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Livro inclusivo sobre doenças tropicais associadas com artrópodes torna conhecimento científico acessível

Impressão em Braille do livro “Principais doenças tropicais associadas com artrópodes no Brasil” representa uma conquista de acessibilidade e conhecimento

09/10/2023

Iniciativa é um marco importante na promoção da igualdade de acesso ao conhecimento científico e na capacitação de pessoas com deficiência visual

Um marco notável na inclusão e disseminação do conhecimento científico foi alcançado com a impressão do livro inclusivo em Braille “Principais doenças tropicais associadas com artrópodes no Brasil”. Essa iniciativa pioneira não apenas promove a acessibilidade a informações sobre saúde, mas também destaca a importância da igualdade de acesso ao conhecimento. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010, 18,6% da população brasileira possuem algum tipo de deficiência visual e mais de 500 mil brasileiros são cegos. Comumente estigmatizadas e invisibilizadas, pessoas com deficiência visual são, pelas inúmeras dificuldades vivenciadas, privadas silenciosamente do acesso à informação e aos serviços de saúde. Os dados do IBGE, acrescidos da imensa lacuna de publicações técnico-científicas e de divulgação para as pessoas com deficiência visual, são suficientes para demonstrar os benefícios que esta iniciativa traz para este grupo populacional.

A obra apresenta de forma objetiva os aspectos de transmissão, prevenção e controle de doenças transmitidas pelo grupo de animais que inclui mosquitos, triatomíneos, carrapatos, pulgas e flebotomíneos, reforçando a importância da intercessão entre o campo da educação, saúde e ciência. A publicação, organizada pela Dra. Elba Lemos, pesquisadora do Laboratório de Hantaviroses e Rickettsioses do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) e coordenadora do Serviço de Referência Regional para Rickettsioses pelo Ministério da Saúde, reúne informações sobre agravos de importância em saúde pública como dengue, Zika, chikungunya, febre amarela, malária, febre maculosa, doença de Chagas, leishmanioses, peste, entre outras. Além da versão impressa, em 2020, foi também gerada a versão ampliada e livro falado com audiodescrição, considerando a necessidade de atender a pessoas com amplo espectro de deficiência visual – de pessoas com baixa visão, cegas a surdo-cegos. O livro conta com a participação, além da equipe do Instituto Oswaldo Cruz, de profissionais do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Icict/Fiocruz) e do Instituto Benjamin Constant (IBC), centro de referência nacional na área da deficiência visual.

A Dra. Lemos explica que a motivação inicial por trás da decisão de imprimir a publicação foi aproximar estudantes e profissionais da área da saúde e de ensino com deficiência visual do universo da ciência, em especial da Medicina Tropical. O livro é um produto do projeto “Desenvolvimento de material inclusivo para pessoas com deficiência visual que contribua com a divulgação científica de doenças tropicais”, contemplado no Edital “Propostas para Projetos de Divulgação Científica”, lançado pela Fiocruz em 2019. Adicionalmente, com a pandemia da Covid-19, a motivação de produzir e de disponibilizar conhecimento inclusivo, segundo a pesquisadora, foi reforçada considerando a vulnerabilidade deste grupo populacional que “enxerga com as mãos”, partindo do princípio de que a deficiência é uma questão de saúde pública e também de direitos humanos.

Desafios relacionados a doenças tropicais transmitidas por artrópodes

Diante da crescente emergência e reemergência associada à disseminação de doenças infecciosas transmitidas pelos artrópodes, decorrente do processo de globalização, do crescimento urbano desordenado e das ações antrópicas nocivas ao meio ambiente, entre outros fatores, a Dra. Lemos ressalta que não há qualquer dúvida de que eles são imensos e complexos e que o combate nem sempre tem sido favorável à saúde. Para ela, a própria necessidade de uma abordagem no contexto de uma saúde única, tão divulgada na última década, vem reforçar a complexidade na qual, além da integração de diversas áreas de conhecimento em busca de ações efetivas no controle e no combate das doenças que tanto nos afligem, passa a ser imprescindível a participação da população. “Há que se considerar que para um efetivo combate a essas doenças, são necessários também outros fatores, entre eles, educação e políticas públicas comprometidas com a saúde pública e com a inclusão de todas as pessoas, especialmente as mais vulneráveis, como os indivíduos cegos, de baixa visão e surdo-cegos”, enfatiza.

As doenças tropicais associadas a artrópodes no Brasil são responsáveis por elevada morbidade e mortalidade, acometendo especialmente as populações mais pobres. O conhecimento sobre essas doenças é fundamental para a prevenção, diagnóstico e tratamento adequados. Neste sentido, esta publicação inclusiva não apenas fornece informações, mas também capacita as pessoas com deficiência visual a tomar medidas preventivas e a buscar cuidados de saúde adequados quando necessário. Além disso, serve como um recurso educacional valioso para estudantes e pesquisadores. “Para os profissionais de saúde que trabalham com doenças tropicais é uma oportunidade de reflexão não apenas sobre o risco de ocorrência de doenças infecciosas associadas à cegueira, como a oncocercose, por exemplo, mas também sobre a necessidade de gerar mais material inclusivo nas diversas áreas de atuação, auxiliando na expansão do conhecimento e trazendo, consequentemente, benefícios para a saúde pública”, aponta a Dra. Lemos. Ainda de acordo com ela, ao abordar as doenças transmitidas por artrópodes, o material gerado pode contribuir, mesmo que pontualmente, com a acessibilidade e inclusão no campo da saúde e educação no Brasil já que foi amplamente distribuído para instituições nacionais de ensino públicas que têm alunos com deficiência visual.

Por fim, a pesquisadora reconhece o quanto o conhecimento é importante e interfere na qualidade de vida de uma população e o quanto a geração de material técnico informático inclusivo para portadores de deficiência pode contribuir, apesar das inúmeras dificuldades, para o combate e até mesmo extinção de algumas doenças, com referência neste caso, as que são imunopreveníveis. A impressão destaca a importância da acessibilidade e da inclusão no campo da educação científica e representa um passo significativo em direção a uma sociedade mais igualitária, onde todos têm acesso às informações e ao conhecimento necessário para melhorar sua saúde e bem-estar. Espera-se que a iniciativa pioneira inspire futuros projetos que busquem tornar o conhecimento científico acessível a todas as pessoas, independentemente de suas capacidades visuais. A inclusão e a acessibilidade devem ser pilares fundamentais em todos os aspectos da educação e da disseminação do conhecimento científico. Este é um passo importante em direção a um mundo mais inclusivo e igualitário, onde o conhecimento está verdadeiramente ao alcance de todos.

Colaboração multidisciplinar e compromisso com acessibilidade

Como uma forma de atender à necessidade de profissionais que buscam conhecimento no campo da saúde e encontram inúmeras dificuldades ao acessar acervos bibliográficos, um dos desdobramentos da iniciativa foi a criação de uma secção com obras especiais para pessoas que não podem usufruir de material comumente impresso na Biblioteca de Manguinhos, Fiocruz, numa exitosa parceria do IOC com o IBC e o ICICT. Além do livro produzido, mais de 100 documentos em Braille foram gentilmente cedidos pelo IBC, atendendo, assim, à demanda negligenciada de alunos e profissionais, de cursos técnicos, graduação e pós-graduação, portadores de alguma deficiência visual. A expectativa é que este acervo cresça e que a iniciativa possa ser multiplicada em outras bibliotecas no território nacional considerando que uma sociedade verdadeiramente inclusiva pressupõe um sistema de valores e de atitudes, muito além das ideias e ações inclusivistas. A parceria do laboratório com o IBC possibilitou também a produção de materiais especializados tridimensionais que incluem  triatomíneos, mosquitos e carrapatos, entre outros artrópodes.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**