
Mais da metade das mulheres jovens adiam gravidez com receio do impacto do Zika vírus
Número de mulheres que relataram evitar a gravidez no Nordeste (66%) em comparação ao sul (46%) chama atenção dos cientistas
11/02/2017
Mulheres negras e pardas são grupos raciais vulneráveis que não têm como se mover como as elites para fugir da epidemia. Esse é mais um dos elementos de desigualdade dessa emergência de saúde pública
Um estudo conduzido na Universidade de Brasília (UnB) pesquisou mais de 2.000 mulheres brasileiras, com idades entre 18 e 39 anos. Os dados refletem o impacto da epidemia em grupos raciais considerados vulneráveis ao demonstrar que as mulheres negras e pardas eram mais propensas a evitar a gestação do que as brancas. O levantamento fornece uma primeira visão importante sobre como a epidemia Zika levou as brasileiras a reverem suas intenções de engravidar. O estudo foi publicado, em 22 de dezembro, no Journal of Family Planning and Reproductive Health Care.
Para saber mais sobre a pesquisa, a assessoria de comunicação da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) entrevistou a antropóloga, professora da UnB e autora do livro Zika, do Sertão Nordestino à ameaça global, Debora Diniz, que liderou a equipe.
SBMT: Como surgiu a ideia do estudo conduzido na Universidade de Brasília?
Dra. Debora Diniz: O estudo de 2016 é a segunda edição e segue a mesma metodologia da Pesquisa Nacional do Aborto de 2010, também realizada pela Anis – Instituto de Bioética e Universidade de Brasília. O principal objetivo da pesquisa era medir a magnitude do aborto no País. A pergunta sobre zika foi inserida para tentar compreender como essa epidemia tão grave poderia afetar os projetos reprodutivos das mulheres.
SBMT: Como foi realizada a pesquisa?
Dra. Debora Diniz: Foram entrevistadas 2.002 mulheres de cidades do Brasil urbano. O número de brasileiras entrevistadas é baseado em um cálculo de amostra representativo da população de mulheres da faixa etária selecionada, entre 18 e 39 anos, urbanas e alfabetizadas. Foram utilizados dois métodos combinados de coleta de dados: a técnica de urna, para as perguntas sobre aborto, e a entrevista com roteiro pré-estabelecido, que incluía a pergunta sobre gravidez e zika.
SBMT: O estudo mostrou que as mulheres negras e pardas eram mais propensas a evitar a gestação do que as brancas, o que também reflete o impacto da epidemia em grupos raciais considerados vulneráveis. A que a senhora atribui esses dados? Por quê?
Dra. Debora Diniz: Sim, porque mesmo no nordeste há uma concentração da epidemia em regiões rurais ou urbanas precárias, com políticas frágeis ou inexistentes de saneamento básico, que favorecem a presença do mosquito vetor. São grupos raciais vulneráveis que habitam essas regiões e não têm como se mover como as elites para fugir da epidemia. Esse é mais um dos elementos de desigualdade dessa emergência de saúde pública.
SBMT: De acordo com os resultados, mais da metade das mulheres que planejam ter um bebê tem evitado a gravidez por causa do vírus zika. Como a senhora vê este dado? A senhora entende que a pesquisa demonstra que se fazem necessárias melhorias nas políticas de saúde reprodutiva? Quais e por quê?
Dra. Debora Diniz: O que os dados mostram é que o Brasil deve reavaliar urgentemente suas políticas de saúde reprodutiva para garantir um melhor acesso à informação e métodos contraceptivos. Como indicado pela alta proporção de mulheres que evitaram a gravidez devido ao zika, o governo brasileiro deve colocar as questões de saúde reprodutiva no centro de sua resposta à epidemia, incluindo a revisão da persistente criminalização do aborto.
SBMT: Ainda de acordo com o levantamento, um dos pontos que mais chamou a atenção dos cientistas foi a quantidade de mulheres que relataram evitar a gravidez no Nordeste (66%). A senhora acredita que este resultado seja o reflexo de a Região ter sofrido mais com o surto?
Dra. Debora Diniz: Sem dúvida. Esse dado reflete a concentração da epidemia e seus efeitos desiguais às mulheres nordestinas.