebótomos em cinco de seis locais em diferentes partes do mundo. A pesquisa foi realizada no Brasil, Israel, Palestina, Etiópia e Cazaquistão. “Nós utilizamos programas de bioinformática para classificar as sequências de cada amostra, comparando-as com as sequências do banco de dados GenBank com filtros para plantas. Dessa forma, nós podemos alcançar o nível de gênero e contabilizar quanto de cada planta estava na dieta do flebótomo, e assim, conduzir a análise estatística”, explica o pesquisador do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), Artur Queiroz. Ainda segundo Queiroz, a tecnologia NGS permitiu identificar as fontes alimentares dos flebotomíneos infectados e não infectados. “Tanto os infectados quanto os não infectados foram analisados.

Em 2016, o professor Leonardo Lima, coordenador do curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Piauí (UFPI), em Picos, e o professor Carlos Costa, coordenador do Laboratório de Leishmaniose, também da UFPI, publicaram juntamente com o Dr. Alon Warburg e outros autores brasileiros e israelenses, o artigo DNA barcode for the identification of the sand fly Lutzomyia longipalpis plant feeding preferences in a tropical urban environment na revista Scientific Reports. Segundo o Dr. Leonardo, os achados publicados recentemente estão de acordo com as suas descobertas anteriores. Segundo ele, em ambos os estudos se verificou preferência alimentar vegetal de flebotomíneos por determinadas plantas utilizando a tecnologia denominada código de barras do DNA (DNA barcode), que é a utilização de sequências curtas de DNA de um segmento padrão do genoma para a identificação de espécies. “Isso ficou evidenciado no artigo publicado recentemente pelo fato da Canabis sativa ter sido identificada no conteúdo alimentar vegetal de uma proporção significativa dos flebotomíneos pertencentes a diferentes gêneros e espécies, coletados em diferentes partes do mundo, mesmo essa espécie vegetal sendo encontrada em apenas um dos sítios de coleta dos insetos”, explica. Já no artigo em que ele é o autor principal, a preferência foi demonstrada pelo fato de que, embora as plantas da família vegetal Fabaceae não fossem as mais abundantes no local de captura dos flebotomíneos da espécie Lutzomyia longipalpis, ou mesmo as mais próximas da armadilha, ainda assim, o DNA dessa família foi o prevalente na análise do conteúdo alimentar vegetal dos dípteros. Nos dois estudos foi demonstrado que o gene da subunidade maior da ribulose-1,5-bifosfato carboxilase (rbcL), região conservada do cloroplasto, é um marcador molecular eficiente na identificação das relações alimentares inseto-plantas, mesmo que em muitos casos não realize a identificação vegetal a nível de espécie.

Mesmo diante da verificação da preferência alimentar de diferentes espécies de flebotomíneos por determinadas espécies ou famílias de plantas, nenhum dos trabalhos determinou quais são os componentes vegetais responsáveis por esta atração, bem como quais os efeitos dessas moléculas na capacidade vetorial dos flebotomíneos para os parasitas do gênero Leishmania. Entretanto, ambos apontaram a importância da descoberta destes fatores, os quais podem ser utilizados no controle desses dípteros vetores de doenças”, diz. Como aspecto complementar, aponta que o artigo publicado recentemente demonstrou que o sequenciamento de nova geração (Next-Generation Sequencing – NGS) é uma ferramenta mais sensível que o método automático de Sanger, pois permitiu o sequenciamento de amostras que apresentaram baixas concentrações de produtos de PCR. “Entretanto ambos os métodos produzem resultados igualmente confiáveis na identificação do conteúdo alimentar vegetal dos insetos, destaca.

Os pesquisadores do estudo recente agora planejam experimentos para confirmar essa atração e identificar os componentes voláteis emitidos pela Cannabis e que atraem os flebótomos. “Se tivermos sucesso, poderemos vislumbrar uma armadilha que contenha essas moléculas ou óleos essenciais da Cannabis que atraem os flebótomos até um tipo de isca tóxica. Tais armadilhas podem ser muito úteis para controlar doenças transmitidas por vetores”, destaca o Dr. Alon Warburg, com quem a Assessoria de Comunicação da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) conversou. Confira abaixo a entrevista na íntegra.

SBMT: Em sua opinião, porque a Lutzomyia longipalpis prefere a planta Cannabis?

Dr. Alon Warburg: Infelizmente não temos resposta para essa pergunta. O que sabemos é que em geral, insetos são atraídos (ou em outros casos repelidos) por plantas através de moléculas voláteis emitidas por ela (terpenos). Presumimos que nesse caso os flebótomos sejam atraídos pela Cannabis.

SBMT: Uma vez encontrada a planta, o consumo por parte do flebotomíneo se dá em grandes proporções. A que se deve isso?

Dr. Alon Warburg: Não temos evidencias de que se alimentam em grandes quantidades. Tudo que podemos dizer é que encontramos DNA de Cannabis em flebótomos numa frequência bem maior do que esperávamos. Lembre-se, Cannabis é ilegal e não vimos nenhuma planta de Cannabis em campo.

SBMT: O senhor poderia falar um pouco sobre as suas descobertas?

Dr. Alon Warburg: Nós encontramos DNA de Cannabis num percentual significativo de flebótomos em cinco de seis locais em diferentes partes do mundo. Isso incluiu duas espécies que transmitem Leishmaniose Cutânea no Oriente Médio e Ásia Central e duas espécies que transmitem a Leishmaniose Visceral na África e América do Sul.

SBMT: Qual tecnologia o senhor utiliza em seus estudos? Como é feito o estudo? De que forma?

Dr. Alon Warburg: Nós extraímos o DNA de insetos inteiros preservados em álcool. Então fizemos PCR (Polymerase Chain Reactions) usando primers específicos para sequencias de DNA. Nesse caso, DNA da planta. Então rotulamos os produtos do PCR, que são essencialmente múltiplas cópias de sequencias de DNA derivados do flebótomo ou sua alimentação, com marcadores únicos que identificam exatamente de quais insetos individualmente. Nós então juntamos todos os produtos dos PCRs e os processamos em uma maquina de Sequenciamento de Nova Geração (SNG) [Next-generation sequencing (NGS)], que nos fornece as sequências dos produtos do PCR a uma velocidade de milhares de ciclos NGS por ciclo. Somente então analisamos os dados para atribuir as sequências a plantas específicas.

Nós utilizamos programas de bioinformática para classificar as sequencias de cada amostra, comparando com as sequências do banco de dados GenBank com filtros para plantas. Dessa forma, nós podemos alcançar o nível de gênero e contabilizar a quantidade de DNA de cada planta presente na dieta do flebótomo, e assim, conduzir a análise estatística.

SBMT: Qual a importância dos seus achados?

Dr. Alon Warburg: Primeiramente, isso demonstra a viabilidade de análises metagenômicas baseadas em SNG de alta sensibilidade para pesquisar a alimentação de flebótomos e mosquitos em plantas. Em segundo lugar, a identificação de Cannabis como provável fonte onipresente indica que os flebótomos são atraídos por essas plantas. Nós planejamos experimentos para confirmar essa atração e identificar os componentes voláteis da Cannabis que atraem os flebótomos. Se tivermos sucesso, pretendemos desenvolver uma armadilha que contenha essas moléculas ou óleos essenciais da Cannabis que atraem os flebótomos até um tipo de isca tóxica. Tais armadilhas podem ser muito úteis em controlar doenças transmitidas por vetores.

SBMT: Podemos dizer que saber mais sobre os hábitos desses insetos significa a possibilidade para se desenvolver estratégias para o seu controle?

Dr. Alon Warburg: Claro, conforme dito acima.

SBMT: Atualmente quais pesquisas o senhor está realizando e onde?

Dr. Alon Warburg: Minhas colaborações mais produtivas estão na Fiocruz Bahia. Principalmente Artur Queiroz e Patrícia Veras com seu grupo de pesquisa. Nós também colaboramos com Carlos Costa, de Teresina, e publicamos um artigo em alimentação vegetal no ano passado. Para esse estudo, também colaboramos com Asrat Hailu da Etiópia, com quem temos trabalhado pelos últimos 10 anos. Os flebótomos do Cazaquistão foram coletados por colegas dos Estados Unidos, Richard e David Poche, que são bons amigos e excelentes colaboradores.

SBMT: A sua pesquisa envolve outras plantas além da Cannabis?

Dr. Alon Warburg: Nossos marcadores de PCR amplificam as sequencias de diferentes plantas. Contudo, alguns marcadores não retornaram dados precisos suficiente para identificar plantas especificas, apenas o gênero e família. Felizmente no caso da Cannabis, o único marcador que funcionou bem (rbcL) foi o suficiente.

SBMT: Foi observado algum tipo de alteração comportamental quando os flebotomíneos se alimentam de Cannabis?

Dr. Alon Warburg: Nós só interagimos com flebótomos capturados, então não houve possibilidade de estudos comportamentais.

SBMT: Em relação a Cannabis utilizada, elas foram cultivadas na água ou na terra? O senhor acredita que isso pode influenciar a preferência da Lutzomyia longipalpis?

Dr. Alon Warburg: Nós não fazemos ideia, já que nunca vimos as plantas. As únicas exceções foram plantas de Cannabis selvagem (Cannabis ruderalis) no Cazaquistão. As plantas de Cannabis são originárias da Ásia Central.

SBMT: A constatação da preferência pela Cannabis se deu em quais países?

Dr. Alon Warburg: As fronteiras geográficas dos países não são relevantes. Mais importante, cinco espécies de flebótomos, quatro das quais do Velho Mundo, incluindo Ásia Central, Oriente Médio e África. Uma espécie (provavelmente uma espécie complexa que inclui várias espécies-irmãs), a Lutzomyia longipalpis é bastante endêmica na America do Sul, onde transmite Leishmaniose Visceral.

SBMT: O senhor acredita que o clima influencie a preferências por esses países especificamente?

Dr. Alon Warburg: Não há indicações disso. Ph. sergenti foram capturados em áreas desérticas com clima quente e seco com ~150mm de chuva por ano. Lu. longipalpis foi capturada em Camaçari, BA, onde chove ~10 vezes mais.

SBMT: Em sua opinião, exista outro fator que explique a preferência?

Dr. Alon Warburg: Como eu disse antes, não temos dados científicos adicionais. Minha especulação é de que derivam outros benefícios além de açucares para energia, o que pode estar ligado a resistência a inseticidas ou efeitos genéricos que afetem a sobrevivência ou longevidade.